[OPINIÃO] Como escapar da armadilha do ‘Teatro da Inovação’

Voce está em :Home-Inovadores-[OPINIÃO] Como escapar da armadilha do ‘Teatro da Inovação’

[OPINIÃO] Como escapar da armadilha do ‘Teatro da Inovação’

Falta de estratégia de inovação e prevalência de processos, estruturas e produtos atuais são pontos-chave para empresas que falham ao inovar

Falta de estratégia de inovação e prevalência dos processos, estruturas e produtos atuais são os pontos-chave para empresas que tentam, mas não obtém resultados, ao inovar. / Foto: Rob Laughter (Unsplash)


[31.07.2024]

Por Marcus Rocha, Especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação. Escreve mensalmente sobre o tema no SC Inova. 

Em artigo publicado anteriormente, esta coluna abordou o termo ‘Teatro da Inovação’, criado por Steve Blank para explicar por que muitas empresas estabelecidas – talvez a maioria delas – invista em ações de inovação, mas poucos resultados são alcançados. O fenômeno é definitivamente complexo, mas é possível identificar algumas causas raízes para ele:

  • Falta de estratégia de inovação
  • Prevalência dos processos, estruturas e produtos atuais

A primeira causa raiz é a pedra fundamental. Sem uma estratégia clara de inovação a organização fica sem rumo sobre como irá desenvolver os elementos que trarão vantagem competitiva e que garantirão sua sobrevivência e prosperidade em mercados cada vez mais concorrenciais e globais. Além de ter uma estratégia, é necessário dar a devida prioridade e garantir a sua execução.

O Relatório do estudo ‘2024 Innovation Survey‘ realizado pela ACE Cortex traz algumas informações interessantes sobre este cenário (como foi feito no Brasil, o título poderia ter sido escrito em Português, mas vamos lá). De início, já chama atenção o fato de que quase 48% dos executivos consultados não concordam totalmente que inovação é uma prioridade dentro da sua empresa – e cerca de 18% são neutros ou discordam disso. 

Quanto às principais prioridades, as principais são: aumento de receita através do portfólio de produtos existentes (35,1%); exploração de novas formas de gerar receita (26,4%); e criação de cultura forte para dar suporte à inovação (19%). Apesar da preocupação com uma cultura que valorize a inovação, aqui se percebe uma priorização a melhorias contínuas e graduais dos produtos ou serviços existentes, com visão de retorno de curto prazo. 

Aqui há uma questão-chave, pois muitas organizações ainda confundem a melhoria contínua da gestão da qualidade com inovação. O motivo é bastante claro, mas nem sempre percebido: melhorias que não proporcionam clara vantagem competitiva em relação ao seu mercado de atuação, apesar de serem novidades para a própria empresa, não podem ser caracterizadas como inovadoras. A falta de compreensão desta diferença-chave também ajuda a levar as organizações para o Teatro da Inovação.

“ANTICORPOS” CONTRA A INOVAÇÃO 

Sobre os desafios para tornar as empresas mais inovadoras, chama a atenção que o principal é a falta de recursos financeiros, citada por 46% das organizações consultadas. Também aparecem com destaque que a consulta existente, a falta de pessoas capacitadas e a estratégia de governança e sistema de gestão também são restrições importantes contra a inovação. Percebe-se claramente que a maior parte das empresas brasileiras ainda possui ‘anticorpos’ significativos contra a inovação, o que converge com a segunda causa raiz identificada acima e, portanto, há muito trabalho a ser feito para a melhoria da sua competitividade no atual cenário altamente competitivo e globalizado, onde só sobrevive e prospera quem inova efetivamente e de maneira contínua, pois alcança vantagem competitiva sustentada.

Uma vez que a organização tem clareza da importância da inovação e dos caminhos que deseja seguir para garantir a sua competitividade, lembrando de que deve atuar em várias frentes e horizontes temporais, como aquelas sugeridas pela Matriz de Ambição da Inovação, pelo modelo dos Três Horizontes da McKinsey, entre tantos outros que podem e devem ser aplicados e adaptados conforme cada situação. Com isso, deve-se partir para a execução e é nesse momento que, além de observar o ambiente externo, se deve compreender muito bem o contexto do ambiente interno da empresa, identificando quais barreiras podem criar dificuldades para o desenvolvimento ou para a implantação das inovações.

Nesse contexto deve-se observar práticas importantes tais como gestão da qualidade e gestão por processos que normalmente trazem efeitos colaterais que podem apresentar barreiras à inovação. Destaca-se que essas práticas são importantíssimas para as empresas; no entanto, os gestores devem prestar atenção nos anticorpos que podem ser criados e que ajudam a neutralizar a inovação, considerando os padrões que passam a ser estabelecidos no cotidiano empresarial – padrões esses que as inovações irão modificar.

