O caminho das pedras para vender sua empresa

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O caminho das pedras para vender sua empresa

“Decidi escrever sobre aquisições da perspectiva da parte vendedora de pequenas e médias empresas, que também configuram a maior parcela das empresas vendidas em número de transações absolutas”

“Decidi escrever sobre aquisições da perspectiva da parte vendedora de pequenas e médias empresas, que também configuram a maior parcela das empresas vendidas em número de transações absolutas”

 

por Henrique Tormena*

Tive o privilégio de liderar o projeto da primeira aquisição da Resultados Digitais em 2018 quando debutamos a empresa na indústria de CRM (Customer Relationship Management, também conhecido como software de gestão comercial / vendas). Apesar de ter acompanhado de longe processos de aquisição quando fui gerente da Endeavor em Santa Catarina, estar na cadeira de comprador era algo novo e que exigiu bastante estudo e preparo.

Encontrei bastante material que fala sobre o tema, frequentemente publicado por empresas e profissionais do mercado de M&A (Mergers and Acquisitions, ou fusões e aquisições). No entanto, não encontrei quase nenhuma informação disponível para pequenas e médias empresas, que são alvo de compra de muitas gigantes – como IBM, TOTVS, Ambev e outras. Decidi, portanto, escrever sobre aquisições da perspectiva da parte vendedora de pequenas e médias empresas, que também configuram a maior parcela das empresas vendidas em número de transações absolutas.

Na essência, qualquer processo de aquisição é também um processo de venda, observado por uma perspectiva diferente. No caso de uma empresa, estamos vendendo o ativo mais importante: a totalidade ou parcialidade das cotas da companhia. E como em todo processo de vendas, precisamos entender quem é o meu cliente, qual problema ele busca resolver, como minha solução pode ajudá-lo e como eu posso facilitar a sua tomada a decisão de compra.

Quero abordar aqui alguns pontos desse processo sob a ótica do potencial adquirido:


Quem é a parte compradora e o que ela busca?

A dificuldade quando se pensa em vender um negócio é imaginar: quem poderia comprar minha empresa? Sendo simplista, eu dividiria em três principais categorias, onde cada uma reflete a motivação por trás do comprador:

  1. Empresas do mesmo segmento ou região: se você tem uma loja de produtos naturais, é muito mais fácil para quem conhece do segmento opinar sobre o negócio, se há oportunidades de crescimento ou redução de custos, se a carteira de clientes é saudável, se as margens são boas etc. Esse tipo de operação é comum quando vemos uma empresa comprando algum concorrente: a Coca-Cola comprou o Guaraná Jesus em 2001, mesmo possuindo uma oferta concorrente (Kuat) no portfólio. Outro exemplo é a compra da Quilmes pela Ambev, interessada na expansão no mercado argentino.
  2. Empresas de segmentos adjacentes: muitas vezes é mais fácil para uma rede de restaurantes vegetarianos entrar no segmento de varejo de produtos naturais comprando sua loja do que começando uma operação do zero. A entrada da Microsoft no segmento mobile veio com a aquisição da Nokia – a divisão permaneceu na Finlândia, país sede da Nokia, mesmo após a aquisição.
  3. Investidores financeiros: se você tem uma loja de produtos naturais, eu poderia comprá-la como um investimento, acreditando que o retorno possa vir de duas maneiras. Há oportunidades de melhoria que fariam esse negócio valer mais e que me dariam um lucro em uma potencial operação de venda futura. Mais raro, mas não impossível, é comprar acreditando que os dividendos apresentados pelo negócio oferecem uma oportunidade financeira melhor do que outro tipo de aplicação (como comprar ações do Itaú ou do Banco do Brasil, por ex).

A segmentação serve apenas como panorama geral. Há motivações que nem sempre se encaixam dentro de uma categoria listada acima (como empresas que compram outras pela força de trabalho qualificada, muito comum na indústria de consultoria e serviços).

 

Devo encontrar ou ser encontrado?

Ambos. Como a teoria dos relacionamentos prega, fica muito mais fácil se conectar com alguém quando se é apresentado. Entre as dicas para você ser mais facilmente encontrado, sugiro:

  • Comunique sua rede mais próxima sobre a possibilidade de vender a empresa primeiro, principalmente mentores, empreendedores e investidores próximos. Peça conselhos também sobre o seu negócio: o que pode melhorar, o que seria importante consertar para uma eventual venda, se conhecem interessados etc.
  • No relacionamento com a imprensa, recomendo não anunciar abertamente a intenção de venda. Assim como na venda de um produto ou serviço, é importante destacar os atributos que fazem do seu negócio atrativo para atrair potenciais compradores. O relacionamento com imprensa, se bem usado, pode ser um bom aliado.
  • Fundos de venture capital/private equity e consultorias em M&A: é um público específico que vale conhecer, porque se relacionam com compradores o tempo todo. Os consultores porque prestam serviço – e os fundos porque é uma maneira de trazer liquidez para seus investimentos.

