Os desafios são grandes e não envolvem apenas quem fornece a conectividade. O ecossistema de inovação deve buscar uma aproximação com agências reguladoras, prefeituras, concessionárias de distribuição de energia e as próprias empresas de telecomunicação. / Foto: Sigmund, Unsplash
[14.10.2021]
Por Marcus Rocha, empreendedor e colunista do SC Inova. Escreve quinzenalmente sobre ambientes e ecossistemas de inovação
Nos últimos anos a demanda por conectividade à internet no Brasil, com ou sem fio, cresceu exponencialmente. Os motivos são os mais diversos, e foram consideravelmente acelerados pelos impactos da pandemia do Covid-19: inclusão digital, aumentando a quantidade de pessoas com acesso à internet; a digitalização cada vez maior das relações comerciais, incluindo o e-commerce; a transformação digital das empresas, governos e organizações do terceiro setor; o trabalho remoto.
Ao mesmo tempo, percebe-se também um aumento da insatisfação dos consumidores, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, em relação à qualidade dos serviços de telecomunicações no Brasil. Nesses casos, o natural é colocar a responsabilidade, ou a culpa, em quem está na linha de frente, ou seja, nas empresas prestadoras de serviços de conectividade. No entanto, os desafios são grandes e não envolvem apenas essas empresas, pois há pontos fundamentais que dependem de ações diretas do governo federal, das prefeituras, e das operadoras de serviços de distribuição de energia elétrica.
O primeiro desafio, que certamente é o mais importante, diz respeito à infraestrutura de fibras óticas nas cidades, que é fundamental para que todos tenham acesso à internet. Além disso, para que a tecnologia 5G possa cumprir as promessas de alta velocidade e baixíssima latência nas conexões, é necessário que as antenas estejam conectadas a redes de fibra ótica de excelente qualidade. Então é uma questão relacionada tanto ao presente quanto ao futuro próximo.
Considerando a quantidade de cabos de energia elétrica e de telecomunicações nos postes das cidades brasileiras, percebe-se que há muito tempo foi feita uma escolha pelo cabeamento aéreo. Apesar de ter vantagens em termos de velocidade e custos de implantação, essa forma de instalação de infraestrutura também têm desvantagens muito claras, tais como a poluição visual, a menor segurança para os serviços de manutenção – pois os cabos de energia e de telecomunicações estão muito próximos -, a inclinação dos postes causada pelas forças exercidas pela tração dos cabos em excesso, e a maior fragilidade em relação a acidentes de trânsito, árvores, ou a intempéries climáticas.
Essa escolha pelo cabeamento aéreo criou um dos principais gargalos existentes hoje para a melhoria da oferta dos serviços de conectividade à internet nas cidades, especialmente em regiões com maior densidade de ocupação. É importante salientar que, na maioria dos casos, os postes utilizados para os cabos de telecomunicações nas cidades foram instalados pelas concessionárias de distribuição de energia elétrica.
Para disciplinar o uso dos postes pelos cabos de energia e de telecom, agências reguladoras do Governo Federal criaram alguns instrumentos:
- Resolução Conjunta nº 1 de 1999, da Aneel, Anatel e ANP, para o compartilhamento de Infraestrutura entre os Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo;
- Norma NBR 15214 de 2005 da ABNT, que descreve os requisitos técnicos para o compartilhamento de infraestruturas das redes de distribuição aérea e subterrânea de energia elétrica;
- Resolução Conjunta Aneel/Anatel nº 4 de 2014, que estabeleceu o preço de referência para o compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações;
- Resolução 797 de 2017 da Aneel, que revogou a Resolução nº 581 de 2002, e regulamenta o art. 5º da resolução 1/1999.
A partir dessas normas, as concessionárias de distribuição de energia disponibilizam nos postes, normalmente, de 4 a 6 pontos de fixação para cabos de telecomunicações, sendo um ponto para cada empresa. Também há diretrizes claras para a identificação dos cabos, instalação de caixas de passagem, instalação de dutos para conexão com casas ou prédios etc.
Para colocarem seus cabos nos postes, as empresas de telecom assinam contratos com as concessionárias de energia e, em seguida, submetem projetos técnicos de instalação de cabeamento para os endereços onde operar; se os projetos estiverem corretos e houver pontos de fixação disponíveis nos endereços solicitados, a concessionária autoriza a instalação.
Cabe destacar que a concessionária cobra uma taxa mensal das operadoras – conforme a resolução 4/2014 da Aneel o valor mínimo de referência foi de R$ 3,19 por poste, com 60% destinados para auxiliar na redução da tarifa de energia elétrica.
