Vídeos que viralizam se tornaram rapidamente um grande atrativo de audiências para as recém-nascidas redes sociais e criaram uma nova forma de comunicação, intencional ou não.
[02.08.2021]
Por Alexandre Adoglio, CMO na Sonica e empreendedor digital.
Escreve sobre Cultura Digital para o SC Inova
Uma comemoração rotineira do judaísmo acontece da forma mais tradicional possível, com impressionante riqueza de detalhes desta celebração única, que marca o rito de passagem de todo menino para a idade adulta. Inicia-se com o Tefillin de quinta-feira ao nascer do sol, depois o Shabbat com rezas da comunidade e finalizando com o Bar Mitzvah no sábado, com a leitura da Torá, que pode levar até quatro horas.
As pessoas que participam da cerimônia fazem o Mazal Tov, o cumprimento de boa sorte ao menino. Para alegrar o ambiente tocam-se músicas judaicas para cumprir a tradição e depois a festa vai noite adentro. Em um destes eventos, em específico da família Ourfali, optaram por exibir um vídeo karaokê do seu jovem membro Nissim interpretando uma música da banda inglesa One Direction, em uma versão composta para homenagear sua vida em família.
Nascia ali a referência nacional de viral, como vídeo Nissim Ourfali – Bar Mitzvah, ultrapassando a marca história de 3 milhões de views em 15 dias, após o pai do rapaz postar o vídeo em seu canal do YouTube. Tomando de assalto a nossa internet na época, gerou inclusive outras versões de famosos e surpreendeu os envolvidos, da produtora até a família Ourfali, que tentou em vão retirar o vídeo do ar, sendo um dos primeiros casos de processo contra o Google no Brasil. Para se ter ideia do alcance viral, o vídeo de maior audiência naquela época, Camaro Amarelo, demorou dois meses para atingir a mesma marca.
Desde esse primórdio como fenômeno da #culturadigital, o viral como ficou conhecido, se tornou rapidamente um grande atrativo de audiências para as recém nascidas redes sociais e formataram uma nova forma de fazer comunicação, intencional ou não.
DA GALINHA PINTADINHA AO GEMIDÃO DO ZAP
Por vezes confundido com as infindáveis listas de “Top Isso” e Top Aquilo”, e diferentemente dos movimentos sociais na internet e da música chiclete já abordados aqui na coluna, os virais se caracterizam principalmente por sua pulverização não planejada, aleatória e caótica, em que pessoas comuns tornam-se agentes de compartilhamento, facilitado inicialmente pelo e-mail, desde sempre pelo Facebook e hoje pelas demais redes sociais existentes.
Fenômeno que ajudou a alavancar vídeos como o Galinha Pintadinha, Gangnam Style e Despacito, todos sucessos comerciais devido a viralização de seus clipes. E outras formas de conteúdo também são passíveis de compartilhamento em massa, como memes, emojis e até aquele gemidão do WhatsApp que te pegou no meio de uma reunião.
Na real, vídeos eram compartilhados muito antes do YouTube ou mesmo da Internet, por boca a boca, festivais de cinema, fitas VHS e até mesmo para preencher lacunas de tempo durante os primeiros dias da TV a cabo. Talvez o mais antigo tenha sido Reefer Madness, um filme “educacional” de 1936 que circulou sob vários títulos diferentes. Ele foi redescoberto por Keith Stroup, fundador da NORML, que distribuiu cópias do filme em festivais de cinema universitários na década de 1970. A empresa que produziu as cópias, New Line Cinema, teve tanto sucesso que começou a produzir seus próprios filmes.
O mais polêmico foi talvez um clipe de um noticiário de Portland, Oregon (EUA), em novembro de 1970. No clipe, o descarte de uma carcaça de baleia encalhada por dinamite é documentado, incluindo as consequências horríveis da queda de neblina e pedaços do bicho, que obteve o status de lenda urbana. O vídeo ganhou novo interesse em 1990, depois que Dave Barry escreveu uma coluna humorística sobre o evento, levando a cópias sendo distribuídas em sistemas de BBS (a pré-internet) mundo afora por volta de 1994.
