Vivemos a onda corporativa das inovações e suas derivações, em que muita gente, levada pelo modismo, tenta implantar as práticas do momento sem a profundidade e o comprometimento necessários para efetivamente trazer os resultados esperados.
[14.09.2021]
Por Marcus Rocha, CEO do 2Grow Habitat de Inovação.
Escreve quinzenalmente sobre ambientes e ecossistemas de inovação no SC Inova
Alguns assuntos viram tendência de tempos em tempos no mundo empresarial. Quem já atua há algum tempo no mercado em funções de gestão deve se lembrar das “ondas” da Gestão por Objetivos, da Qualidade Total, do Kaizen, do Empowerment, do Planejamento Estratégico, do Plano de Negócios, do Empreendedorismo e por aí vai.
Durante cada onda se percebem picos de produção de conteúdos (livros, vídeos, etc.), eventos, palestras, consultorias. Em cada um desses momentos, é fácil notar que há profissionais e organizações que verdadeiramente buscam se aprofundar nos conceitos, para entendê-los e aplicá-los de maneira estratégica para que a organização possa colher os melhores frutos. No entanto, também é fácil perceber que muita gente é levada pelo modismo, tentando implantar as práticas do momento sem a profundidade e o comprometimento necessários para que elas possam efetivamente trazer os resultados esperados.
Há uma boa notícia em tudo isso. Mesmo quando deixa de ser o foco das atenções, o tema de cada onda permanece ocupando espaço nos processos e estruturas das organizações. Quando isso acontece, eles passam a integrar a relação de boas práticas para levar vantagem competitiva aos negócios.
Com certeza a onda do momento é a Inovação e suas derivações, como as Startups, Scale-ups, Inovação Aberta, etc. Tal é a força do modismo em relação ao assunto que um dos principais autores sobre empreendedorismo inovador, Steve Blank, escreveu em 2019 o artigo “Why Companies Do “Innovation Theater” Instead of Actual Innovation” (Por que empresas fazem “teatro da inovação” em vez de inovação de verdade).
É fato que a velocidade e a força da disrupção que organizações privadas e públicas enfrentam hoje, em termos de tecnologia, canais, ou concorrência, nunca foram tão grandes. A questão chave é que poucas dessas organizações estão dispostas a fazer os investimentos e as mudanças realmente necessárias para efetivamente implantar as melhores práticas de inovação necessárias para que elas possam sobreviver e até mesmo prosperar nesse ambiente desafiador.
Segundo Blank, a questão-chave a ser resolvida pelas organizações é implantar mudanças profundas em algo que até então é considerado uma importante força: a gestão por processos. Quanto maior e mais estruturada for a organização, maior é a importância dada aos processos, em todas as suas áreas. Eles são fundamentais para garantir padrões e proporcionar eficiência com eficácia. No entanto, ao longo do tempo, os processos acabam engessando a organização, inibindo os esforços de inovação.
O dilema: foco naquilo que a empresa faz atualmente versus o foco no futuro da empresa por meio da inovação.
Empresas que alcançam grande dominância no mercado também tendem a criar mecanismos de defesa para garantir a sua posição. Esses mecanismos, em grande parte, são inibidores de inovações que possam ameaçar a posição da própria empresa no mercado.
Movimentos de fusões que criam grandes conglomerados, promoção de leis e regulamentos para criar barreiras para novos entrantes, bem como ações judiciais contra empresas inovadoras que tentem mudar a dinâmica do mercado, são exemplos práticos desse tipo de comportamento que torna a empresa “anti-inovadora”.
Blank descreve que, em vez de identificar esses comportamentos e buscar formas de tornar a empresa mais adaptável, ágil e, assim, mais apta para a inovação, a maior parte das empresas prefere criar mais processos, a partir de três formas gerais:
- Contratação de consultorias, para reorganizar a empresa, normalmente implantando uma estrutura matricial, no típico manual de boas práticas do século 20. Isso tende a criar um “teatro organizacional”, pois apesar de trazer algumas mudanças, não deixa espaço para estruturas ou práticas que efetivamente tornem a empresa apta para inovar de forma rápida.
- Ao mesmo tempo, a empresa promove atividades de caráter inovador, tais como hackathons, treinamento de design thinking, workshops para inovação, interação com startups etc., estabelecendo um “teatro da inovação”. Apesar de serem uma semente para a criação de uma cultura mais inovadora, essas ações não produzem resultados rápidos e raramente entregam produtos inovadores que possam ser aproveitados pela empresa.
- Com a falta de resultados, a empresa acaba percebendo que os processos e métricas tradicionais são obstáculos para a inovação, principalmente em áreas meio como jurídico, contratação, segurança etc. Então são criados esforços para torná-los mais ágeis, o que é importante. No entanto, sem uma estratégia clara para inovação, isso se torna muito mais um “teatro dos processos de inovação”.
Muitos dos atuais materiais sobre inovação destacam o fato de que as empresas precisam se reinventar e criar as inovações que garantam seu futuro, antes que a concorrência – normalmente uma startup – faça isso. No entanto, pouco se fala dos impactos das mudanças que precisam ser implantadas nas empresas para que isso efetivamente ocorra.
Há um dilema, com duas forças antagônicas: o foco naquilo que a empresa faz atualmente versus o foco no futuro da empresa por meio da inovação. Por ser mais palpável, compreensível, ter menos riscos percebidos e “pagar as contas”, o que a empresa faz atualmente tende a prevalecer.
Nos programas de inovação aberta promovidos por empresas estabelecidas para conexão com startups esse fenômeno é bastante aparente. Os processos para isso estão bastante padronizados, a maior parte do trabalho é tercerizado com consultorias especializadas, mas os resultados ainda são tímidos.
São frequentes as reclamações vindas das startups que a interação com as equipes das empresas não têm a intensidade necessária, que as respostas e decisões são muito demoradas, e que a geração de negócios está muito aquém da expectativa. Ao mesmo tempo, na empresa estabelecida a responsabilidade pela interação com as startups acaba ficando com uma média gerência com pouca influência na estrutura organizacional e com recursos limitados.
Todos esses fatores são indícios importantes que podem explicar a frustração que muitas empresas estabelecidas estão tendo com as suas iniciativas inovadoras. Apesar dos investimentos realizados em inovação, a maior parte dos executivos não percebem ainda aumento de receitas, lucros ou participação de mercado, e também não conseguem ver que a causa disso é a própria resistência natural que as organizações têm para inovar, algo expresso nos seus processos e estruturas.
Para que sejam realmente inovadoras, organizações precisam primeiro reconhecer os verdadeiros impactos e atritos que a inovação de verdade pode trazer, indo além do assunto que está na moda. A partir disso, devem ser criadas estratégias que considerem o redesenho organizacional, as atividades de inovação e reformas nos processos, que precisam ser feitos sem “teatros”. O conceito de “sandbox” pode ser aplicado para as iniciativas de inovação, proporcionando a flexibilidade necessária para o seu sucesso. Tudo isso com o patrocínio e apoio da alta direção, que precisa compreender, priorizar, executar e orquestrar diferentes frentes de trabalho, internas e externas.
LEIA TAMBÉM:
SIGA NOSSAS REDES