[OPINIÃO] Clusters de Inovação: da materialização à captação de recursos (parte II)

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[OPINIÃO] Clusters de Inovação: da materialização à captação de recursos (parte II)

Os arranjos inovadores devem estimular a geração de redes de confiança entre parceiros com competências complementares.

Os arranjos inovadores devem estimular a geração de redes de confiança entre parceiros com competências complementares, além de identificar oportunidades para o desenvolvimento de novos produtos e serviços. / Foto: Ant Rozetsky (Unsplash)


[12.06.2024]

Por Marcus Rocha, especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação. Escreve mensalmente sobre o tema no SC Inova. 

Na primeira parte deste artigo (leia aqui), destacamos os passos iniciais para criar um cluster para a inovação em um ecossistema – desde a definição do escopo de atuação até o mapeamento de players para participar e movimentar este arranjo. Nesta conclusão, vamos abordar os passos seguintes, da materialização deste cluster até a captação de recursos para inovação.

GOVERNANÇA DE UM CLUSTER

Por mais que o cluster seja um arranjo que pode assumir diferentes formas, é importante que haja pelo menos uma estrutura mínima de gestão dos seus trabalhos. No início, a tendência é que haja apenas um acordo geral entre os participantes, registrado na forma de um manifesto ou documento equivalente, e sejam definidas as lideranças que representarão o grupo dentro e fora do ecossistema local de inovação. À medida que as ações e os resultados do cluster começam a ter volume, surge naturalmente a necessidade de alguma formalização.

A forma mais leve é definir, dentre alguma instituição associativista – tipicamente empresarial – seja a gestora do cluster. Destaca-se que esta instituição não é a ‘dona’ do cluster, mas apenas coloca a serviço do arranjo a sua estrutura institucional, administrativa e operacional, para dar suporte às atividades que são realizadas. Já em casos mais robustos, é natural criar uma instituição dedicada totalmente à gestão do cluster, que pode ser uma organização sem fins lucrativos na forma de uma fundação, associação, consórcio, ou até mesmo cooperativa.

Nesses casos, quando a governança fica mais formal, outras regras e estruturas necessitam ser definidas. Documentos como estatutos ou regimentos internos são elaborados e aprovados coletivamente. Dentre as regras que precisam ser detalhadas neste momento, se destacam:

  • Escopo do Cluster
  • Objetivos do Cluster
  • Recepção e aceitação de membros
  • Contribuições dos membros (não necessariamente financeira; mas, pelo menos, em colaboração/serviços/conhecimento)
  • Papéis e responsabilidades dos membros
  • Código de conduta
  • Governança: 
    • Diretoria, com definições sobre cargos e responsabilidades, mandato, eleição, voluntariado (ou não), remuneração (ou não)
    • Equipe de gestão do cluster, também com cargos e responsabilidades, voluntariado (ou não), remuneração (ou não)
    • Estruturas de apoio e fiscalização do trabalho da Diretoria e da Equipe de gestão
    • Processo de tomada de decisão estratégica
    • Processo de planejamento e avaliação periódica do cluster
    • Processo de alteração das regras básicas do cluster

MATERIALIZAÇÃO DO CLUSTER

Pela sua própria característica empreendedora, o cluster se materializa na forma de ações que promovam resultados concretos. Para tanto, o arranjo precisa criar as condições para o desenvolvimento efetivo do empreendedorismo inovador.

Para tanto, diversos serviços precisam ser disponibilizados para, inicialmente, estimular a geração de redes de confiança entre parceiros com competências complementares, além de identificar oportunidades para o desenvolvimento de inovações, principalmente voltadas para resolver desafios do mercado cujas soluções atuais são inexistentes ou podem ser significativamente aprimoradas. 

Uma vez que as ideias de empreendimentos ou tecnologias inovadoras começam a surgir, devem ser disponibilizados serviços para reduzir os riscos inerentes às atividades inovadoras, bem como para maximizar as chances de sucesso. Cabe ainda destacar que, quando se fala em tecnologias, não são apenas aquelas ligadas às informações e comunicações – as chamadas TIC -, mas também as que estão ligadas a substâncias, materiais, equipamentos, métodos, etc.

