O valor de uma startup pode aumentar muito com a entrada de colaboradores no quadro societário – o sentimento de pertencimento é um fator poderoso que traz mais produtividade no trabalho e ajuda na difícil missão de reter os principais talentos da empresa. / Foto: Toa Heftiba (Unsplash)
[05.12.2022]
Redação SC Inova, scinova@scinova.com.br
No ambiente de startups, uma das questões fundamentais para os empreendedores é como manter um crescimento acelerado e sustentável, ampliando assim seu valor de mercado, ao mesmo tempo em que desenvolve lideranças estratégicas e retém talentos. Um dos modelos que tem se fortalecido entre as startups para atingir ambos os objetivos é a distribuição de ações a colaboradores-chave por meio de programas de incentivo de longo prazo, prática muito comum entre as empresas de tecnologia (programa de partnership).
De um lado, estes programas têm um aspecto motivador inegável, ao trazer para o centro do negócio profissionais qualificados e que estão ajudando as empresas a crescer. Por outro, a adesão de novos sócios à empresa sem uma estratégia definida pode causar sérios riscos de governança – e impactar negativamente a expansão dos negócios e todo o ciclo de captação de investimentos até a venda da empresa (exit).
Rafaela Zandavalli, CEO da SS ADV, especializada em legal para empresas de tecnologia, destaca que “o dinheiro mais caro para uma startup é a negociação do equity. Por essa razão, antes de desenhar um programa de incentivo visando a distribuição de participação societária, é necessário entender qual o objetivo da empresa para então traçar a estratégia mais assertiva. Quando bem feito, o resultado do programa é muito positivo para todos os envolvidos, tanto para os colaboradores que passam a ter a oportunidade de empreender na empresa que trabalham, como para a startup, que além de preservar o caixa da empresa, consegue obter mais engajamento e produtividade do time, alinhamento cultural e, consequentemente, uma valorização do seu negócio”.
É importante que os empreendedores saibam que além do partnership (ou, stock options, como é popularmente conhecido), existem outros tipos de programa de incentivo que podem ser tão eficientes quanto, mas que não envolvem a troca de equity da empresa, como por exemplo: a PLR (Participação nos lucros e resultados), Gratificação, Bonificação, Premiação e até mesmo as Phantom Shares. Com uma boa estratégia definida, todos eles possuem ótimos resultados na retenção dos talentos e no engajamento da equipe, comenta Rafaela.
Na prática, é muito comum que os empreendedores, além de contratar uma consultoria jurídica especializada, realizem benchmarking com startups que já aplicaram algum tipo de programa de incentivo com seus colaboradores. Tal prática é importante para inspirar os empreendedores na construção do plano (que deve ser desenhada conforme necessidade de cada empresa) e, principalmente, ofertar mecanismos que despertem o interesse dos colaboradores em aderir ao programa.
PARTNERSHIP (STOCK OPTIONS)
Para startups em fase inicial (early stage), o programa de partnership é recomendado para pessoas mais estratégicas ao negócio. “Nessa fase, a empresa não possui maturidade e nem validade do mercado para ofertar ações a todos do time. Será uma oferta vazia e a energia gasta para explicar o programa não compensa. É preciso pensar estrategicamente no desenvolvimento da empresa – e quanto antes olhar para isso, melhor”, reforça Rafaela Zandavalli.
A advogada ainda traz um ponto de atenção importante para as early stages: “muitos empreendedores preferem ofertar equity para parceiros e colaboradores para preservar o caixa da empresa a curto prazo, mas esquecem que o dinheiro mais caro (a longo prazo) é o equity. Pode não parecer, mas muitas vezes sai mais barato pagar pelo serviço prestado para não ter que negociar participação societária com qualquer pessoa”. Se a empresa não tem condições de pagar, esta pode ser uma ótima saída, mas é fundamental ter uma estratégia e planos de governança para os passos seguintes.
Claro que conforme a startup vai crescendo, o programa de partnership vai ganhando robustez e complexidade e já pode ser estendido de forma mais ampla aos demais colaboradores da empresa. Engana-se quem acha que a startup fará o partnership em uma única rodada, muito pelo contrário, a ideia é amadurecer o programa ao longo do tempo para incluir cada vez mais funcionários no incentivo.
“Não existe certo e errado na elaboração do programa, mas é fundamental conhecer as boas práticas que o mercado vem aplicando, como por exemplo, incluir cláusulas de cliff e vesting, entender a figura do bad e good leaver, definir um preço de compra das opções, prever o direito de recompra da empresa, entre outras”, detalha.
