Como identificar crianças superdotadas? Iniciativa “descobre” talentos em escola pública de Florianópolis

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Como identificar crianças superdotadas? Iniciativa “descobre” talentos em escola pública de Florianópolis

Projeto social e tecnológico desenvolvido pela startup Cognisigns ajuda pais e professores a encontrar jovens com superdotação

Projeto social e tecnológico desenvolvido pela startup Cognisigns ajuda pais e professores a encontrar jovens com superdotação – e a entender como desenvolver o potencial deles de acordo com suas habilidades. / Foto: Divulgação EBIAS


[FLORIANÓPOLIS, 11.04.2023]
Por Fabrício Umpierres, editor SC Inova – scinova@scinova.com.br

Um grupo de alunos da Escola Básica Municipal Intendente Aricomedes da Silva (EBIAS), localizado na Cachoeira do Bom Jesus, balneário ao norte de Florianópolis, marcou história ao participar da mais recente Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica, realizada no final do ano passado. Na competição nacional voltada a estudantes do Ensino Fundamental e Médio do país, os jovens catarinenses conquistaram quatro medalhas (das quais duas de ouro) em sua categoria – e uma das participantes, a aluna Maria Luiza Pohl, de 10 anos, gabaritou a prova escrita e alcançou a maior marca no lançamento de foguetes.

O resultado poderia surpreender os próprios alunos, pais e professores, mas o desempenho dos jovens não foi um acaso. Desde 2019, a EBIAS utiliza uma ferramenta desenvolvida pela startup Cognisigns, de Florianópolis, que ajuda a identificar superdotação nas crianças e adolescentes. Os trabalhos entre a EBIAS e a startup são fortalecidos por meio de uma parceria técnico-pedagógica, que alia inovação e educação usando dois assistentes virtuais: a V.E.R.A. que realiza triagens digitais para o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o Eugênio, voltado para identificar comportamentos indicadores de Superdotação/Altas Habilidades. 

Formada por chatbot, inteligência artificial e metodologia própria, a ferramenta é uma solução chamada Eugênio, que conversa com pais e professores para identificar os alunos “fora da curva”, a partir de comportamentos indicadores de Múltiplas Inteligências e Superdotação/Altas Habilidades. Caso o resultado, que utiliza entre suas tecnologias um algoritmo próprio e baseado em metodologias da Universidade de Harvard, mostre um índice acima da média em foco, criatividade e algumas das mais Múltiplas Inteligências que o ser humano pode desenvolver (lógico-matemática, linguística, interpessoal, intrapessoal, visual/espacial, musical, naturalista e corporal/sinestésica), o aluno é identificado com grande probabilidade de ser um superdotado no futuro.  

A professora Sheila Torma Rodrigues chegou à escola no mesmo ano e começou a trabalhar na chamada “triagem de altas habilidades”, com base no comportamento e nos interesses natos dos alunos. 

“A superdotação é o contrário do que as pessoas pensam”, alerta. “Entendemos que em muitos casos, essas crianças acima da média eram consideradas problemáticas em sala de aula, por serem hiperativas ou terem algum tipo de transtorno. O que a gente faz? Um processo para entendermos o potencial dos alunos e não perdermos talentos devido a uma negligência”, reforça a professora.

Nas oficinas de criatividade, alunos exploram seus talentos e habilidades.

Para ajudar no desenvolvimento destes jovens, o bot Eugênio direciona os alunos para as Oficinas de Criatividade, que acontecem uma vez por semana no contraturno escolar e envolvem turmas que jogam xadrez, fazem atividades físicas e debatem questões de lógica, por exemplo. Esta prática já está prevista nas Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, mas é reforçada e ampliada pelas Oficinas de Criatividade, para que os talentos possam eclodir.

No ano passado, um dos temas escolhidos pelos alunos para ser abordado pela Oficina de Criatividade foi Astronomia e Astronáutica. A equipe docente da Ebias,  juntamente com a Cognisigns, buscou uma doutoranda da área na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para ser a responsável pelo conhecimento passado na oficina relacionado ao tema escolhido – e o resultado está no início deste texto. 

“Tem criança de 8 anos que fala de física e química com maturidade de adulto, busca a informação sozinha, mas tem dificuldade com colegas da mesma idade. E precisam de acompanhamento, de um professor, um estagiário”, diz Sheila. “Mas tem que aprender a brincar com as ideias”.

IMPACTO SOCIAL EM MASSA

Um estudo divulgado em 2019 pela Secretaria de Educação de Florianópolis mostrava que a capital catarinense tinha 11 crianças “oficialmente” superdotadas. Mas por meio da triagem tecnológica, foram identificados 32 alunos com características de superdotação somente na EBIAS.