Entre os serviços de apoio ao empreendedorismo inovador que podem ser realizados no âmbito de um cluster, podem ser destacados:

  • Eventos com objetivos tais como:
    • Networking
    • Capacitação
    • Identificação de oportunidades para inovar
  • Banco de ideias de desafios/oportunidades de inovação, com:
    • Demandante(s) que trouxe(ram) o desafio/oportunidade
    • Descrição do desafio/oportunidade
  • Pré-incubação de ideias de empreendimentos inovadores, para transformá-las em negócios reais, a serem desenvolvidos dentro de uma empresa estabelecida, ou nova
  • Incubação de empreendimentos inovadores
  • Aceleração de empreendimentos inovadores
  • Veículos de capital para o financiamento de empreendimentos inovadores
  • Marketplace de talentos para empreendimentos inovadores
  • Assessorias especializadas para empreendimentos inovadores em áreas como Contabilidade, Jurídico, Marketing, RH, etc.

A solução de muitos dos desafios que são identificados nas dinâmicas do cluster precisarão de novas tecnologias para serem verdadeiramente inovadoras e, portanto, competitivas no mercado. Para que isso aconteça é fundamental que haja a participação de instituições de ciência e tecnologia (ICT), cujas linhas de pesquisa sejam aderentes a cada necessidade ou ideia apresentada. 

O trabalho conjunto com o demandante de uma nova tecnologia – normalmente uma empresa ou grupo de empresas estabelecidas – é realizado por meio de pesquisa e desenvolvimento (P&D) aplicado. Aqui vale destacar que, quanto menor o nível de maturidade da tecnologia (TRL) em P&D, maiores os riscos da inovação tecnológica em questão. Por isso, é importante integrar este tipo de trabalho com os serviços de apoio ao empreendedorismo inovador, que ajudam a mitigar muitos dos riscos existentes.

Quando um cluster de inovação gera resultados concretos em quantidade e com qualidade, naturalmente surge a necessidade de ter uma ‘casa’, um local físico para receber seus membros, e hospedar de forma integrada os diferentes serviços de apoio ao empreendedorismo inovador, bem como projetos inovadores relevantes. Aliás, este é o processo ideal para a criação de Habitats de Inovação, independente da sua tipologia – hub de inovação, centro de inovação, distrito de inovação, parque tecnológico, etc. Ao se construir primeiro o imóvel, para depois desenvolver o cluster, há o risco de ter uma ‘casa vazia’, que pode ser ocupada por serviços que pouco têm relação com a promoção do empreendedorismo inovador, ou que não têm foco econômico bem definido e, assim, têm dificuldade em atrair atores relevantes como as empresas estabelecidas.

CAPTAÇÃO DE RECURSOS PARA A INOVAÇÃO

Claramente, todas as diferentes ações a serem desenvolvidas em um cluster de inovação precisam de investimentos. Isso vale tanto para aquelas que são coletivas – tais como serviços de apoio ao empreendedorismo inovador – quanto para as iniciativas individuais, realizadas em cada empreendimento inovador. Portanto, é necessário que o cluster pense em diferentes formas de captar recursos econômicos e financeiros, sejam para as suas próprias operações, ou para os empreendimentos inovadores que serão gerados, em suas diferentes fases de desenvolvimento e maturidade.

Para o financiamento do cluster de inovação em si, podem ser consideradas opções tais como:

  • Fontes de recursos contínuas, tais como: contribuições dos membros; ou captações de fontes públicas ou privadas a partir de editais de subvenção, de patrocínios etc.
  • Fontes de recursos eventuais ou sob demanda: receitas percebidas por Inscrições em eventos; prestação de serviços de consultoria; prestação de serviços de assessoria a projetos de captação de recursos (com ou sem participação no resultado) etc.
  • Fontes de recursos de longo prazo: royalties sobre inovações desenvolvidas em parceria com a gestão do Cluster; participação societária em startups etc.

Já para o financiamento dos empreendimentos inovadores em si, é importante que o cluster ofereça serviços de apoio à captação de recursos aos seus membros – e algumas fontes de recursos podem até mesmo servir para financiar serviços do próprio cluster aos seus membros. Esses serviços devem considerar o mapeamento contínuo de fontes de recursos para a inovação, públicas e privadas, para diferentes finalidades dentro das diferentes necessidades do cluster de inovação e dos projetos dos seus membros. 

O mapeamento das fontes de recursos para inovação deve considerar tanto aquelas reembolsáveis quanto as não-reembolsáveis, além de opções como subvenção, subsídio, renúncia fiscal, financiamento, investimento, entre outros.  Com o conhecimento das diferentes fontes e seus mecanismos, o cluster de inovação precisa fazer o devido compartilhamento, por meio da capacitação dos membros que desejarem submeter projetos, além de disponibilizar assessoria técnica especializada para identificar a fonte de recursos mais adequada para cada caso, e também para maximizar as chances de aprovação de projetos e, assim, de captação de recursos.

