Sandbox Regulatório: mecanismo com potencial para incentivar a inovação no Brasil

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Sandbox Regulatório: mecanismo com potencial para incentivar a inovação no Brasil

O modelo da “caixa de areia” pode ser chave para desenvolver inovações no país, muitas vezes reprimidas por regulamentações atrasadas.

O modelo da “caixa de areia” pode ser chave para desenvolver inovações no país, muitas vezes reprimidas por regulamentações atrasadas. Mas ainda há muito o que ser feito para tirá-lo do papel. / Foto: Ostap Senyuk, Unsplash 


[07.12.2021]


Por Marcus Rocha, empreendedor e colunista SC Inova.
Escreve quinzenalmente sobre ambientes e ecossistemas de inovação

O mundo da gestão volta e meia utiliza expressões baseadas em metáforas de coisas da vida cotidiana. Com o sandbox, um termo que vem recebendo cada vez mais destaque nos assuntos relacionados à inovação, não é diferente. Muita gente deve se lembrar da famosa “caixa de areia”, presente em parquinhos infantis de todo o mundo. É um local cercado e seguro, onde as crianças podem construir castelos de areia, pistas de corrida, e vários outros cenários que são limitados apenas pelo tamanho da caixa, pela quantidade de areia, pelos materiais disponíveis, e pela criatividade. E, se a ideia não der muito certo, ou se a energia acabar, é só desmanchar o que foi feito e tentar algo mais legal depois. Com certeza, para muitos leitores isso traz boas lembranças.

O setor de software foi o primeiro que popularizou o uso dessa expressão nos negócios, nas plataformas oferecidas na “nuvem”. Novas versões dos sistemas, antes de serem colocadas em produção, são oferecidas na forma de sandbox, para que os clientes possam testá-las livremente.

No mundo da inovação o termo ficou relevante durante a discussão do “Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador”, concretizado pela Lei Complementar Federal 182 de 2021. Essa lei estabeleceu o “Sandbox Regulatório” que, segundo o inciso II do caput do art. 2º, também pode ser chamado de “ambiente regulatório experimental, e considera o “conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado“.

Dada a importância do tema, o texto dessa lei contém um capítulo especialmente para isso, que diz:

CAPÍTULO VDOS PROGRAMAS DE AMBIENTE REGULATÓRIO EXPERIMENTAL  (SANDBOX REGULATÓRIO) 

Art. 11. Os órgãos e as entidades da administração pública com competência de regulamentação setorial poderão, individualmente ou em colaboração, no âmbito de programas de ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório), afastar a incidência de normas sob sua competência em relação à entidade regulada ou aos grupos de entidades reguladas.

§ 1º A colaboração a que se refere o caput deste artigo poderá ser firmada entre os órgãos e as entidades, observadas suas competências.

§ 2º Entende-se por ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório) o disposto no inciso II do caput do art. 2º desta Lei Complementar.

§ 3º O órgão ou a entidade a que se refere o caput deste artigo disporá sobre o funcionamento do programa de ambiente regulatório experimental e estabelecerá:

I – os critérios para seleção ou para qualificação do regulado;
II – a duração e o alcance da suspensão da incidência das normas; e
III – as normas abrangidas. 

A ideia do Sandbox Regulatório é muito interessante, utilizando muito bem a metáfora relacionada à caixa de areia dos parques infantis. Dentro dos limites estabelecidos e sob a segurança da supervisão das autoridades reguladoras, além de outros stakeholders que podem ser envolvidos, as inovações podem ser testadas livremente. 

No sandbox, se os testes não derem certo, não há dano à sociedade e as lições aprendidas permanecem para o futuro. / Foto: Markus SpiskeUnsplash 

Isso permite o aprendizado não apenas por parte de quem está desenvolvendo a inovação – startups, inventores, instituições de ciência e tecnologia etc. – mas também por parte das próprias autoridades responsáveis pela regulação setorial, que precisam supervisionar os testes. Com isso, a própria solução inovadora testada pode ser aprimorada, juntamente com a evolução dos respectivos instrumentos regulatórios afetados. E, se os testes não derem certo, não há dano à sociedade e as lições aprendidas permanecem para garantir maior sucesso no futuro.

