Boas referências não faltam para as organizações não empresariais que desejam também adotar a inovação aberta, como as Prefeituras. Como toda nova prática de gestão a ser implantada, é necessário liderança, patrocínio e muita persistência. / Foto: Living Lab Florianópolis, PMF (2017).
[11.05.2021]
Por Marcus Rocha, CEO do 2Grow Habitat de Inovação.
Escreve quinzenalmente no SC Inova sobre ambientes e ecossistemas de inovação.
Quando Henry Chesbrough lançou em 2003 o livro “Open Innovation: The New Imperative for Creating and Profiting from Technology” (Inovação Aberta: O Novo Imperativo para Criar e Lucrar com a Tecnologia, em tradução livre), foi feito o registro de uma nova forma de desenvolvimento dos processos de inovação. Empresas citadas no livro, como IBM e Intel, passaram a melhorar ou desenvolver produtos ou serviços de uma forma diferente.
Essas empresas passaram a trabalhar como sistemas mais abertos, evoluindo as práticas desenvolvidas pela maior parte das indústrias que até então trabalhavam de forma fechada. Talvez esse traço da gestão da pesquisa e do desenvolvimento de produtos ainda sofresse uma forte influência dos medos oriundos da Guerra Fria, com uma certa paranóia relacionada à espionagem e ao vazamento de informações.
Com a globalização, a competição deixou de ser regional ou nacional – e tornou-se mundial. As empresas que desejam sobreviver a essa nova realidade precisam se adaptar para adotar modelos de aprimoramento ou desenvolvimento de produtos, serviços, equipamentos, processos, etc. que sejam mais ágeis, priorizando acima de tudo o time-to-market – ou seja: o tempo para tornar realidade e levar ao mercado essa novidade, que deve ser o menor possível.
O trabalho de Chesbrough teve um recorte muito claro para as empresas, sendo seguido por diversos outros pesquisadores e executivos que evoluíram a Inovação Aberta para um conjunto de métodos consolidados nas melhores práticas dos negócios. No entanto, se engana quem pensa que, no mundo atual, a competição e a necessidade por inovação se restringem apenas às empresas.
Organizações de todos os tipos, públicas ou privadas, passaram a perceber a necessidade de inovar, pois o fenômeno da concorrência não é mais exclusivo das empresas. O conceito de empreendedorismo também passou por uma avaliação semelhante, uma vez que se percebe sua aplicação não apenas em âmbito empresarial. Hoje, o conceito e as práticas de empreendedorismo e de inovação são percebidas em áreas como: social, sustentabilidade, impacto, pública, intraempreendedorismo etc.
Assim, os métodos de inovação aberta passaram a ser usados e adaptados por instituições de educação ou de pesquisa, organizações do terceiro setor, e também por governos de diferentes esferas e poderes. Quando a inovação é promovida por entes que possuem objetivos mais diversos, além daqueles motivados por interesses comerciais ou para a geração de negócios, o modelo inicial de inovação aberta empresarial parece ser insuficiente, pois os desafios são mais plurais e afetam não apenas os atores dos ecossistemas de inovação, mas a sociedade como um todo.
A materialização dos processos de inovação aberta para esse sentido mais amplo é realizada por iniciativas caracterizadas como Living Labs (Laboratórios Vivos). Esses laboratórios produzem inovações que colaboram com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) criados pela Organização das Nações Unidas, ou com iniciativas caracterizadas como ESG: voltadas ao meio-ambiente (do inglês Environmental), à Sociedade e à Governança.
Percebe-se que nas cidades os Living Labs têm o potencial de trazer resultados bastante interessantes. Considerando que o gatilho que inicia a busca por inovações é a existência de problemas não resolvidos ou necessidades não atendidas, alguns governos municipais perceberam que o ambiente urbano é um espaço com muitas oportunidades nesse sentido. Assim surgiram os Urban Living Labs (“Laboratórios Vivos Urbanos”, em tradução livre), que transformam as cidades em espaços para testar, validar e, a partir da validação, implantar soluções inovadoras.
Um dos principais métodos utilizados hoje em Urban Living Labs é o “Candy Innovation Model“, proposto por Josep M. Piqué, Xavier Marcet, Anna Majó e Francesc Miralles, resumido na figura a seguir:
O processo de um ciclo de um Urban Living Lab, que demora entre 6 e 12 meses, inicia com o diagnóstico dos desafios de inovação, que são devidamente priorizados e filtrados. Como o ambiente urbano é complexo, não é possível atender a todos os desafios e, assim, são utilizados critérios de seleção como os impactos (econômicos, financeiros e/ou do público atendido), os recursos necessários, e o tempo estimado para trazer soluções efetivas.
Em seguida os desafios são especificados e, normalmente, realiza-se um chamamento público de propostas de projetos inovadores com o potencial de resolvê-los. Nesse momento é fundamental especificar de forma clara as regras para a submissão e seleção das propostas, bem como a dinâmica de trabalho dos projetos aprovados. Assim, o segundo filtro ocorre exatamente para selecionar as propostas que serão objeto de validação na etapa seguinte.
A etapa de desenvolvimento é a mais importante, pois é o momento de validação das soluções. Nesse momento é fundamental realizar um bom gerenciamento dos projetos, pois cada solução precisa ser validada no ambiente real do espaço urbano, a partir da execução de um Projeto Piloto, também chamado de Prova de Conceito. Também é importante a participação de entes da administração pública, pois podem ser necessárias intervenções nos espaços públicos, necessitando autorizações e ações do poder público.
Os projetos pilotos são avaliados e filtrados a partir de indicadores de desempenho, do comportamento na execução do projeto piloto e da avaliação dos envolvidos. Os projetos bem sucedidos seguem para a última etapa do processo do ciclo do Living Lab, que é a escalabilidade, quando devem ser criadas as estratégias para viabilizar a aplicação das soluções validadas na cidade e, em seguida, em outras localidades, para maximizar os benefícios dessas inovações.
Há bons exemplos de Urban Living Labs dentro e fora do Brasil. O Living Lab Florianópolis, cujo primeiro ciclo ocorreu entre 2018 e 2019, validou sete soluções inovadoras para escalabilidade. O 22@ em Barcelona, Espanha, e o Living Lab de Matosinhos, de Portugal, também são casos de sucesso relevantes.
Boas referências não faltam para as organizações não empresariais que desejam também adotar a inovação aberta, principalmente as Prefeituras. Como toda nova prática de gestão a ser implantada, é necessário que haja liderança, patrocínio e, acima de tudo, muita persistência.
Com a constante evolução dos ecossistemas de inovação no Brasil, certamente temos na aplicação desses métodos um excelente caminho para que a inovação seja praticada com resultados tangíveis, com impactos importantes em toda a sociedade.
PIQUÉ, J. M.; MARCET, X.; MAJÓ, A.; MIRALLES, F. Candy Innovation Model. 34th IASP World Conference on Science Parks and Areas of Innovation. International Association of Science Parks and Areas of Innovation (IASP). Istambul, Set., 2017.
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