SUPER CLUSTERS DE INOVAÇÃO 

Quando um cluster de inovação gera uma quantidade expressiva de empreendimentos altamente inovadores e com escala internacional, percebe-se grandes concentrações geográficas de empresas, instituições de pesquisa, universidades, e outras organizações interconectadas que colaboram intensamente em atividades de inovação. Esses clusters são caracterizados por um ambiente altamente dinâmico e interativo, onde a proximidade física facilita a troca de conhecimento, ideias, e tecnologias, impulsionando o desenvolvimento econômico e a competitividade regional. 

Israel: um dos poucos super clusters do mundo, com foco em Defesa e Cibersegurança.
Israel: um dos poucos super clusters do mundo, com foco em Defesa e Cibersegurança. / Foto: Shai Pai (Divulgação)

Com isso, eles acabam sendo chamados de “super clusters de inovação”, e possuem as seguintes características principais:

  • Alta densidade de ativos: Incluem uma grande concentração de empresas, desde startups até grandes corporações, além de instituições de ensino superior e centros de pesquisa de ponta, em todas as partes da cadeia produtiva do seu escopo de atuação.
  • Colaboração e Sinergia: Forte cultura de colaboração entre as diversas entidades, promovendo projetos conjuntos, transferência de tecnologia e intercâmbio de conhecimento.
  • Incentivos e Políticas: Recebem frequentemente apoio significativo de políticas públicas e incentivos governamentais que fomentam o ambiente de inovação.
  • Infraestrutura Avançada: Possuem uma infraestrutura robusta que inclui laboratórios de pesquisa, espaços de coworking, incubadoras e aceleradoras.
  • Talento e Capital Humano: Atraem e retêm talentos qualificados, beneficiando-se da proximidade de instituições educacionais que formam profissionais altamente capacitados.
  • Fluxo de Capital: Atraem investimentos significativos de venture capital, fundos de pesquisa e desenvolvimento, e outras formas de financiamento que sustentam as atividades inovadoras.
  • Internacionalização: As redes e negócios gerados possuem alcance internacional e frequentemente tornam-se referências mundiais nos mercados que fazem parte do escopo de atuação do cluster.

A partir das características acima, e de forma convergente com alguns rankings internacionais tais como o Global Startup Ecosystem Ranking da Startup Genome e o Global Innovation Hubs Index da Nature Research Intelligence, nota-se que ecossistemas que possuem super clusters de inovação tendem a estar nas melhores posições internacionais desses estudos. Por exemplo, o Vale do Silício, nos Estados Unidos, notadamente possui um cluster voltado para as Tecnologias da Informação e da Comunicação. 

Outro bom exemplo é Israel, com o seu super clusters de Cibersegurança e de Defesa, além dos clusters de FinTech e FoodTech que estão no mesmo caminho. Nota-se que na Ásia, especialmente no Extremo Oriente, onde fica a maior parte da China, além da Coreia do Sul, Taiwan e Japão, também possui outros super clusters em diferentes setores/mercados, além de outros clusters que estão no mesmo caminho do sucesso.

Ainda não se percebe no Brasil a existência de super clusters de inovação, talvez porque os ecossistemas de inovação do país ainda não tenham se estruturado adequadamente neste sentido. Há alguns candidatos, com destaque para o Cluster Aeroespacial Brasileiro, na região de São José dos Campos, além de clusters focados em segmentos do mercado financeiro, em São Paulo – que, apesar do grande potencial, ainda parecem necessitar de maior organização e união dos atores de toda a cadeia produtiva.

Assim, pode-se perceber com clareza que ainda há poucos clusters de inovação adequadamente estruturados no Brasil. Portanto, além da oportunidade que o modelo clusterizado apresenta, nota-se uma necessidade de reavaliar a atuação dos ecossistemas, para o desenvolvimento de arranjos locais que efetivamente promovam a inovação aberta, com foco mais bem definido e envolvendo efetivamente as organizações já estabelecidas, que são aquelas que, sem dúvida, mais precisam inovar, para garantir a sua sobrevivência e competitividade em mercados que são cada vez mais globalizados.

Mais do que uma questão para as empresas, individualmente, também é um trabalho fundamental para a promoção do desenvolvimento sustentável, equilibrando as dimensões econômico-financeira, social e ambiental.

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