O importante aqui é que o limite de 4 a 6 pontos de fixação também limita a quantidade de operadoras em cada região. Como não há nenhuma outra norma que estabeleça alternativas que possibilitem o compartilhamento dos serviços entre as operadoras de telecomunicações, cria-se na realidade uma reserva de mercado para poucas empresas.
E, com pouca concorrência, quase não há pressão para melhorar os serviços aos consumidores. Ou então, quando a norma é ignorada, colocando mais pontos de fixação, toda a segurança operacional e a qualidade dos serviços fica comprometida, inclusive com a perigosa inclinação dos postes.
CENÁRIO PRATICAMENTE NÃO TEVE AVANÇOS NOS ÚLTIMOS ANOS
Tal cenário é bastante desafiador e, talvez até, desanimador. Apesar de diversas frentes de trabalho em nível federal e da pressão colocada por algumas entidades sobre o assunto nos últimos anos, não houve nenhum avanço. Há uma expectativa de que Aneel e Anatel lancem uma nova resolução conjunta, substituindo a nº 4/2014, algo que só deve acontecer em 2022.
É possível que seja proposta a criação de um “operador neutro”, ou seja, que uma única empresa tenha cabos de telecomunicações nos postes de cada cidade, cuja finalidade será prestar os serviços de distribuição de conectividade para as operadoras que desejarem operar em cada local.
Caso se torne realidade, o operador neutro poderá resolver no curto a médio prazo o atual gargalo, além de reduzir muito a poluição visual nos centros das cidades. No entanto, será necessário esclarecer como será a transição do modelo atual para o novo modelo, bem como de quem será a responsabilidade por realizar e regulamentar a transição – da Aneel, da Anatel, das concessionárias de distribuição de energia, ou das prefeituras. Ou seja, ainda estamos longe de uma solução palpável.
O leitor pode estar se perguntando os porquês de não termos mais cidades e locais com cabeamento subterrâneo no Brasil. Claramente essa forma de implantação de infraestruturas de energia, telecomunicações e gás possui uma série de vantagens, com menos poluição visual, maior segurança, robustez quanto a eventos meteorológicos etc. No entanto, o investimento necessário para a instalação do cabeamento subterrâneo é muito maior quando comparado ao aéreo. É por isso que, em geral, essa modalidade só se viabiliza economicamente em locais urbanos com densidade de ocupação média ou alta.
A questão do impacto causado pelas obras de instalação do cabeamento subterrâneo é algo relevante. É necessário realizar a escavação de ruas e calçadas, além de realizar interrupções nos serviços de energia e telecomunicações, o que causa transtornos e, por isso, nem todo agente público é simpático à iniciativa, mesmo que os benefícios sejam permanentes.
Também há uma cultura de que esse tipo de investimento precisa ser realizado unicamente pela iniciativa pública, sem grandes movimentos para a criação de parcerias público-privadas ou outro tipo de arranjo que seja legalmente seguro. E, por fim, resta saber se as concessionárias de distribuição de energia aceitariam abrir mão das suas receitas atuais dos postes, ou investir na modalidade subterrânea, o que poderia inclusive aumentar seu faturamento nesse sentido.
Esse cenário representa um importante gargalo que estabelece um bloqueio importante ao desenvolvimento econômico e, principalmente, à inovação. As empresas inovadoras necessitam utilizar de forma intensiva as tecnologias da informação e da comunicação para alcançarem seus propósitos e seus modelos de negócios escaláveis, então a falta de soluções definitivas nesse cenário é preocupante.
Importante lembrar que as redes de fibras óticas são a espinha dorsal dos sistemas de telecomunicações. Independentemente se o acesso à internet seja feito pelo usuário por meio de redes 3G ou 4G, WiFi, Ethernet, ou outros tipos que já existam ou venham a existir, a maior parte do tráfego dos dados acontecerá pelas fibras óticas. Mesmo dispositivos de internet das coisas (IoT) que utilizem protocolos de baixo consumo de banda como LoRa, Zigbee, ou Sigfox, também podem ter seu desempenho afetado se as redes de fibra óticas estiverem sobrecarregadas.
Mesmo que o assunto seja muito técnico, é fundamental que cada vez mais atores dos ecossistemas de inovação se envolvam nesse debate. Deve-se buscar uma maior aproximação com as agências reguladoras, prefeituras, concessionárias de distribuição de energia e com as próprias empresas de telecomunicações, para promover uma discussão mais clara e acessível sobre o tema, e uma efetiva participação nas alternativas de solução, que precisam ser implantadas com urgência.
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