Apesar dos avanços com a telemedicina e o impulso no combate à pandemia, acesso a recursos ainda é uma barreira ao desenvolvimento de startups em Santa Catarina. / Imagem: Emin BAYCAN (Unsplash)
[FLORIANÓPOLIS, 27.04.2022]
REPORTAGEM: Lúcio Lambranho, especial para Agência SC Inova
EDIÇÃO: Fabrício Umpierres, scinova@scinova.com.br
O número de healthtechs em Santa Catarina e no Brasil vem crescendo, principalmente nos últimos quatros anos. Segundo dados da consultoria Distrito, o país vem se tornando pólo gerador de conhecimento nesta área. Eram 248 empresas desse tipo em 2018 e saltaram para 1002 no ano passado. De janeiro até dezembro de 2021, as startups receberam mais de US$ 530 milhões em investimentos, enquanto que em 2020 o volume total de investimentos foi de US$ 127,8 milhões.
Antes mesmo da pandemia, a transformação digital chegou de vez ao setor com impacto na área pública e privada. A liberação da telemedicina, o uso de IA e apps pela saúde pública, como o app Conecte SUS, são exemplos que motivaram essa expansão, segundo a análise da Distrito.
Mesmo reconhecendo que a ajuda do setor público foi relevante durante a pandemia, empreendedores e integrantes do segmento catarinense apontam que o prazo dado para executar os projetos pode não ter sido o suficiente para a entrega das soluções, como no caso da Sensorweb (leia os detalhes na segunda matéria da série), que pediu mais prazo para terminar o desenvolvimento do seu produto. Outra questão que também não deve ser atendida pelo apoio federal é a falta e o aumento do custo de mão de obra, principalmente dos desenvolvedores de sistemas.
“(O apoio) Foi importante naquele momento, mas a subvenção não vai dar conta de ajudar porque está muito caro contratar desenvolvedores. A não ser que as rubricas sejam alteradas e tenhamos mais recursos para segurar esse pessoal nas empresas de Santa Catarina e até no Brasil”, avalia Walmoli Gerber, diretor da Vertical Saúde da Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE).
“Muitas empresas pivotaram produtos ou transformaram produtos para atender as necessidades da pandemia e se deram muito bem. Temos vários exemplos de empresas que ganharam muito mercado, principalmente na parte de nanotecnologia, higienização”, afirma.
Outra área que cresceu, na avaliação do diretor, com a necessidade de isolamento social foi a de telemedicina. “Tivemos também um boom, principalmente para empresas que usam plataformas para teleconsultas. Porém, não dá para esquecer que a liberação por parte do governo federal está dentro de uma lei provisória de pandemia. Na hora que ela cair, teoricamente, volta a ser proibido esses processos pelos conselhos. Mas existe uma tramitação de projetos na Câmara e no Senado para que a teleconsulta possa continuar. Seria um retrocesso, sem argumentos suficientes para proibir, um crime, como existe por parte de alguns grupos”, alerta Gerber.
PROJETOS SOBRE TELEMEDICINA NO CONGRESSO: NOVELA QUE SEGUE
Até hoje, 27 de abril de 2022, o projeto de lei (PL 1998/2020) que tramita na Câmara dos Deputados desde abril de 2020, e pretende regulamentar a telemedicina, estava em processo de votação no plenário e em regime de urgência. Com a aprovação, deve seguir para o Senado, onde outro texto semelhante para regulamentar a atividade (PL n° 4223/2021) ainda estava na Comissão de Assuntos Sociais e aguardava parecer do relator, o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).
Os dois projetos das duas casas legislativas, o do Senado é de iniciativa do senador Esperidião Amin (PP-SC), podem ser unidos assim como os outros sete que foram apensados ao PL 1998 na Câmara, da deputada Adriana Ventura (Novo-SP). A tendência é que uma nova legislação seja criada antes que o governo decrete o fim do estado de emergência por conta da pandemia, prazo que finaliza os efeitos da lei 13.989, sancionada em 15 de abril de 2020, e que liberou a telemedicina.
Também de autoria da deputada do Novo, o projeto de lei que resultou na lei que permite o atendimento remoto (Projeto de Lei n° 696, de 2020), previa que após a pandemia a regulamentação fosse realizada pelo Conselho Federal de Medicina, mas o presidente Jair Bolsonaro vetou este artigo. O argumento é que as atividades médicas devem ser reguladas por nova lei e não por entidade de classe, como determina a Constituição de 1988.
Por outro lado e na outra ponta da subvenção pública, destaca o diretor da Vertical, o setor também teve um aumento de investimentos de capital de risco. Nas contas de Gerber, mais de R$ 2 bilhões estão concentrados em quatro ou cinco empresas de nível nacional em um modelo que ele classifica como negócios de planos de saúde digitais.
“(O setor) cresceu bastante, mas tudo no digital. Ainda é difícil o investimento em hardware e esses recursos vão só para empresas com produtos que já estão prontos, o que do meu ponto de vista não é mais capital de risco. Mas tem muita coisa para acontecer ainda. Muito dinheiro depositado em empresas que são planos de saúde digitais. Empresas que usam estratégias de startups, CRM e uma reação mais proativa em relação ao seus clientes e fazem uso de gestão de dados. Pensam na prevenção, na atenção primária e acreditam muito na relação com o usuário, antevendo as necessidades deles”, explica.
A principal preocupação do diretor da Vertical, que reúne 70 empresas do setor de saúde em Santa Catarina, é a distância entre o nível tecnológico das startups catarinenses deste segmento e a capacidade de captar novos investimentos. “É preocupante, pois apesar de ser uma referência de desenvolvimento de novas tecnologias no Brasil, nós não estamos na Faria Lima. E o capital ainda fica muito distante das nossas empresas. E querendo ou não investimento tem muito a ver com relacionamento e estamos perdendo essa corrida”, avalia.
“Eu vejo muitas empresas sólidas, com produtos na prateleira, com governança com visão de mercado daqui melhores do que muitas empresas que já foram investidas por estarem numa rede de relacionamentos mais forte. Mas isso faz parte, empresas do Vale do Silício recebem mais investimentos, assim como as da Faria Lima”, completa Walmoli.
Para trazer mais investidores ao segmento, afirma o diretor da Vertical, é preciso superar o desafio de convencer os fundos a estarem mais presentes em SC e fazer mais eventos e que esses investidores dividam seu tempo entre São Paulo e Santa Catarina. “A única maneira de melhorar a entrada de investimentos é criar uma rede de relacionamentos mais forte”, afirma.
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