[OPINIÃO] A reforma tributária e os ecossistemas de inovação no Brasil: uma oportunidade para ajustes

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[OPINIÃO] A reforma tributária e os ecossistemas de inovação no Brasil: uma oportunidade para ajustes

Com risco de queda na arrecadação, municípios devem incentivar inovação na cadeia produtiva e trazer empresas estabelecidas aos ecossistemas

Com mudança na legislação, municípios baseados na prestação de serviços para outras localidades correm risco de perder arrecadação. Caminho é incentivar inovação na cadeia produtiva local e trazer empresas estabelecidas aos ecossistemas. / Imagem: DALL-E/SC Inova


[15.04.2025]
“Territórios que promovem a inovação passam a ter melhores indicadores de desenvolvimento econômico e social e tendem a atrair mais negócios e profissionais qualificados", argumenta o autor Marcus Rocha. / Foto: Caio Cezar (Divulgação)
Marcus Rocha, especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação.
Escreve mensalmente sobre o tema no SC Inova

Um dos assuntos mais ‘quentes’ dos últimos tempos no Brasil foi a tão aguardada Reforma Tributária, cujos primeiros passos foram consolidados pela Emenda Constitucional 132. Este artigo não entrará nas diversas polêmicas desta nova legislação, cuja implantação ocorrerá gradualmente entre 2026 e 2032, mas destaca um ponto que trará impacto significativo nos Municípios e, portanto, também nos ecossistemas de inovação de todo o país: a mudança do domicílio da cobrança dos impostos sobre Bens e Serviços.

Para quem não está familiarizado com o assunto, cabe destacar que a regra tributária atual sobre bens/produtos e serviços considera o Imposto sobre Serviços (ISS), de competência municipal, e o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual. Com a reforma, será criado um tributo único chamado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que irá compor uma parte do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Hoje tanto ISS quanto ICMS são cobrados na origem, ou seja, nos Municípios e Estados a partir de onde foram fornecidos. A partir da reforma, a cobrança do novo IBS passará a acontecer no destino, ou seja, no Município ou Estado do comprador dos produtos ou serviços em questão. Diversos estudos já indicam que esta mudança certamente resultará em redução significativa de arrecadação das Prefeituras  que dependem do ISS para sustentar suas finanças, pela exportação de serviços produzidos em seu território. Ocorre que esta é exatamente a realidade dos Municípios que possuem ecossistemas de inovação que estão sendo bem-sucedidos e que passaram a ter boa parte da arrecadação vinda da prestação de serviços pelo ISS. 

Importante destacar que já faz algum tempo que os setores relacionados à prestação de serviços representam a maior fatia do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, com números consistentemente acima de 65% do total do PIB. Boa parte deste crescimento deve-se a uma tendência, em praticamente todos os setores, das empresas migrarem seus modelos de receitas para a ‘servicerização’, buscando o faturamento pela prestação de serviços, gerando receitas recorrentes, mesmo quando há bens envolvidos no processo. Startups e outros tipos de empreendimentos inovadores também buscam, em sua maioria, comercializar suas soluções desta forma, o que até agora trouxe grandes benefícios para a arrecadação tributária das administrações dos Municípios onde essas empresas estão instaladas, pelo ISS.

SINAL DE ALERTA PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INOVAÇÃO

O leitor que tenha atuação apenas no eixo empresarial ou acadêmico pode estar se perguntando por que deveria se interessar por este assunto, pois parece dizer respeito apenas à administração pública. A resposta vem do fato de que esta mudança proposta pela Reforma Tributária sobre o domicílio para o pagamento do IBS acende um sinal de alerta para as Políticas Públicas Municipais de Inovação, afetando todos os atores. 

A redução prevista na arrecadação dos municípios que são exportadores de produtos e serviços para outros locais do país afetará diretamente as fontes de financiamento público municipal de iniciativas de apoio à inovação nos ecossistemas locais. Além disso, também prejudicará a própria capacidade dos Municípios para financiar serviços públicos municipais básicos como educação, saúde e infraestrutura, que afetam indiretamente os ecossistemas de inovação por serem fatores importantes na atração e retenção de talentos e empreendimentos, especialmente aqueles que são inovadores. 

Mesmo com o aumento da alíquota do componente de serviços do IBS – hoje o ISS tem alíquotas entre 2% e 5% e deve mais que dobrar com a criação do IBS -, isso não será suficiente para compensar as perdas de arrecadação com a nova regra para os Municípios que hoje têm grande arrecadação de ISS de serviços ‘exportados’ para outras localidades. Portanto, o alerta também serve para empresas e entidades empresariais dos municípios, pois precisarão se preocupar tanto com o aumento da carga tributária quanto com este impacto potencial na redução da capacidade das Prefeituras em financiar a inovação. 

INOVAÇÃO PARA CADEIAS PRODUTIVAS LOCAIS

Esta situação de ameaça também pode representar uma oportunidade para ajustar as estratégias de desenvolvimento dos ecossistemas locais, representando um bom momento para ajustar suas estratégias para priorizar o reforço da vantagem competitiva das cadeias produtivas locais por meio da inovação. Isto deve se materializar no desenvolvimento da capacidade das empresas locais consumirem as inovações produzidas no próprio território. 

