Somente entre 2013 e 2017, as graduadas e incubadas geraram um faturamento somado de R$ 1 bilhão e retornaram mais de R$ 150 milhões em impostos
Em meados da década de 1990, nascia uma iniciativa para desenvolver incubadoras de empresas em diversas cidades do estado. Era o Projeto Pegasus, criado a partir do Instituto Euvaldo Lodi (IEL), entidade ligada à Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC), e que priorizaria o desenvolvimento de novos negócios orientados às vocações econômicas regionais, como o agronegócio no Oeste, o carvão e a cerâmica no Sul e a indústria metalmecânica ao Norte.
Se o Projeto Pegasus não conseguiu criar as incubadoras em todos os polos econômicos do estado, em Florianópolis o então MIDI Tecnológico deslanchou em poucos anos e se tornou ao longo das duas últimas décadas um dos principais celeiros de empresas de TIC do estado. Gerenciado pela Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE) e mantido com apoio do Sebrae Santa Catarina, o MIDITEC completou 20 anos em agosto de 2018 com um histórico respeitável: mais de 100 empresas graduadas, quatro vezes eleita a melhor incubadora do país (segundo premiação da Anprotec) e recentemente selecionada entre as cinco melhores do mundo em ranking do UBI Global.
Só entre 2013 e 2017, as graduadas e incubadas geraram um faturamento somado de R$ 1 bilhão, calcula Marcos Regueira, consultor do Sebrae/SC que ficou por uma década lotado no MIDITEC e que até hoje acompanha os processos de seleção de empreendedores, entre outras atividades. Mesmo sem dados confiáveis de faturamento antes de 2013, Regueira calcula que as empresas que passaram pela incubadora faturaram até aquele ano pelo menos outros R$ 500 milhões. “No começo as empresas não tinham uma receita muito grande, mas hoje temos algumas egressas que faturam em torno de R$ 100 milhões por ano”, comenta.
Somente em impostos pagos pelas incubadas e graduadas, o valor do período 2013-2017 soma R$ 151 milhões aos cofres públicos. “Em 20 anos, o Sebrae investiu R$ 10 milhões no MIDITEC, em valores corrigidos. Só nos últimos cinco anos o retorno foi de 15 vezes tudo o que foi investido”, detalha.
Instalada em 1998 no condomínio de empresas de tecnologia onde ficava a ACATE, no bairro Trindade e 20 minutos à pé do campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a incubadora levou dois anos para ser totalmente ocupada. Era muito mais difícil empreender num tempo em que o sistema telefônico brasileiro ainda era estatal e uma linha custava milhares de reais e precisava ser declarada no Imposto de Renda.
“Em 20 anos, o Sebrae investiu R$ 10 milhões no MIDITEC, em valores corrigidos. Só nos últimos cinco anos o retorno foi de 15 vezes tudo o que foi investido”, calcula Marcos Regueira, do Sebrae/SC
“O grande atrativo no começo era a infraestrutura que era oferecida: sala, mobiliário e uma central telefônica com ramais para cada empresa. Era com isso que elas faziam marketing e vendas naquele tempo, quando não tinha internet”, lembra Regueira. Os processos de seleção, rigorosos desde o início, avaliavam não só viabilidade e qualidade dos projetos mas também potencial dos empreendedores e a sinergia entre eles.
Hoje, com a eclosão das startups, passar pelo processo seletivo da incubadora é um dos principais desafios para quem está começando. Na última chamada, foram 129 empresas inscritas, das quais 54 foram pré-selecionadas para apenas 5 vagas disponíveis, comenta Gabriel Sant’Ana, diretor executivo da ACATE e coordenador do MIDITEC.
“O nível dos empreendedores está cada vez maior. Quem chega hoje para ser incubado já tem um protótipo validado, conhece bem modelos de negócio, alavancagem, tem uma bagagem acumulada como profissional. Ainda tem muita gente jovem se candidatando mas a peneira está cada vez mais difícil a cada ano”, ressalta Gabriel.
Ex-executivo de um grupo de comunicação, Santiago Edo, 44 anos, é um exemplo. Depois de iniciar sozinho a Reviewr, uma plataforma B2B que gerencia comentários (reviews) de clientes em redes sociais, decidiu largar tudo para se dedicar exclusivamente à startup. Incubada no MIDITEC desde abril de 2017, quando ainda não faturava, a Reviewr chegou a agosto de 2018 com 21 clientes, uma plataforma que monitora 1,5 mil estabelecimentos, gera R$ 45 mil de faturamento mensal e conta com 13 profissionais.
“Costumo dizer que antes de entrar no MIDI éramos um trem desgovernado e quando entramos no MIDI eles nos colocam nos trilhos, com um objetivo claro e uma metodologia incrível para nos ajudar a desenvolver. Depende muito dos empreendedores também, mas se você estiver disposto a absorver tudo – precisa estar no modo “esponja” – prepare-se para evoluir muito rápido”.
REINVENÇÃO PARA ACOMPANHAR A GERAÇÃO LEAN STARTUP
O conceito de lean startup (startup enxuta) disseminado por Eric Ries no início desta década gerou uma revolução no ambiente de tecnologia: ideias como a de pivotagem de modelo de negócios, validação de produto e o ciclo construir-medir-aprender trouxeram conceitos que não estavam na cartilha de nenhuma incubadora até então.
