Muitos devem recordar que o e-mail praticamente extinguiu as formas anteriores de comunicação, da carta ao fax. A ameaça dos produtos substitutos, que eliminam mercados, devia servir como exemplo a quem não se preocupa com a inovação. / Foto: Glenn Carstens-Peters (Unsplash)
[26.04.2022]
Por Marcus Rocha, empreendedor e colunista SC Inova.
Escreve quinzenalmente sobre ambientes e ecossistemas de inovação
Uma questão que tem surgido em muitos dos eventos nos ecossistemas de inovação de Santa Catarina é a falta de pessoas de empresas estabelecidas dos mais importantes setores econômicos. Normalmente estão presentes lideranças de entidades empresariais, de startups, de empresas de tecnologia, e até mesmo das universidades e do poder público. No entanto, ainda é raro ver a participação frequente de pessoas daquelas empresas dos chamados “setores tradicionais” da economia.
Considerando as pressões competitivas dos mercados, algo que tem escala global há um bom tempo, as empresas estabelecidas deveriam ser aquelas mais interessadas em participar ativamente dos ecossistemas de inovação. Quanto mais dinâmico for o setor econômico dessas empresas, maiores as pressões para inovar e, portanto, mais importante essa participação. No entanto, não é o que se vê em Santa Catarina e também Brasil afora.
Sempre que se fala sobre inovação, aparece com destaque o chamado “setor de tecnologia”. Talvez isso aconteça por causa da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), que embasa muitos dos estudos econômicos. No entanto, normalmente as tecnologias, especialmente as da informação e da comunicação (TICs) são aplicadas como meio para resolver problemas de setores finalísticos, tais como saúde, educação, construção civil, comércio e diferentes tipos de indústrias.
A partir desse cenário, fica a pergunta: onde estão as empresas estabelecidas dos setores econômicos finalísticos, que precisam inovar urgentemente, mas que ainda não participam ativamente dos ecossistemas de inovação nos territórios onde estão presentes?
Para aquele leitor que trabalha em uma empresa estabelecida, de setor econômico “tradicional”, vale relembrar o modelo das cinco forças proposto por Michael Porter no artigo “As cinco forças competitivas que moldam a estratégia”, publicado na revista Harvard Business Review em 1979. No contexto da inovação, a mais importante dessas forças é a “Ameaça dos Produtos Substitutos”, ou seja, novos produtos ou serviços inovadores que criam novos mercados e, literalmente, eliminam mercados existentes.
Exemplos disso não faltam. Muitos devem recordar que o e-mail praticamente extinguiu as formas anteriores de comunicação, tais como o fax e a carta; e que a fotografia digital acabou com o mercado analógico, com filmes e revelação de fotos, apenas para citar dois exemplos conhecidos.
A ameaça dos produtos substitutos hoje ocorre em nível global. A inovação que pode trazer mudanças definitivas em mercados estabelecidos pode surgir em qualquer lugar do mundo e rapidamente chegar aqui no Brasil, trazendo uma “seleção natural” que elimina as empresas que não estavam preparadas, ou seja, que não estavam efetivamente inovando.
Mesmo diante desse cenário, ainda se percebe um movimento tímido nesse sentido pela maior parte das empresas estabelecidas brasileiras. Apesar do discurso generalizado em quase todas as companhias, se intitulando “inovadoras”, é raro ver isso sendo efetivamente aplicado nas estratégias, táticas e operações. São várias as evidências que comprovam isso: a pouca utilização de recursos de subvenção disponibilizadas pelo Governo Federal, com destaque para a Lei do Bem e a Embrapii; e o baixo nível de participação dessas empresas nos ecossistemas de inovação.
POR UMA CULTURA EMPRESARIAL PRÓ-INOVAÇÃO
Importante também não flexibilizar a definição de inovação por conta da não adoção estratégica das suas práticas. A partir do que está definido no Manual de Oslo e outras fontes consolidadas, é consenso que a inovação é a tentativa de transformar uma ideia ou invenção em um novo produto, processo ou serviço, ou pelo menos em uma melhoria significativa de um produto, processo ou serviço já existente. Inovação não é melhoria contínua, nem incorporar ao portfólio da empresa novos produtos fabricados na Ásia.
Mas o que pode ser feito para que as empresas passem a inovar estrategicamente, começando pela participação efetiva nos ecossistemas de inovação?
Percebe-se uma necessidade urgente de se criar a adoção de uma cultura empresarial que incorpore a compreensão dos riscos oriundos da inovação. Partindo do pressuposto de que não inovar – ou que fazer “fake inovação” – é o comportamento de maior risco, é necessário desenvolver ações de investimentos reais em inovação, identificando, calculando e mitigando os riscos existentes.
Claro que há questões conjunturais no Brasil que jogam contra os investimentos em inovação. Os juros altos dos investimentos financeiros, a insegurança jurídica, a complexidade regulatória – só para citar alguns motivos – realmente não incentivam a aplicação de recursos em atividades produtivas e, principalmente, naquelas de maior risco, como os negócios inovadores. No entanto, dada a ação diária da já mencionada ameaça dos produtos substitutos, não há muita opção aos gestores de empresas estabelecidas, a não ser superar esses desafios.
Uma das melhores práticas que as empresas podem adotar para reduzir os riscos da inovação é somar suas iniciativas internas com o trabalho compartilhado com parceiros. Trocar ideias e conhecimentos para depois realizar trabalhos em parceria com diferentes atores tais como fornecedores, institutos de pesquisa, startups, universidades, entidades empresariais, incubadoras, aceleradoras, e tantas outras, aumenta exponencialmente a criatividade e a força de trabalho que pode ser aplicada no desenvolvimento de inovações de interesse da empresa.
Mas isso só pode acontecer se a empresa investir estrategicamente na sua participação em ecossistemas de inovação.
JARGÕES DO UNIVERSO DE STARTUPS CRIAM BARREIRAS INVISÍVEIS
Os próprios ecossistemas de inovação também precisam fazer a sua parte. Apesar do discurso inclusivo, algumas práticas criadas quase que involuntariamente, na realidade afastam as empresas estabelecidas dos eventos e demais movimentos realizados sem que os próprios participantes do ecossistema percebam. Um bom exemplo disso é a linguagem usada no universo das startups e dos investimentos em inovação, uma sopa de jargões que são incompreensíveis para quem não vive nesse mundo. Isso cria barreiras invisíveis e que precisam ser urgentemente identificadas e derrubadas para que a inclusividade seja efetivamente alcançada.
Portanto, buscar a eliminação dos jargões, com a utilização de um vocabulário mais acessível e didático, além de criar eventos e capacitações voltados para quem não participa ainda dos ecossistemas de inovação pode ser um início. Utilizando o próprio jargão dos ecossistemas, precisamos de ações inbound e outbound para buscar cada vez mais participantes, especialmente das empresas já estabelecidas, cujos recursos econômicos e financeiros, rede de contatos, e conhecimentos dos mercados, são fundamentais para ampliar a criação de empreendimentos inovadores de sucesso.
O desafio está lançado e todos precisamos de soluções urgentes para isso. Então, vamos criar uma rede de atração de mais empresas estabelecidas para os nossos ecossistemas de inovação?
LEIA TAMBÉM:
SIGA NOSSAS REDES