Para que isso efetivamente aconteça, não basta um movimento “compre daqui”, procurando ‘tocar o coração’ de empresas e consumidores locais. É necessário que os produtos e serviços produzidos no território passem a ser competitivos em relação ao que existe hoje nos mercados nacional e global. O motivo é simples de compreender: quem compra quer o melhor benefício, com o preço mais adequado, independente da origem. Então, se houver produtos ou serviços melhores que os locais, oferecidos por organizações de outras regiões ou países, eles serão os escolhidos em detrimento das soluções do próprio ecossistema.

Por isso a inovação é tão importante, materializada por estratégias que precisam desenvolver vantagem competitiva, cujo valor primeiro deve ser percebido localmente, reforçando os atores das cadeias produtivas locais, e depois em outros territórios, nacional e internacionalmente. Isto, inclusive, ajuda a acelerar o sucesso dos empreendimentos inovadores criados no território, que passam a ter um público de compradores iniciais (‘early adopters’ conforme recomenda Eric Ries no livro A Startup Enxuta) na própria região, proporcionando feedbacks para a evolução cíclica das soluções inovadoras levadas ao mercado.

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DE OLHO NAS VOCAÇÕES ECONÔMICAS (E NAS EMPRESAS ESTABELECIDAS)

Em termos territoriais, os atores dos ecossistemas devem se unir para garantir o desenvolvimento de inovações que atendam às necessidades de competitividade das principais cadeias produtivas da própria região. Isto trará a necessidade de ajustar o planejamento de boa parte dos ecossistemas de inovação do Brasil, que ainda trabalham de forma institucional e genérica, focados no desenvolvimento de startups criadas por empreendedores independentes. Será importante trazer as empresas estabelecidas da região para o centro das atenções do ecossistema de inovação, priorizando soluções inovadoras para as necessidades das cadeias produtivas ligadas à vocações econômicas de cada território, para reforço da sua competitividade perante os desafios concorrenciais nacionais e mundiais.

Além de reforçar a competitividade da economia local, a implantação bem-sucedida deste tipo de abordagem proporciona retenção da arrecadação tributária no próprio local. Como a administração pública é uma das categorias de atores fundamentais dos ecossistemas de inovação – junto com as empresas, instituições de ensino e pesquisa, além das organizações da sociedade civil -, é importante que haja uma união de esforços para que as Prefeituras mantenham sua capacidade de sustentação financeira, pelos motivos já destacados relacionados ao financiamento público da inovação e dos próprios serviços básicos de sua responsabilidade. 

Isto é ainda mais importante no caso do Brasil, país que tem uma estrutura estatal grande, mesmo em nível municipal. Portanto, Prefeituras que serão afetadas negativamente por esta mudança da Reforma Tributária, precisam contar com o apoio dos demais atores dos seus respectivos ecossistemas. 

Cabe destacar que os principais métodos de avaliação da maturidade de ecossistemas de referência em nível global levam em conta a capacidade local de comprar soluções inovadoras desenvolvidas no próprio território. Por exemplo, na metodologia da Startup Genome, o critério do Alcance Mercadológico (Market Reach) considera como uma das principais dimensões o Alcance Local (Local Reach), com maior peso que o Alcance Global (Global Reach).

Um dos principais caminhos para mitigar os impactos desta mudança pelo ajuste das estratégias dos ecossistemas locais de inovação é o desenvolvimento de Clusters de Inovação liderados pelo setor empresarial. Este movimento precisa colocar as empresas estabelecidas no território no centro das atenções das políticas municipais de inovação, a partir da priorização das vocações econômicas locais e suas respectivas cadeias produtivas. Com isso, será possível organizar e orquestrar os serviços de apoio ao empreendedorismo inovador e à pesquisa tecnológica tendo escopos econômicos bem definidos, incluindo teses de investimento mais claras e, portanto, atrativas para as empresas e veículos de investimento públicos ou privados.

Este desafio afetará também as Unidades da Federação do Brasil que têm menor porte – e menor poder de consumo de bens e serviços – e/ou que são mais exportadores de produtos para outros estados. Nesses casos, os Governos estaduais também terão a mesma dificuldade já relatada neste artigo, e precisarão trabalhar com as Prefeituras e Ecossistemas de Inovação presentes em seu território, de forma a ajudar a potencializar as vocações econômicas de cada região e suas capacidades de desenvolvimento de tecnologias e empreendimentos inovadores. 

Assim, talvez este seja o melhor momento para que os Governos implantem efetivamente estratégias regionais de inovação. A partir do modelo de referência do RIS3, terceira versão das Regional Innovation Strategies (Estratégias Regionais de Inovação) da Comunidade Europeia, é possível colaborar com os diferentes Ecossistemas de Inovação para desenvolver políticas públicas em nível estadual que criem complementaridade econômica de Clusters de Inovação que cooperem entre si, o que inclusive ajudará a reduzir uma certa competição que existe hoje entre os polos inovadores. 

Portanto, o cenário de ameaça trazido pela mudança do domicílio de cobrança do futuro IBS da Reforma Tributária pode ser uma oportunidade para que os Estados e Municípios afetados ajustem suas políticas de desenvolvimento econômico, para potencializar a capacidade de gerar e consumir inovação. Caso este trabalho seja bem-sucedido, além de neutralizar a potencial drástica redução na arrecadação tributária local, haverá o reforço da competitividade das cadeias produtivas instaladas no território, prevenindo crises econômicas futuras e potencializando o desenvolvimento do território de forma sustentável.

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