“O mercado mudou radicalmente nos últimos anos e precisamos nos reinventar. Antes a sala era o ativo mais importante para as incubadas, hoje não é mais. Precisamos mudar justamente para oferecer aquilo que as empresas mais novas precisavam. Desde benefícios à maneira de selecionar e acompanhar as empresas, métricas de sucesso, conexão com o mercado e os próprios incubados… e daqui a pouco vai mudar tudo de novo”, explica Gabriel.
Quem acompanhou estes dois momentos, como empreendedor, foi Douglas Pesavento, que incubou duas empresas em épocas distintas. A primeira oportunidade foi em 2007/2008, com a incubada MCA. Na segunda vez, em 2013, ele já tinha a Sensorweb e acabou optando pela modalidade de incubação virtual pois ele já contava com uma infraestrutura que não cabia nas salas do MIDITEC.
“Vivenciamos dois mundos diferentes”, recorda Douglas. “Na primeira vez tivemos o suporte de consultorias de maneira mais convencional, em várias áreas. Não existia a questão de validar com o mercado, esses conceitos lean. Tanto que o modelo de negócio que a gente construiu pra MCA não existe mais”.
Mesmo não estando fisicamente na incubadora com a segunda empresa, Douglas e a nova equipe aproveitaram muito as conexões (reuniões de trabalho, eventos e happy hours) para conhecer outros empreendedores, trocar ideias e buscar novas oportunidades. A Sensorweb foi eleita melhor incubada do ano (Anprotec, 2016), além ter sido a que mais cresceu entre 2013 e 2014. Hoje a empresa conta com 27 colaboradores e deve anunciar em breve o investimento feito por um fundo de venture capital.
INCUBAÇÃO E ACELERAÇÃO: MODELOS QUE COEXISTEM
A consolidação da lean startup também levou ao surgimento das aceleradoras de negócios, processos mais intensivos que duram de quatro a seis meses, cujo objetivo é levar uma startup em determinado nível de maturidade a crescer em escala em pouco tempo. Não foram poucas as vozes, no ambiente de tecnologia, que começaram a questionar a validade das incubadoras, cujos ciclos levavam de dois a até cinco anos para desenvolver uma empresa.
Este novo cenário demandou às incubadoras a incorporar conceitos de lean startup e assim atualizar sua metodologia para um tempo de mudanças muito aceleradas. Na visão do coordenador do MIDITEC, porém, nada impediu as incubadoras de coexistirem com as aceleradoras e outros modelos como os programas de mentoria.
“Pela nossa experiência, sabemos que é muito difícil escalar uma empresa em quatro meses, na realidade brasileira. Trabalhando em um prazo maior – e a média de incubação no MIDITEC é de dois anos e meio – nós apoiamos muito mais a formação do empreendedor e o crescimento da empresa. Os processos de aceleração funcionam para um perfil mais específico, quando a startup já está mais madura, tem um modelo de negócio escalável, e necessita de apoios específicos para crescer rapidamente “, compara Gabriel Sant’Ana.
Atualmente, é comum entre as incubadas com mais tempo de casa participar em paralelo de programas de aceleração – como o Darwin Starter, que fica no andar superior ao MIDITEC, em Florianópolis – para este desenvolvimento específico e também um aporte de capital. Todas as incubadas hoje já receberam algum tipo de recurso, seja investimento anjo ou rodada de seed capital.
“O grande diferencial do MIDI é o ecossistema”, garante Gabriel Sant’Ana. “Historicamente sempre tivemos acesso a pessoas de alta qualificação, tanto do lado da incubadora, consultores e mentores quanto dos empreendedores. Não é o prédio, nem ninguém específico, conseguimos criar um ambiente bem favorável dentro de um ecossistema vencedor”.
O desafio para os próximos anos é ajudar as incubadoras a desenvolver negócios com potencial de escala global, comenta o coordenador: “cada vez mais o MIDITEC vai ter que se estabelecer como um player internacional, e isso demanda parcerias com outras empresas e do próprio ecossistema com outros países. Além disso, temos que atrair o mercado de venture capital, em várias fases. É preciso de mais recursos para irrigar esse terreno fértil”.
Quem corrobora com esta visão é Sergio Pereira, gestor do projeto SebraeTec e esteve envolvido nos primeiros passos da incubadora, há 20 anos: “é uma parceria exitosa e de vanguarda desde o início. Minha visão particular, de quem acompanha o setor, é que é preciso ampliar e fortalecer essa rede de parcerias que funciona bem, das universidades às instituições de fomento, entidades empresariais e investidores, que estão integrados e se apoiam mutuamente”.
Se depender de quem está começando a jornada agora no ambiente de tecnologia, o futuro é promissor: “Nós certamente vamos contribuir com nossa experiência para ajudar novos empreendedores. A colaboração aqui é algo que nunca vi em qualquer outro lugar onde trabalhei. É um ecossistema unido, todos torcem pelo sucesso de todos”, comenta Santiago, da Reviewr. “Me sinto abençoado por, nesta fase da vida – pois não sou nenhum garoto – vivenciar um ambiente e um desafio como este”.
Reportagem especial produzida para
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