“Estamos em uma guerra contra o desperdício de talentos que está acontecendo em todos os cantos de nosso país, exatamente como ficou evidenciado na EBIAS. Segundo estudos, a superdotação pode estar presente em mais de 10% da população, mas em Santa Catarina, foram identificados apenas 0,03% e isso precisa parar agora. Principalmente porque essa estatística se repete em todos os demais Estados. Se identificarmos os superdotados não só de SC, mas de todo o Brasil, conseguem imaginar o ganho social gigantesco que poderemos gerar em nosso país? E essa ação ainda pode gerar reflexos positivos econômicos”, opina Leandro Mattos, neurocientista e CEO da Cognisigns, que se considera um entusiasta do empreendedorismo de impacto social positivo e um defensor da causa autista e superdotação.

 Leandro Mattos, CEO da Cognisigns
“Estamos em uma guerra contra o desperdício de talentos que está acontecendo em todos os cantos de nosso país”, diz Leandro Mattos, CEO da Cognisigns

Natural de Bauru/SP, Leandro veio empreender em Florianópolis e iniciou sua startup ao lado da diretora científica Andressa Roveda, natural de Curitiba (PR), desenvolvendo uma solução para identificação do Transtorno do Espectro Autista. Atualmente, Leandro é aluno de Doutorado na UFSC e desenvolve sua linha de estudo em eletroencefalografia e eletroestimulação cerebral voltada para o TEA, em colaboração a um projeto em curso no Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra de Macaíba (RN), organização fundada pelo neurocientista Miguel Nicolelis.  

Desde que foi fundada, a Cognisigns participou de diversos desafios nacionais e internacionais de tecnologias disruptivas – chegou a ser incubada no MIDITEC (ACATE) e acelerada nos Emirados Árabes Unidos, onde foi considerada umas das cinco startups de saúde mais promissoras do mundo. Nos últimos anos, a healthtech ampliou sua atuação para o estudo da superdotação, depressão e Doença de Parkinson. Hoje conta com uma equipe de 12 pessoas distribuídas em diversos países que trabalham no modelo de squads. 

SENSIBILIZAÇÃO AOS PAIS E PROFESSORES 

Ao iniciar o projeto, a escola é capacitada para realizar a sensibilização com os pais a respeito das múltiplas inteligências e superdotação, além de como utilizar o chatbot e a metodologia para identificar, estimular e potencializar o desenvolvimento dos talentos após a realização da triagem digital. Segundo Leandro, o objetivo do Eugênio é proporcionar a identificação em massa de superdotados e criar condições para que crianças, jovens e adultos se desenvolvam, melhorem aspectos da vida pessoal e familiar e que sejam capazes de gerar inovações que gerem impacto positivo para nossa sociedade.

“O resultado ‘gera’ um compromisso aos pais e professores, que é apoiar a criança adiante para estimular esse potencial. O que entregamos é a mudança de comportamento. O mais importante não é a tecnologia, mas o bem que ela proporciona em prol das pessoas. Somos obstinados pelos casos reais de sucesso que nossa solução ajuda a criar. Quando todos são beneficiados, surge o que chamamos de ciclo da reciprocidade: uma reação em cadeia onde todos se ajudam e criam um entorno virtuoso de benefícios coletivos”, resume o empreendedor. 

Leandro Mattos, Andressa Roveda (CogniSigns) e Eduardo Barbosa (Brognoli)
Os fundadores da Cognisigns (Leandro Mattos à esquerda e Andressa Roveda à direita) com o mentor Eduardo Barbosa, CEO da Brognoli Imóveis, uma das apoiadoras do projeto

O Eugênio pode ser utilizado por professores e profissionais (como psicólogos) credenciados pela CogniSigns. Empresas e entidades socioeducativas também podem adquirir a solução para uso próprio, ou para patrocinar a disponibilização da solução para comunidades carentes, ONGs, projetos sociais e escolas públicas ou privadas. Entre as organizações apoiadas, está o grupo Gerando Falcões – um ecossistema de desenvolvimento social que atua em favelas do país – e a Brognoli Imóveis, uma das maiores imobiliárias de Santa Catarina, que por meio de seu braço de venture builder, é um dos patrocinadores dessa ação e tem acompanhado e mentorado a Cognisigns. 

“Dentro de nossos valores está a conexão. Participamos de vários programas de incentivo cultural e quando vimos essa oportunidade com a Cognisigns, não pensamos duas vezes.  É um projeto extremamente inclusivo e não temos nenhuma ferramenta que ajude a identificação destas crianças com alto potencial. Quando isso acontece é meio que no empirismo. Quando a gente potencializa pessoas, o benefício é para toda a sociedade”, ressalta Eduardo Barbosa, CEO da Brognoli e conselheiro de startups.  

A inteligência artificial tem sido uma constante entre as empresas investidas pela imobiliária, uma tradicional player do setor imobiliário que há cinco anos vem desenvolvendo um robusto programa de conexão com startups. “Já estamos na era da Inteligência Artificial e precisamos entender isso do ponto da educação. Não faz mais sentido ensinar crianças a decorar, mas sim ensiná-las a fazer as perguntas corretas, ampliando o pensamento crítico e a capacidade de cognição. É uma oportunidade enorme para repensarmos o ensino”, resume.