Talvez essa seja a maior causa do ‘Teatro da Inovação’: os padrões e rotinas estabelecidas criando resistências às mudanças trazidas pelas inovações. É importante deixar claro que este artigo defende a manutenção dessas boas práticas, pois elas garantem a qualidade dos processos, produtos e serviços das organizações. No entanto, um gestor atento deve reconhecer que, quanto mais bem-sucedidas são essas práticas, a tendência é que maiores sejam as resistências contra mudanças e, portanto, contra inovações.

O QUE FAZER ANTES DE COMEÇAR OS PROCESSOS DE INOVAÇÃO

É por isso que uma das boas práticas para a execução de estratégias de inovação é a criação de postos avançados fora do ambiente cotidiano da organização, tais como os Sandboxes Corporativos, desenvolvendo ações conforme as abordagens de Inovação Aberta. Nesse sentido, uma das principais referências mundiais em inovação, Steve Blank, recomenda 6 decisões que precisam ser tomadas antes de estabelecer um posto avançado para desenvolver inovações, de forma a evitar o Teatro da Inovação.

Desde o início, se destaca que um posto avançado de inovação precisa estar estabelecido em um cluster que seja aderente às estratégias e teses de investimento em inovação da empresa. Ou seja, é fundamental que a organização encontre parceiros com competências e interesses ao mesmo tempo convergentes e complementares. Por isso que um cluster de negócios inovadores precisa também buscar atores da “quádrupla hélice” – empresas, academia/centros de pesquisa, governo e sociedade civil. Ou seja, muito antes de criar um nome descolado – usando expressões como Lab, Hub, Park, Valley etc. – é necessário ter estratégias e táticas consistentes.

Para tomar as decisões propostas por Steve Blank para evitar o Teatro da Inovação, a primeira reflexão diz respeito se a direção da organização acredita – ou não – que o portfólio de ações para a inovação deve considerar o relacionamento com startups. Para tanto, deve-se avaliar o nível de disrupção no mercado de atuação da empresa que está sendo causado por startups, o que tem sido relativamente comum nos setores de Tecnologia da Inovação e Comunicações (TIC), Varejo, Automotivo, Financeiro, Químico e Farmacêutico, entre outros. Além disso, é importante verificar se a empresa consegue manter um ritmo de inovação equivalente ao das startups que estão surgindo no seu setor. 

“Antes de criar um nome descolado (Lab, Hub, Park, Valley etc.) é necessário ter estratégias e táticas consistentes”

Nesse sentido, as empresas podem desenvolver seus próprios programas de apoio a startups considerando também o intraempreendedorismo, contando com os talentos dos seus próprios colaboradores, trabalhando em conjunto com parceiros externos. A partir de três referências relevantes (Eric Ries, ABStartups e StartSe) compreende-se que Startup é um novo empreendimento desenvolvido em um cenário de incertezas, pois visa criar um produto ou serviço com carga significativa de inovação e com um modelo de negócios que permita um rápido crescimento, em larga escala. Portanto, nota-se claramente que Startup não é apenas um sinônimo de empresa nascente de base tecnológica; é, acima de tudo, uma estratégia de desenvolvimento de empreendimentos inovadores que pode, inclusive, ser desenvolvida por empresas estabelecidas.

A segunda reflexão proposta por Blank é sobre a expectativa do Retorno sobre os Investimentos (ROI) e qual o nível de riscos que a organização deseja assumir em relação aos projetos de inovação. Isto dependerá, principalmente, do nível de competitividade e de disrupção do setor no qual a empresa está inserida. Se forem baixos, a empresa pode dimensionar seus investimentos de uma maneira um pouco mais modesta, com prazos para ROI mais longos. Poderá desenvolver com mais tempo (mas não de forma lenta) projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), e de parcerias para todas as frentes de trabalho conforme modelos como a Matriz de Ambição da Inovação, Flywheel, etc.

Agora, se os níveis de competitividade e disrupção forem altos, a empresa deverá aumentar os investimentos e ser mais agressiva nos seus trabalhos de P&D e de desenvolvimento ou parcerias com startups. A criação de veículos de capital empreendedor corporativo (‘Corporate Venture Capital‘, CVC) para a aquisição de startups em fase de tração no mercado é um bom exemplo de ação prática neste sentido.

