A IA não vem para fazer dos humanos seres inúteis. Mas quem souber usá-la pode ter mais facilidade em encontrar oportunidades melhores do que quem não sabe. / Imagem: Brett Jordan (Unsplash)
[16.03.2023]
por Matheus Cadorin, deputado estadual (Partido Novo/SC)
Não, esse artigo não foi escrito com inteligência artificial. Mas poderia ter sido. E seria relativamente fácil fazer isso: bastaria dar o comando certo ao Chat GPT e, caso a primeira versão não ficasse boa, novos comandos resultariam em refinamentos no texto, até que o solicitante estivesse satisfeito. Mas este artigo foi inteiramente escrito pelo seu autor real: eu, deputado estadual Matheus Cadorin. E qual motivo me levou a optar por isso já que este texto poderia ser obra de “uma máquina”?
Explico: este texto é um artigo e está assinado. Um artigo é um texto que expressa uma opinião pessoal, construída a partir de experiências e saberes do autor. A assinatura indica autoria e – ao mesmo tempo – formaliza quem escreveu, e que as ideias e opiniões presentes no texto são parte indissociável da mesma pessoa. Não parece correto, portanto, que os saberes e aprendizados da inteligência artificial sejam apropriados – de forma oculta – por um humano.
Mas que motivos me levam a escrever isso? Que motivos fazem com que este texto tenha sido publicado aqui, no SC Inova? Contextualizo: eu, deputado estadual Matheus Cadorin, um humano nascido em Joinville, Santa Catarina, apresentei à Assembleia Legislativa de meu Estado um Projeto de Lei (PL) escrito com inteligência artificial. Utilizei o Chat GPT que, após alguns comandos e indicações, elaborou um texto com todos os seus componentes do PL, capítulos, caput e justificativa. A resposta foi tão completa que até mesmo a localidade, data e espaço para assinatura estavam ali, “pensados” pela inteligência artificial.
O fato ganhou repercussão, afinal foi a primeira vez que isso aconteceu no Brasil. Poucos falaram da proposta do PL, que dispõe sobre a publicação de informações relativas aos estoques de remédios disponíveis nas unidades de saúde de Santa Catarina, no entanto. E o tema é importante, já que quando o projeto for aprovado qualquer cidadão vai poder consultar e saber quantas unidades de cada tipo de medicamentos há para distribuição no Estado.
Todos destacaram as inúmeras possibilidades positivas da iniciativa de usar inteligência artificial na elaboração de um PL, capazes de promover e incentivar celeridade no processo legislativo, a exemplo do que já ocorre em algumas ações do Judiciário brasileiro. Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mapeou no ano passado ao menos 117 modelos de inteligência desenvolvidos ou em uso nos tribunais, conforme informa o jornalista Marlen Couto, em reportagem divulgada no O Globo em 5 de março.
Ao divulgar a iniciativa nas mídias sociais, entretanto, percebi que uma parte das interações com as publicações – em especial no Twitter – utilizavam o fato do PL ter sido escrito com inteligência artificial, para desmerecer a iniciativa, alegando, entre outras coisas, que a partir de agora não seriam mais necessários deputados e/ou os profissionais que trabalham nos gabinetes dos deputados e estão responsáveis pela elaboração de Projetos de Lei.
São argumentos rasos, desprovidos de sustentação, e demonstrações de que seus autores não haviam lido sequer o texto completo das postagens, uma vez que nele ficava bastante claro que o texto apresentado pelo Chat GPT era resultado de uma série de interações humanas com o software. E que, além disso, humanos (vários) haviam realizado revisões do texto criado pela inteligência artificial.
Mas, apesar de equivocadas desde o início, as interações foram úteis para identificar preconceitos e pré-conceitos existentes. Um deles: a inteligência artificial vai – na visão destas pessoas – substituir humanos mesmo em atividades complexas, nas quais há a necessidade de valoração social, interpretação moral, e empatia, entre outras marcas exclusivas de nossa espécie. O que é – na opinião pessoal do autor deste artigo, um humano – um erro completo.
A inteligência artificial não vem para fazer dos humanos seres inúteis. Ou para assumir funções em que as muitas qualidades humanas são imprescindíveis. No mercado de trabalho, as pessoas não vão ser substituídas por inteligência artificial. Mas é provável que quem saiba usar a inteligência artificial tenha muito mais facilidade em encontrar oportunidades melhores do que quem não sabe.
As ferramentas baseadas em inteligência artificial chegam – inevitavelmente – para nos auxiliar em tarefas de menor complexidade, liberando tempo – um de nossos mais valiosos ativos – para que a atenção esteja dedicada a tarefas criativas, ou a atividades que envolvam, como já disse, a necessidade de valoração social, interpretação moral e empatia.
O ato de escrever artigos que representem realmente o que pensamos está, portanto, na numerosa lista de tantas outras atividades que continuarão sendo tarefas humanas. E para as quaisteremos mais tempo, já que as ferramentas baseadas em inteligência artificial estarão (e já estão) executando tarefas baseadas em coleta de dados, por exemplo.
Não é um mundo novo. É uma nova forma de ver o mundo.
LEIA TAMBÉM:
SIGA NOSSAS REDES