Quando há interesse mútuo entre as partes  é importante lembrar de:

  • Estar aberto a ouvir e a contar, de forma honesta, sobre as características do seu negócio. Distorcer ou emitir informações é um tiro no pé e, em caso de avanço na negociação, as diligências vão apontar riscos e fraudes do processo. Para abrir informações um tanto mais sensíveis, recomendo que você faça isso respaldado juridicamente, apoiado em um NDA (non disclosure agreement ou acordo de confidencialidade), que seu advogado de confiança pode ajudar a construir.
  • Conhecer a cultura da parte compradora. Sugiro visitar a sede do outro negócio e almoçar/jantar com a parte decisora do comprador. Acredito que muito da cultura e dos valores estão impressos nos ambientes de trabalho e vêm primordialmente da característica das pessoas que estão nelas. Nada melhor do que conhecer isso com o mínimo de profundidade (e pessoalmente) antes de avançar.
  • Compartilhar documentos pode ser arriscado – evite que a outra parte tenha acesso por tempo indeterminado. Portanto, reflita se é o momento adequado de compartilhar determinado arquivo.

Agora que há um interesse mútuo entre partes, empatia é ainda mais chave nesse processo, de ambos os lados. Ainda assim, você continua sendo a parte vendedora e precisa entender outros aspectos do processo.

 

Entenda como o comprador quer adquirir sua empresa – e como você quer vendê-la

Tão importante quanto entender como facilitar a vida do comprador é entender: como você e seus sócios gostariam de ser comprados? Além do aspecto profissional, existem aqui considerações que dependem do contexto de cada pessoa (e aqui os interesses individuais podem pesar). De maneira resumida, é importante refletir:

  • Quais são as considerações do ponto de vista do negócio? Você quer continuar liderando o business? Quer pular fora? Quer pular fora, mas topa ficar mais algum tempo?
  • O que pode impactar na sua vida pessoal? Vai precisar mudar de cidade, estado ou país? Por quanto tempo? Vai precisar viajar muito? Sua família gostaria do novo estilo de vida?
  • Essa é uma oportunidade para toda a sociedade? Todos os sócios estão satisfeitos e de acordo com os termos propostos? Há algum incômodo para algum sócio específico? Esse é um dos pontos mais críticos e desde o começo todos os seus sócios deveriam estar a par de todas as discussões. Não há segredo: boas doses de comunicação entre sócios e manter o bom relacionamento são essenciais aqui. 

Quem pode te ajudar na hora do fechamento do negócio

Se a negociação chegou a bons termos para você, seus sócios e a parte compradora, o próximo passo é formalizar tudo isso em um term sheet, documento que apresenta os principais termos e condições para que a transação se efetive. Se bem feito, ele facilita e agiliza a conclusão da operação do contrato definitivo de compra e venda da empresa.

Por mais que você tenha um advogado de confiança que te representa em diferentes esferas jurídicas, eu fortemente recomendo trazer advogados com experiência nesse tipo de transação, dado que operações de M&A requerem conhecimento profundo e específico. Peça indicações para sua rede – felizmente, temos bons escritórios que fazem isso aqui no Brasil. O investimento pode parecer alto, mas tende a ser proporcional ao retorno, trazendo profissionais com experiência e qualificação para ajudar na conciliação da negociação (e que vão criar contratos duradouros que evitem dores de cabeça futuras).

Nessa etapa, um velho conhecido é fundamental: sua área financeira e contábil, e seus stakeholders mais importantes, como seu escritório contábil. As empresas compradoras contratam empresas para cuidar de diligências específicas do negócio (sendo as mais comuns a fiscal/contábil e a trabalhista). Um bom contador terá seus documentos bem organizados e facilmente disponíveis.

Conclusão: todo processo de aquisição é um relacionamento entre pessoas de longo prazo, que deveria ser construído na base de confiança e honestidade (como tudo na vida). Tenha pessoas ao seu redor para te ajudar, mas conduza a comunicação com transparência para todos os envolvidos no processo. Por fim, comemore o fim do ciclo em caso de efetivação e, independente do resultado, registre os aprendizados para aplicar em novas empreitadas. Boa sorte!


*Henrique Tormena é manager de Parcerias/Integração na Resultados Digitais. Artigo originalmente publicado no LinkedIn.