A terceira reflexão vai na direção dos objetivos e metas a serem estabelecidas para o posto avançado para inovação, quando a direção da organização deve definir claramente 1 ou 2 desafios estratégicos a serem trabalhados por meio da presença diária no ecossistema local de inovação, especialmente nas atividades do cluster de negócios inovadores no qual está inserida. A identificação desses pontos permite decidir o melhor local para instalar o posto avançado, além de ter mais clareza para definir os objetivos e indicadores chave de desempenho (KPI) da inovação para avaliar o seu progresso e sucesso, de forma convergente com as estratégias de negócio e de inovação da empresa.

CONHECENDO ECOSSISTEMAS

O quarto ponto de reflexão serve para escolher qual ecossistema de inovação (ou quais) a organização deve considerar para operar seu posto avançado de inovação (ou postos). Cabe destacar que nem sempre o território onde a empresa está instalada é o melhor local para ter um posto avançado de inovação.

Como já foi dito anteriormente, antes de tudo a organização deve ter parceiros convergentes e complementares com seus interesses – preferencialmente organizados na forma de cluster. Para conhecer os ecossistemas e os clusters com maior potencial, a alta direção da empresa deve, pessoalmente, visitar esses locais, frequentar eventos e conhecer potenciais parceiros. Somente após conhecer com mais profundidade os ecossistemas é que a decisão do local de instalação do posto avançado, considerando os prós e contras relacionados a cada uma das demais reflexões propostas.

LEIA AQUI OUTROS ARTIGOS DO AUTOR

A quinta reflexão vai na direção do desenvolvimento de uma estratégia para integrar o posto avançado de inovação às demais áreas da empresa, considerando não apenas o trabalho desenvolvido lá, mas principalmente a integração futura dos seus resultados – inovações – no portfólio da empresa. Aliás, a maior parte dos postos avançados falha quando levam para a empresa inovações que nenhum departamento quer implantar ou financiar. Por isso, os desafios estratégicos propostos na terceira reflexão precisam ter táticas conectadas a áreas da empresa que irão patrocinar econômica, financeira e moralmente os trabalhos de inovação. 

Portanto, a direção de cada área da empresa deve identificar quais são as barreiras de adoção de inovações que podem existir, criando táticas de gestão de mudanças para minimizar os atritos que poderão acontecer. Tal prática tende a reduzir bastante o efeito dos ‘anticorpos’ contra a inovação nas empresas estabelecidas, especialmente aquelas que são bem-sucedidas nas disciplinas da qualidade e da gestão por processos, que continuarão a ser muito importantes, mas que precisarão ser adaptadas.

Também se deve considerar que a incorporação da uma inovação, especialmente se for disruptiva ou relacionada a um novo produto/serviço altamente escalável, nem sempre cabe em um departamento pré-existente. Tendo isso em mente, a direção da empresa deve prever que, em casos como esses, outras alternativas devem ser rapidamente acionadas, tais como a criação de um novo departamento ou unidade estratégica de negócio, ou ainda a criação de uma nova empresa (spin-off), entre outras opções.

A sexta e última reflexão é sobre como iniciar os trabalhos do posto avançado de inovação. Com as reflexões anteriores devidamente resolvidas, resta partir para a ação e, para tanto, devem ser consideradas questões práticas. Nesta reflexão se pode também adotar uma abordagem ‘enxuta’ (lean) e iterativa, com ciclos de fases de implantação e operação. Neste momento é necessário disponibilizar sistema de gestão, orçamento, equipe, planos de curto e médio prazo, além do monitoramento dos indicadores chave de desempenho. Como se trata de uma questão estratégica, novamente a participação da alta direção é fundamental.

É claro que essas 6 reflexões não são uma fórmula mágica ou receita de bolo que irá garantir o sucesso de um posto avançado de inovação para as organizações estabelecidas. Mas nota-se, claramente, que representam um framework básico que visa reduzir os riscos e maximizar os sucessos desse tipo de iniciativa que é fundamental para a sobrevivência e o sucesso das empresas no atual cenário concorrencial. 

Para facilitar a compreensão, segue abaixo uma imagem de resumo, adaptada do artigo original:

Resumo das 6 reflexões que devem ser feitas antes de estabelecer um Posto Avançado de Inovação. Adaptado de https://i0.wp.com/steveblank.com/wp-content/uploads/2015/12/outpost-flow-chart.jpg

As reflexões propostas devem gerar debates e, acima de tudo, decisões que precisam ser priorizadas e implementadas com velocidade. Por mais óbvio que seja, quando se fala em inovação, a ação consistente e contínua é o ponto mais importante. Até porque, nos dias de hoje, investir de forma estratégica em inovação não é mais uma opção, mas é algo fundamental para as organizações que desejam garantir a sua sobrevivência – e também o seu sucesso – sendo consistentemente melhor que seus concorrentes.

LEIA TAMBÉM: