[OPINIÃO] A importância do desenvolvimento de Comunidades para o sucesso de Ecossistemas de Inovação

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[OPINIÃO] A importância do desenvolvimento de Comunidades para o sucesso de Ecossistemas de Inovação

Unir pessoas em torno de um propósito comum é um elemento-chave turbinar a criação de ideias e empreendimentos inovadores nos ecossistemas

Unir pessoas em torno de um propósito comum é um elemento-chave para o sucesso desses territórios, em função do potencial de turbinar a criação de ideias e empreendimentos inovadores”. / Foto: StartupSC/Divulgação


[15.02.2024]

Por
Marcus Rocha, Especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação. Escreve mensalmente sobre o tema no SC Inova. 

Apesar de ser trivial para quem trabalha na área de inovação, o conceito de ecossistema de inovação é um modelo conceitual – e, portanto, abstrato – que é difícil de ser percebido na prática pelas pessoas que não trabalham nessa “bolha”. Aliás, nota-se que há, em geral, uma dificuldade na compreensão e aplicação do próprio conceito de inovação. 

Na prática, essa percepção se traduz em ações chamadas “inovadoras” realizadas por diversas organizações, mas que na verdade não alcançam o verdadeiro propósito desta área do conhecimento: o desenvolvimento de ações, por meio da criação de produtos/serviços/processos/etc. inéditos ou significativamente melhorados em relação ao que existe hoje, que proporcionem vantagem competitiva sustentada para que a organização sobreviva e prospere com sucesso no mercado que hoje é global. 

Ou seja, é por meio da inovação que as organizações (especialmente as empresas) devem buscar ser melhores que seus concorrentes, criando coisas que eles não tenham e que, preferencialmente, sejam difíceis de copiar. É por isso que empresas que não inovam efetivamente colocam o seu futuro em risco, porque pouco a pouco vão perdendo competitividade no mercado.

Quando um território tem um ambiente favorável ao desenvolvimento de inovações, se diz que há um ecossistema de inovação. Importante destacar que um ecossistema de inovação não depende apenas de especialistas. Aliás, depende muito mais de empreendedoras e empreendedores, que possuem o papel fundamental de desenvolver inovações, mas que não precisam necessariamente dominar os conceitos relacionados aos ecossistemas. 

Portanto, cabe aos especialistas nessa área materializar todos os conceitos e abstrações relacionados à inovação em questões práticas, com propostas de valor claras. Nesse sentido, uma das mais importantes ações concretas que podem ser realizadas em ecossistemas de inovação é o desenvolvimento das chamadas “Comunidades de Inovação”, que podem ser elementos-chave para o sucesso desses territórios, pois têm o potencial de turbinar a geração de inovações e de empreendimentos inovadores.

O PAPEL FUNDAMENTAL DAS COMUNIDADES DE INOVAÇÃO 

Primeiro é importante compreender o que é comunidade. Até algum tempo atrás, se entendia que era um grupo de pessoas que moravam em uma determinada área geográfica e que tinham características comuns. Com o passar do tempo este conceito foi ampliado para qualquer grupo social que tenha interesses em comum e que, a partir deles, passam a se relacionar em algum espaço, que hoje pode ser físico ou digital.

A partir dessa definição, fica mais fácil compreender o significado de Comunidades de Inovação: são grupos de pessoas que têm o propósito comum de desenvolver inovações ou empreendimentos inovadores e que, por isso, passam a se relacionar em ambientes físicos ou digitais. 

PONTOS DE ATENÇÃO PARA A FORMAÇÃO DE COMUNIDADES DE INOVAÇÃO 

A partir da definição de comunidade, é fundamental definir qual será o elemento de convergência dos interesses, propósitos ou objetivos dos futuros participantes. Claro que o desenvolvimento de inovações ou empreendimentos inovadores é um bom ponto de partida, mas como nenhum grupo daria conta de resolver todos os desafios de absolutamente todos os setores da humanidade, se faz necessário ter um escopo mais bem definido, ou especializado.

Pode-se, portanto, buscar um foco baseado em setor(es) econômico(s), área(s) de conhecimento, segmento(s) de mercado(s), etc., o que pode inclusive considerar a combinação de vários fatores. Destaca-se que isto não será “escrito na pedra”, é algo que pode (e deve) evoluir e se ajustar à medida em que a própria comunidade se desenvolve.