As empresas, em geral, percebem um ganho de produtividade e dedicação dos colaboradores que se tornam sócios – o que tem fortalecido a escolha pela partnership. Mas se o processo não for transparente e o funcionário se sentir prejudicado ou passado para trás, o efeito pode ser muito perigoso, inclusive, causando a morte precoce da startup. No mercado de tecnologia, o nome e a reputação valem muito, é amadorismo não levar isso a sério.
Outro fator positivo para as startups é que estamos vendo os tribunais judiciais e administrativos caminhando para um mesmo entendimento tributário em relação ao tema. Em recente decisão histórica, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) afastou a cobrança de contribuição previdenciária sobre o plano de stock options da Gerdau (GGBR4), sendo a primeira vez que a Câmara Superior decide a favor do contribuinte em um caso do tipo.
Essa decisão é um precedente importante, pois as empresas que seguirem os princípios observados nesse caso julgado em seus programas de incentivo devem ter esse mesmo entedimento tributário (natureza mercantil).
Para regularizar esse assunto, chama atenção o Projeto de Lei nº 2.724, de 2022, de autoria do Senador Carlos Portinho (PL/RJ), que tem como objetivo dispor sobre o regime dos Planos de Outorga de Opção de Compra de Participação Societária, estabelecendo o “Marco Legal do Stock Option”.
PHANTOM SHARES
Outra alternativa à distribuição do equity são as chamadas phantom shares (ações fantasma, indexadas ao valor de mercado da startup), que servem como bonificação por resultados no longo prazo e não impactam no quadro societário, conforme explica o advogado Erick Hitoshi, líder de Direito Societário e Tributário na SS ADV. Depois de um determinado período definido previamente, a empresa paga ao colaborador em dinheiro o equivalente às phantom shares.
“O lado positivo das phantom shares é que não existe diluição da participação societária, preservando assim o quadro societário da startup. Todavia, é necessário avaliar cada caso, pois a depender de como o programa for estruturado, pode incidir uma alta carga tributária”, comenta Erick.
BOAS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA NO PARTNERSHIP
“O modelo de partnership não é uma pílula mágica que vai resolver os problemas da empresa”, adverte o investidor e empreendedor Anderson Godz, que desenvolveu a primeira comunidade sobre governança e inovação no país, a Gonew.co. “Esta decisão deve ser precedida de um alinhamento inicial entre os fundadores, no nascedouro das relações societárias. Depois que a empresa começa e você traz alguém sem o alinhamento adequado, não há modelo que conserte o que nasceu errado”, pontua.
Na visão do investidor, uma startup com o quadro societário desorganizado, ou ampliado sem critério, tem poucas chances de captar os recursos necessários para o desenvolvimento. A clássica comparação, no mercado de venture capital, de que a aposta é sempre no jóquei (o fundador) e não no cavalo (a startup) ganha complexidade se o cap table é caótico, explica Anderson.
“Eu, como investidor, quero saber como medir o risco, mas nesses casos são muitos jóqueis em cima do cavalo e muitas vezes não cabem todos ali. Isso gera também atrito na relação, especialmente no começo dos negócios. O desalinhamento societário é um dos principais riscos a empresas de qualquer tipo, de startups a scale-ups e empresas consolidadas”.
À frente do fundo de investimentos GooDZ Capital (que já fez rodadas em startups como Transfeera (Joinville) e Anthor (Curitiba), entre outras), Anderson desenvolveu ferramentas para ajudar startups a entenderem seu grau de maturidade em governança corporativa, como o Board Canvas, e lançou livros de referência sobre o tema.
Ele destaca quatro passos para os empreendedores fazerem a “lição de casa”: 1) é preciso alinhar os valores e princípios que cada sócio tem; 2) expectativas: qual é a de cada uma das partes; 3) você precisa deixar claro as entregas de cada pessoa, em termos de expertise; 4) e como se estabelece algum controle dessas entregas e responsabilidades.
A advogada e CEO da SS ADV têm uma visão de longo prazo na jornada das startups – e como essas atitudes impactam até o exit: “se pensarmos na premissa que a maioria das startups nascem para serem vendidas, então, desde do primeiro dia os empreendedores já deveriam pensar em constituir um negócio que tenha um captable estrategicamente organizado”.
E completa: “empresas que já nascem estruturadas para serem vendidas atraem investidores mais rápido e cumprem com seu objetivo de forma mais assertiva. Ter um cap table organizado e um time engajado é o mínimo que uma startup deve ter”.
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