Para orientar os inovadores, é importante destacar alguns dos principais órgãos com competência de regulamentação setorial no Brasil:

  • Advocacia: Ordem dos Advogados do Brasil – OAB;
  • Águas e Saneamento: Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA;
  • Energia: Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL;
  • Finanças e Economia: Ministério da Economia, Banco Central do Brasil – BCB, Comissão de Valores Mobiliários – CVM, Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF e Conselho Federal de Economia – COFECON;
  • Justiça: Tribunais Estaduais, Regionais Federais e Regionais do Trabalho, Superior Tribunal de Justiça – STJ, Tribunal Superior do Trabalho – TST, Supremo Tribunal Federal – STF, e Conselho Nacional de Justiça – CNJ;
  • Saúde: Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS;
  • Telecomunicações: Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL;
  • Transportes Aéreos: Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC;
  • Transportes Aquaviários: Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ;
  • Transportes Terrestres e Trânsito: Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN.

Importante destacar que o texto da lei que criou o Sandbox Regulatório é bastante genérico. Então, para que esse instrumento funcione plenamente ainda são necessárias ações práticas do Governo Federal. Há duas questões fundamentais a serem consideradas: primeiro, para setores que possuem vários órgãos regulamentadores – por exemplo, o setor financeiro – é necessário definir qual será o órgão responsável por receber e encaminhar as autorizações, sem sobreposições. Segundo, é necessário ter um alinhamento comum simplificado para a análise e autorização de testes no âmbito do sandbox regulatório, a ser seguido por todos os órgãos setoriais regulamentadores. Se cada órgão criar a sua própria regra, será criado um “monstro” burocrático que impedirá o funcionamento do mecanismo.

Como o Brasil é um país grande e complexo, é necessário que as autoridades regulatórias tenham capilaridade, com presença nos locais onde os testes de inovação serão realizados. Elas precisarão criar redes com outros órgãos públicos, estaduais ou municipais, para que o acesso ao ambiente regulatório experimental seja disponibilizado efetivamente em todo o território nacional.

Também há um movimento recente para a implantação de sandboxes nos municípios brasileiros, a partir da necessidade de inovação para as Smart Cities, ou Cidades Inteligentes. Nesse sentido, a Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI lançou o Guia de Sandbox para Cidades Inteligentes, que em alguns municípios já se traduziu em legislação específica. Em Santa Catarina, a Lei Ordinária Municipal 8.746/2021 de Jaraguá do Sul foi a pioneira.

A iniciativa de criar leis municipais para sandboxes é interessante, mas é necessário avaliar a necessidade de estabelecer esse tipo de mecanismo por lei. 

Primeiro, se deve considerar as limitações regulatórias dos municípios em conceder permissões de suspensão de regras. Por exemplo, testes com drones aéreos necessitam de autorização da ANAC, mesmo que ocorram em área definida como sandbox por lei municipal. Além disso, inovações em áreas como biotecnologia, fármacos, energia, finanças, etc. dependem de autorização de órgãos setoriais federais. 

Outro ponto se relaciona a leis municipais que estabelecem sandboxes em áreas geográficas específicas, tais como parques tecnológicos. Isso, por um lado, pode facilitar a realização de testes de forma controlada, mas, por outro, inibe o aproveitamento de todo o território municipal para os testes de inovação. 

Da mesma forma que nos casos dos órgãos federais, algumas dessas leis municipais para sandboxes podem criar burocracias que não existiam antes, complicando o que antes era facilitado. Por isso, antes de implantar uma legislação local para criar um sandbox em uma cidade, é necessário fazer uma análise criteriosa desses pontos. Muitas vezes, mecanismos mais simples, com mais articulação do ecossistema local e com menos legislação, podem trazer resultados mais expressivos e em menor tempo. Bons exemplos disso são os Living Labs Urbanos implantados com sucesso no exterior e também no Brasil, que não precisaram de lei específica.

Portanto, o sandbox regulatório é sim um mecanismo importante e que pode ser chave para a competitividade das inovações desenvolvidas no Brasil, que muitas vezes são reprimidas por regulamentações atrasadas, ou “congeladas no tempo”.

No entanto, ainda há muito o que ser feito para tirar esse mecanismo do papel, o que depende principalmente da ação do Governo Federal, em colaboração estreita com órgãos estaduais e com as Prefeituras, que podem e devem implantar ações complementares. E, apesar de ser um assunto de responsabilidade dos entes públicos, será fundamental contar com a participação – e até mesmo com a pressão – das lideranças dos demais atores dos ecossistemas de inovação de todo o país. 

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