BISNETO DO TIKTOK
No Brasil, antes da abertura econômica promovida no governo Collor, para acessarmos conteúdos “de fora” éramos obrigados a contar com a boa vontade de quem conseguia trazer músicas e filmes importados para copiar e distribuir. Nem tanto pela censura de plantão da época, mas sim pelo nosso “Custo Brasil”, que ocasionava delays intermináveis para diversos tipos de lançamentos por aqui.
Cópias de fitas K7 com as novas músicas de bandas famosas, e depois a tal pirataria migrando para as duplicatas do filme Stallone Cobra em VHS e as versões de O Segredo em DVDs. Isso sem contar aquele pendrive que seu amigo lhe entregava com todos os álbuns do Guns N’Roses e do AC/DC. Sem falar também do nosso arquivo da internet brasileira, com os virais que bombaram em nossos e-mails desde o primeiro discar de modem. Vamos dar um tapa na pantera?
Conceito central da rede social do momento, o TikTok explora a viralidade das produções caseiras como forma de captar e manter usuários, pagando fortunas para produtores de conteúdo que conseguem “infectar” o maior número de usuários. Motivo de estudo pelo autor Matthew Brennan, que explora a sofisticação do algoritmo TikTok em seu livro “Attention Factory“, apontando a rolagem infinita junto a conteúdo viral como a forma mais poderosa de viciar pessoas já criada.
Um destes conteúdos acabou de fazer história, no vídeo do usuário Nathan Apodaca, ou @420doggface208, postado em 2020 e superando 12 milhões de likes no TikTok. Convertido em NFT, o filme de Nathan andando de skate ao som de “Dreams” de Fleetwood Mac alcançou o valor inicial de U$500k em um recente leilão desse tipo de doideira.
RAYSSA ENTROU NA SALA
Existem várias maneiras de avaliar se um vídeo “se tornou viral”. A estatística talvez mais mencionada é o número de visualizações e, conforme o compartilhamento se tornou mais fácil, o requisito de limite de número absoluto de visualizações aumentou. Alguns anos atrás, um vídeo poderia ser considerado viral se atingisse um milhão de visualizações, mas em em indeterminado ponto apenas aqueles que obtêm mais de 5 milhões de visualizações em um período de 3 a 7 dias podem ser considerados virais.
Buzz, paródia e longevidade são formas mais complexas de julgar as visualizações de um vídeo viral. O Buzz (burburinho) aborda o cerne da questão: quanto mais um vídeo é compartilhado, mais discussão ele cria tanto online quanto offline – ou seja, quanto mais buzz um vídeo têm mais visualizações ele recebe. Um estudo sobre vídeos virais pela Carnegie Mellon University descobriu que a popularidade do remetente afetava se um vídeo se tornaria viral e ter o vídeo compartilhado por uma fonte popular, como uma celebridade ou um canal de notícias, também aumenta o buzz, que também faz parte do algoritmo que o YouTube usa para prever vídeos populares.
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Paródias, spoofs e spin-offs (derivações) geralmente indicam um vídeo popular, com contagens de exibição de vídeo popular há muito tempo fornecidas com contagens de exibição de vídeo original, bem como números adicionais fornecidos para as paródias. A longevidade indica se um vídeo permaneceu como parte ou não da #culturadigital.
Como toda iniciativa online, esta também passa a fazer parte do portfólio estratégico de empresas e suas marcas, como recentemente um viral feito sob encomenda para a conquista da brasileira Rayssa Leal nas Olimpíadas de Tóquio, permitindo que a patrocinadora Nike invadisse milhões de smartphones com um poderoso conteúdo sobre o poder do sonho realizado. Lembrando que a mesma Rayssa obteve o início de seu reconhecimento graças a um vídeo viral, compartilhado por entusiastas, quando aos 7 anos foi flagrada em fantasia de fada enquanto manobrava seu skate – bombando inclusive na rede social de um dos ícones do esporte, Tony Hawk.
Em tempos de pandemia na vida real vale lembrar que vírus também espalha coisa boa. E você, acredita em fadas?
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