A invisível barreira da linguagem inibe o desenvolvimento dos ecossistemas de inovação

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A invisível barreira da linguagem inibe o desenvolvimento dos ecossistemas de inovação

Há um número significativo de pessoas que se sentem excluídos dos ambientes tech. E o motivo parece ser o mais banal possível: alguns dos “novatos” não compreendem parte daquilo que é discutido. / Foto: Tim Gouw

Há um número significativo de pessoas que se sentem excluídas dos ambientes tech. E o motivo parece ser o mais banal possível: muitos não compreendem parte do que é discutido – como se alguns “veteranos” desse mundo falassem um outro idioma. / Tim Gouw (Unsplash


[24.05.2022]


Por Marcus Rocha, empreendedor e colunista SC Inova.
Escreve quinzenalmente sobre ambientes e ecossistemas de inovação

 É importante sempre relembrar de onde veio a definição de “ecossistemas de inovação”. Certamente o pessoal das ciências socioeconômicas pegou emprestado o termo ecossistema, que originalmente foi criado na biologia, para explicar o fenômeno de equilíbrio sustentável entre seres vivos, ambiente e suas interrelações em determinados territórios naturais. 

Tendo em vista o objetivo de criar ambientes para gerar empreendimentos inovadores de forma sustentável, esse conceito original foi adaptado para dar origem a modelos que identificam as diferentes “espécies” de atores que precisam estar presentes (vindos da iniciativa privada, iniciativa pública, academia, e sociedade civi), os ambientes que necessitam existir (parques tecnológicos, centros de inovação etc.) e as dinâmicas que precisam acontecer em uma determinada região.

Para serem efetivamente sustentáveis, os ecossistemas precisam ser inclusivos. É fundamental garantir a diversidade, seja genética (no caso da biologia), seja de competências e criatividade (no caso da inovação), para que eles permaneçam dinâmicos e vivos. Para que isso aconteça de forma contínua, é necessário haver o mínimo de barreiras.

As barreiras mais óbvias são aquelas físicas. Locais distantes dos principais pontos de encontro, instalações com restrições de acesso, poucos serviços, pouca sinalização, ou com preços muito altos, tendem a afastar as pessoas. Com isso, a inclusividade é prejudicada.

Mas há também barreiras invisíveis e, no mundo da inovação, talvez sejam as mais significativas e, ao mesmo tempo, as mais difíceis de identificar e derrubar. Uma delas, e talvez a mais importante, seja a linguagem utilizada nos ambientes frequentados pelos indivíduos das espécies do mundo da inovação.

Nos artigos anteriores foram abordados assuntos relacionados à importância do desenvolvimento de novas lideranças, e também a necessidade de incluir mais profissionais das empresas estabelecidas nos ecossistemas de inovação do Brasil. Ao conversar com pessoas de diferentes regiões do país que querem participar mais ativamente dos processos de inovação, percebe-se que há um número significativo que, em grau maior ou menor, se sentem excluídos. E o motivo parece ser o mais banal possível: boa parte das pessoas “novatas” nos ecossistemas não compreende boa parte daquilo que é discutido. Parece que aqueles que já frequentam esse mundo há algum tempo falam outro idioma.

OPORTUNIDADE PARA OS ECOSSISTEMAS: OFERECER CURSOS PARA LEIGOS CONHECEREM CONCEITOS MAIS COMUNS

O mais interessante é que isso não se restringe aos leigos, aos estudantes jovens, ou às pessoas de empresas que ainda não incorporaram práticas de inovação às suas estratégias. A questão é mais generalizada do que os membros ativos dos ecossistemas pensam, ou querem admitir. 

Portanto, não basta promover mais eventos ou qualquer outro tipo de iniciativa que chame pessoas que ainda não frequentam os ecossistemas de inovação, se elas não entenderem o que está sendo conversado. Também não dá para partir do pressuposto de que, sempre que alguém não entender o que está sendo debatido, ele ou ela irá perguntar do que se trata. A maior parte das pessoas tem vergonha de mostrar suas ignorâncias.

"Não dá para partir do pressuposto de que, sempre que alguém não entender, irá perguntar do que se trata. A maior parte das pessoas tem vergonha de mostrar suas ignorâncias". Foto: Joshua Hoehne / Unsplash
“Não dá para partir do pressuposto de que, sempre que alguém não entender, irá perguntar do que se trata. A maior parte das pessoas tem vergonha de mostrar suas ignorâncias”. Foto: Joshua Hoehne / Unsplash

Ao fazer uma pesquisa rápida em termos bastante usados em artigos ou em eventos sobre inovação, é relativamente fácil perceber que realmente muitos dos termos utilizados são difíceis de compreender por leigos: startup, scale-up, MVP, pivotar, PoC, deal, deal flow, tag along, drag along, early stage, bootstrap, ramp up, mindset, soft skills, OKR, inbound marketing, outbound marketing, UX, CX, pitch, pitch deck, equity, angel investor, seed capital, venture capital e M&A, são termos comumente usados, e há muito mais.

Claro que, em alguns casos relacionados a termos básicos tais como Startup e Scale-up, além de práticas mais comuns do mundo atual da administração, como os OKR (objectives and key results, ou objetivos e resultados-chave), dependem apenas de capacitações rápidas. Aqui já surge uma oportunidade significativa para os ecossistemas: oferecer cursos para explicar para os leigos os conceitos mais comuns.

No entanto, percebe-se a utilização exagerada de jargões em língua inglesa, e parece que isso é mais forte nos assuntos relacionados ao mundo dos investimentos em startups. E, se já há bastante pessoas do próprio mundo da inovação que não gostam de excesso de jargões, imaginem quem está de fora.

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Pelo próprio futuro e desenvolvimento dos ecossistemas de empreendedorismo inovador, é necessário que cada um faça a sua parte para derrubar a barreira invisível da linguagem. De início, cada um pode fazer a sua parte reduzindo o jargão ao mínimo, trocando aquelas expressões da língua inglesa que possuem tradução adequada para o português. Afinal de contas, é muito mais fácil compreender quando se fala de modelo mental, habilidades socioemocionais, estágio inicial, ou experiência do usuário do que quando se diz mindset, soft skills, early stage e UX, apenas para citar alguns exemplos simples.

A solução é, ao mesmo tempo, simples e complexa. Simples porque pode começar com esses comportamentos individuais. Mas também é complexa porque os conhecimentos necessários para a promoção da inovação são amplos e nem todos são simples de compreender. Além disso, a quantidade de pessoas envolvidas tende a ser cada vez maior.

Mas, da mesma forma que os ecossistemas de empreendedorismo inovador bem sucedidos fizeram bem o trabalho de formar e alinhar os conhecimentos daqueles que hoje lá estão, também é possível fazer os ajustes necessários para que cada vez mais pessoas se sintam bem-vindas e acolhidas, incentivadas a trazer mais participantes.

E, para aqueles ecossistemas que ainda estão em formação, essas práticas podem ser implantadas desde o início. O resultado deve ser prático: mais inovação, mais startups, e a promoção do desenvolvimento sustentável para o território do ecossistema.

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