Para a criadora do espaço que colocou Pomerode no centro criativo da moda nacional, às vezes é preciso desapegar para manter-se inovador. Foto: Vini Poffo
Em uma sala de aula, executivos de grandes empresas catarinenses como Docol, Karsten e Altenburg discutem, junto a pequenos fabricantes de matelassê, as dificuldades comuns para criação de produtos, necessidades de comunicação e outros entraves do mercado nacional. Este tipo de encontro, que se tornou mais comum com o surgimento recente dos ambientes de “inovação aberta” – em que grandes empresas se unem a startups para buscar soluções e inovações para seus mercados – acontece naturalmente há 10 anos na pequena cidade de Pomerode, no Vale do Itajaí. Mais especificamente, na sede do Instituto Orbitato, um centro de estudos em criatividade e linguagem, criado pela artista plástica Celaine Refosco para estimular novos conceitos e projetos relacionados à moda e ao design.
Desde 2007, o “município mais alemão do Brasil” se tornou, em função do Orbitato, um centro criativo de tendências e inovações da moda, da indústria têxtil e do design no país. Estilistas, executivos das grandes empresas têxteis, estudantes, micro e pequenos empresários e profissionais de várias outras áreas passaram a conhecer e frequentar Pomerode para ensinar, aprender, discutir e propor inovações para um mercado de números maiúsculos: a indústria têxtil e de confecção é a segunda maior empregadora do país, com faturamento anual de R$ 129 bilhões, segundo a ABIT.
Ao longo desta década, o Orbitato promoveu cerca de 200 cursos para mais de 3 mil alunos – profissionais de empresas e instituições como Senai, Senac, Firjan, Fiesc, Malwee, Marisol, Karsten e a equipe do departamento de figurinos da Rede Globo, por exemplo – e obteve o reconhecimento de alguns dos maiores estilistas do país, como Ronaldo Fraga e Jun Nakao. Em 2010, o Orbitato lançou o primeiro curso de pós-graduação em moda do Brasil.
Mas eis que, justos dez anos depois de ser criada, esta escola de inovação anunciou no início de 2017 o fim de suas atividades.
Uma notícia que impactou todos os que admiravam a força inventiva de sua idealizadora e do legado que o Instituto deixou para o setor de economia criativa em Santa Catarina: “foi uma coisa muito dolorosa, que demorou dois anos para acontecer. Eu simplesmente achei que não tinha mais condição de manter a mesma capacidade de inovação que havia quando iniciei a Orbitato, talvez por falta de comunicação ou por dificuldades do próprio mercado” desabafa Celaine, que conversou com a reportagem do SC Inova no intervalo de um dos últimos cursos promovidos pelo Instituto. Aquele mesmo que reunia alunos de grandes e pequenas empresas buscando, em conjunto, ideias para inovar em seus negócios.
A falta dessa capacidade de inovação, ela explica, se deve também a fatores econômicos: “minha intenção era fazer coisas que eu achava que o mercado precisava, não apenas aquilo que o mercado queria. A visão de como se inova estava muito fechada, pensa-se inovação como equipamento quando na verdade quem faz a diferença são as pessoas. Aí eu percebi que tinha que fazer mais do mesmo e ter uma dedicação imensa apenas para pagar o custo fixo”.
Até o ano passado, o Instituto contava com oito funcionários fixos, além dos professores dos cursos. Hoje são apenas dois, além da diretora. Quando ela anunciou a decisão de encerrar as atividades, lembra, “foi uma grande choradeira, mas depois todo mundo entendeu que poderia ser uma coisa mais leve, vamos fazer de outro jeito, isso não morreu”. Entre os ex-funcionários, alguns receberam ofertas de trabalho antes de sair, outros passaram a prestar serviços. “Ninguém ficou no mato sem cachorro, todos se ajeitaram”, garante. A Orbitato ainda mantém um cronograma de cursos até o final do ano
“Houve uma multiplicação daquilo que se fez aqui. Esse pensamento serviu para estruturar pessoas, departamentos de desenvolvimento e reposicionar empresas. Muitos profissionais que passaram pelo Orbitato se empoderaram a partir dessa nova visão e começaram a fazer seu trabalho de maneira mais consciente, prazerosa e eficaz”, resume Celaine.
Transição do Instituto Orbitato from Orbitato on Vimeo.
“Um lugar onde se produz muito e tudo é perto”
Em um dos primeiros comunicados ao mercado sobre o fim do Orbitato, Celaine resumiu a decisão de maneira simples e objetiva: “agora é hora de uma transição para que a gente faça jus a um nível de inovação que isso representou quando começou”.
Ela sempre repetia que a existência do Instituto já era uma conquista, pela ideia diferente, improvável, complexa e sem investimento que levou tanta gente com vontade de criar e inovar a uma cidade de 30 mil habitantes no interior catarinense. Mas a fama do polo têxtil local ultrapassava fronteiras. Há 12 anos, Celaine recebeu um e-mail de uma pessoa do México que perguntou a ela se conhecia “um lugar no Brasil chamado Santa Catarina onde é possível ir de manhã numa fábrica de porcelana e à tarde numa têxtil, onde se produz muito e tudo é perto”.
Fez-se a luz: “poxa, um cara lá do México sabe disso e nós aqui não conseguimos ver como estamos próximos e conectados, sem saber como podemos nos alinhar em termos de mercado”.
Natural de Joaçaba, Celaine estudou em Santa Maria (RS) e concluiu a universidade de Artes Plásticas em Curitiba (PR). Mas sempre se encantou com o “amálgama cultural, a série de biomas diferentes e a ideia de minifúndio associado a fábricas” de Santa Catarina. Depois de trabalhar anos em grandes empresas têxteis, onde aprendeu o que era design “saindo dos escritórios com ar condicionado para descer aos porões das estamparias, um ambiente complexo, sujo, que era o meu lugar”, e dar aulas em universidades, ela sentiu a necessidade de criar um espaço para preparar as pessoas para diminuir a lacuna entre a criação e a execução. E foi desse desejo, de trazer condição de pensamento e estimular diálogos entre pessoas que atuam no ambiente produtivo em Santa Catarina, que nasceu a Orbitato.
O primeiro curso, sobre moulage industrial, uma técnica têxtil que se desenvolve sobre um modelo de corpo, serviu como uma “provocação” para os profissionais. “Diziam que isso não cabia no nosso mercado, porque era coisa de alta costura. Mas eu insisti, porque achava que serviria muito para a indústria sim, pois agilizava a criação. Não tive um sucesso rápido, mas à medida que as pessoas compreenderam, elas passaram a frequentar os cursos e colocar esses métodos e raciocínios dentro do ambiente de trabalho”, recorda.
O desafio, para Celaine, era que as pessoas se dessem conta de aspectos menos tangíveis do processo, como visão de mercado, tendências de futuro, desenvolvimento de novas matérias e, um assunto que ela considera crítico para a indústria de moda, a redução da produção frente à diminuição do consumo: “são temas muito pertinentes, mas invisíveis. Então quando propunha um tema mais arrojado, isso naturalmente tinha um custo maior do que o mercado em geral, porque eu não tinha nenhum subsídio e as pessoas aqui valem muito. Ele parecia caro, mas era muito barato pelo resultado que a gente entregava. Era muito difícil para as empresas entenderem que estávamos pensando o futuro”.
Foi portanto a lógica da inovação – e a coerência em se manter fiel a esse propósito, analisa Celaine – que permeou todo o ciclo de vida do Instituto Orbitato, ao longo destes 10 anos.
O novo projeto: aulas, viagens e o lar
Durante muito tempo Celaine fez na Orbitato um exercício que ela chama de inteligência silenciosa, um trabalho de bastidor em que participava das aulas para ajudar os alunos a entender os conceitos, estimulando debates. “Eu fiquei muito tempo nesse lugar por trás, não tinha o protagonismo de colocar o nome no curso. Só em 2016 comecei a fazer um curso de criatividade, aí eu me vi como professora, com métodos de acordar a criatividade que vivenciei e aprendi. Tive professores e mestres que realmente me fizeram abrir os olhos”. Esse novo momento ajudou Celaine a tomar a difícil decisão de fechar o Instituto.
Depois de dois anos pensando serenamente, fazendo contas e querendo ter a vida de seus dois gatos e cachorros, “que não precisavam ir ao banco, ao cartório…”, ela entendeu, sem dor, que não estava mais fazendo um trabalho de ponta. “Eu me sentia uma funcionária de mim mesma, como se tivesse que bater ponto”. E tocou o barco adiante. Mas sem pensar em sair de Pomerode: “desde que eu cheguei aqui a cidade se transformou muito, mais do que devia até. Construíram aqueles predinhos idiotas de três, quatro andares, mas ainda é um dos melhores lugares que eu conheço”.
Feita a transição, ela pretende se dedicar mais à pintura, aos esportes e a viagens, mas mantendo vínculos com trabalhos como professora ou consultora. Da rotina de empresária, nenhuma saudade. “Essa crise moral instalada no pais é muito desanimadora. Não sou um tipo convencional de empresária interessada em ganhar muito dinheiro e comprar um barco. Meu luxo é ver as pessoas se transformando”.
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