Uma dúvida comum no início da ativação de comunidades de inovação é saber quem convidar para participar. Nesse momento se percebe a materialização dos conceitos de ecossistemas de inovação. Considerando os modelos da quádrupla hélice, deve-se mapear e convidar pessoas dos seguintes grupos aderentes ao escopo de atuação da comunidade:

  • Empresas, tanto as já estabelecidas quanto as startups, demais empresas inovadoras nascentes e empreendedores independentes;
  • Governo, em todas as suas esferas (Municipal, Estadual, Federal), poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário) e instituições vinculadas (como o Ministério Público);
  • Academia, considerando Universidades, Faculdades, Escolas Técnicas, Centros de Pesquisa e Instituições de Ciência e Tecnologia (ICT);
  • Sociedade Civil Organizada, tais como Associações, Fundações e demais Organizações da Sociedade Civil, normalmente pertencentes ao chamado ‘terceiro setor’.
Modelo dos atores dos ecossistemas de empreendedorismo inovador com 4 “hélices” (J. Audy e J. Piqué, 2018

Importante destacar que pode haver sobreposições entre essas “hélices”. Por exemplo: um Fundo de Investimentos em Startups (caracterizado inicialmente empresa) pode ser privado, público ou até mesmo do terceiro setor, e pode ter como investidores organizações de todas essas categorias, ao mesmo tempo; uma Universidade (caracterizada como academia) também pode ser privada (empresa), pública ou do terceiro setor. Portanto, deve-se considerar o modelo muito mais como um checklist para não se esquecer de nenhum ator importante que deva participar da comunidade, do que uma forma de classificar cada um deles em uma das “caixinhas” do modelo de ecossistema.

Um ponto que pode ser fundamental para atrair e manter o engajamento dos participantes diz respeito à linguagem a ser utilizada na comunidade. Relembrando a questão de que os participantes não são – e talvez nunca serão – especialistas em inovação, deve-se ter um cuidado muito especial com o vocabulário utilizado, pois o uso excessivo de jargões pode representar uma barreira invisível, provocando alienação e desengajamento dos participantes. Uma comunidade precisa ser inclusiva e, para tanto, a linguagem deve ser acessível.

Outra questão importante para o sucesso de uma comunidade de inovação é a pluralidade e a diversidade. A questão para isso é bastante prática: grupos que pensam da mesma forma e que têm as mesmas ideias e visões de mundo terão suas competências e criatividade limitadas. Portanto, quanto mais pessoas com diferentes ideias, competências, opiniões, experiências, crenças, origens, etc. participarem da comunidade, maior potencial para que soluções efetivamente inovadoras surjam lá. 

ONDE AS COMUNIDADES DE INOVAÇÃO SE REÚNEM

Após saber quem precisa fazer parte de uma comunidade de inovação, surge a pergunta em relação a onde esse grupo pode se reunir. É nesse momento que os habitats ou ambientes de inovação entram. Cabe destacar que o desenvolvimento de inovações depende intensivamente de interações sociais e, quanto melhor a qualidade da interação e da comunicação, melhores podem ser os resultados. É por isso que as interações presenciais são tão importantes para as comunidades, mas, obviamente, nos dias de hoje não se pode esquecer dos ambientes digitais, que também são muito relevantes.

Para que essas interações sociais ocorram, as comunidades de inovação precisam realizar encontros cujas temáticas e dinâmicas sejam relevantes para os participantes, caso contrário será difícil ter o engajamento dos seus membros. Hoje há muitos exemplos bem-sucedidos que podem servir de inspiração para cada comunidade, tais como Encontros temáticos (Meetups), Oficinas (Workshops), Maratonas de Inovação (tais como Hackathons ou Innovathons), apresentações de Pitches, compartilhamento de desafios de inovação pelo chamado “Pitch reverso”, entre tantas outras opções. O mais importante é sempre buscar adaptar as dinâmicas aos interesses e necessidades da comunidade, pois não há “receita de bolo” nesse sentido.

"O desenvolvimento de inovações depende intensivamente de interações sociais. Quanto melhor a qualidade da interação e da comunicação, melhores podem ser os resultados".
“O desenvolvimento de inovações depende intensivamente de interações sociais. Quanto melhor a qualidade da interação e da comunicação, melhores podem ser os resultados”. / Foto: Max Schwoelke

Uma vez ativados todos esses pontos, a chave para o sucesso de uma comunidade de inovação é a continuidade. Nesse sentido, também não há uma receita única de periodicidade, mas quanto mais frequentes forem os encontros, maiores as chances de sucesso – provavelmente a realização de encontros presenciais ou virtuais semanais parece ser o ideal; do lado oposto, intervalos maiores do que 1 mês para cada ação tende a levar ao desengajamento e à desmobilização da comunidade. 

DESENVOLVIMENTO DE LIDERANÇAS E RESULTADOS MENSURÁVEIS 

Há um ponto chave que ainda não foi mencionado para o sucesso das comunidades em geral e, especialmente, aquelas ligadas à inovação: o desenvolvimento de lideranças. Como qualquer dinâmica social, é necessário que haja pessoas dispostas a voluntariamente ceder o seu tempo para articular as atividades da comunidade. Para tanto, essas pessoas se tornam as referências dentro do grupo e precisam de competências de liderança. 

É necessário, portanto, que no ecossistema e na comunidade exista uma valorização do trabalho voluntário em prol do empreendedorismo, junto com iniciativas que ajudem a desenvolver novas lideranças, tais como mentorias ou capacitações. O grupo deve compreender que o voluntariado também gera suas recompensas, que não são financeiras, mas que podem ser valiosas, pois os voluntários líderes acabam tendo maior notoriedade e aumentam significativamente suas redes de contatos. Isto, naturalmente, deve ocorrer dentro da comunidade de inovação.

Quando se fala de liderança, surge também o assunto da governança da comunidade. Mais do que a criação de documentos com estatutos e regimentos internos, o mais importante é que as regras de coordenação, participação e conduta estejam claramente definidas e comunicadas para todos os membros. E devem ser tomados alguns cuidados. Primeiro, é importante destacar que a comunidade não deve ter uma pessoa ou um pequeno grupo que se ache “dono” dela. Neste sentido, além do desenvolvimento e da atração de novas lideranças,se deve prever uma frequente oxigenação das pessoas responsáveis pela coordenação das dinâmicas e pela representação da comunidade dentro e fora do ecossistema local de inovação.

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Uma comunidade de inovação dinâmica e bem-sucedida passa a formar conexões e redes de relacionamento entre os seus membros. A partir do engajamento nas diferentes atividades realizadas, é natural que laços de amizade e relacionamentos de negócios sejam estabelecidos, sendo que o segundo tipo deve prevalecer, dado o propósito principal desse tipo de comunidade. Então é importante acompanhar e garantir, de alguma forma, a quantidade, a qualidade e a força dessas redes.

Por fim, os resultados das comunidades de inovação devem ser bastante objetivos. Recomenda-se definir e monitorar prioritariamente indicadores relacionados à quantidade de projetos inovadores e ao sucesso/qualidade dos empreendimentos inovadores que tiveram origem na comunidade. Pode-se, opcionalmente, acompanhar indicadores de esforço tais como a quantidade de encontros/eventos, número de membros ativos, assiduidade nos encontros, etc. 

No entanto, o foco deve estar nos resultados e na comunicação dos sucessos, pois é o que fará que a comunidade seja cada vez mais valorizada – e, portanto, frequentada – pelos membros do ecossistema, atraindo cada vez mais pessoas empreendedoras e tende a criar um círculo virtuoso. As comunidades devem também buscar que as inovações geradas sejam adquiridas pelo mercado local, aumentando as chances de sucessos dos empreendimentos inovadores que estão sendo desenvolvidos, bem como reforçando a competitividade local, especialmente quando inovações B2B (de empresas para empresas) são adotadas pelas empresas estabelecidas no território antes dos seus concorrentes de outras regiões.

Portanto, a capacidade de criar um mercado local consumidor de inovações também acaba sendo um resultado de comunidades bem sucedidas, o que não apenas colabora com o desenvolvimento da economia da região, mas também com a atração de novos membros para a própria comunidade.

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