Nova lei de compras públicas, que deve ser implantada até abril deste ano, é oportunidade para capacitar servidores e gestores públicos não apenas para aquisição de produtos e serviços “comuns”, como também para contratação de soluções inovadoras. / Foto: FORTYTWO (Unsplash)
[07.02.2023]
Por Marcus Rocha, Conselheiro e Especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação. Escreve quinzenalmente sobre o tema no SC Inova.
Percebe-se um movimento bastante consistente e crescente na busca pela inovação por parte de organizações públicas. Prova disso é a criação de diversos laboratórios de inovação, principalmente nas esferas estaduais e federal, e nos poderes executivo e judiciário.
Essa notícia é muito importante para ecossistemas de inovação e empreendedores de todo o país. Sem entrar em questões ideológicas, é fato que o Brasil tem uma estrutura estatal grande, considerando as esferas Municipal, Estadual e Federal e poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de órgãos de controle como Ministério Público e Tribunais de Contas. O tamanho de todas essas estruturas representa um grande poder de compra de produtos e serviços B2G (de empresas para governos).
O expressivo volume de compras das organizações públicas brasileiras movimenta cadeias expressivas de produção, de diferentes setores da economia. Com a crescente pressão pela melhoria da qualidade dos serviços públicos e da administração pública como um todo, há algum tempo também se percebe um movimento de estímulo à inovação no governo.
Claro que as organizações públicas podem e devem inovar. No entanto, considerando a sua finalidade e natureza, seu foco tende a estar em processos, serviços e estruturas. Nos outros campos de inovação, essas organizações atuam muito mais como demandantes e compradores de soluções, estimulando a economia baseada na inovação.
Em nível municipal, Prefeituras e Câmaras de Vereadores, além de escritórios locais de outras esferas e poderes, devem fazer parte dos ecossistemas locais de inovação. Considerando o seu poder de demandar e comprar produtos ou serviços, essas organizações podem ser incentivadoras importantes para gerar mercados locais para Startups criadas no próprio território, representando um primeiro salto para consolidar essas empresas que, no futuro, podem ser importantes fontes de geração de riquezas, empregos, arrecadação e desenvolvimento social e econômico.
COMPETIÇÃO REGIONAL POR TALENTOS DEMANDA INOVAÇÃO
Portanto, inicialmente é necessário capacitar os servidores públicos sobre os principais assuntos relacionados à inovação, começando pela importância de inovar – e de incorporar inovações de terceiros – para a melhoria da vantagem competitiva do seu território. Afinal de contas, atualmente há uma clara competição regional, nacional e até mesmo global entre municípios, estados e países para atrair investimentos, empresas, talentos, etc., e quem inovar certamente poderá ter vantagem nesse contexto.
Também é importante capacitar os servidores públicos em relação aos conceitos e práticas de inovação aberta, construindo parcerias para desenvolver inovações que resolvam seus desafios. Entre os parceiros que a administração pública deve buscar estão as instituições de ciência e tecnologia (ICTs), universidades, centros de pesquisa, incubadoras, aceleradoras e também startups.
Além das parcerias, é importante que as organizações públicas desenvolvam continuamente processos que comecem pelo diagnóstico periódico dos seus desafios de inovação. São tipicamente problemas não solucionados, ou cujas soluções são muito complexas, ineficientes, ou caras, e ainda oportunidades para melhorar suas operações e os próprios serviços públicos. A partir desses diagnósticos que os processos de busca por inovações devem iniciar.
No momento de buscar soluções inovadoras no mercado, naturalmente surgem inseguranças, especialmente por parte dos responsáveis por assinar os documentos de cada processo de compra ou contratação, conhecidos também por “ordenadores primários de despesas”. Essas pessoas podem ser responsabilizadas pessoalmente caso sejam questionadas pelos órgãos de controle.
Portanto, antes de mais nada é fundamental que haja um trabalho do ecossistema local de inovação em atrair órgãos de fiscalização e controle, tais como câmara de vereadores, ministério público e tribunal de contas, e até mesmo observatórios sociais, caso existam no território, assunto que já foi tratado nesta coluna. A partir da participação cotidiana desses órgãos nas atividades do ecossistema e também pela compreensão – além de uma certa pressão – em fazer parte da construção de processos que levem a compras de soluções inovadoras do mercado, muitos equívocos e discussões que podem emperrar ou invalidar essas ações podem ser prevenidas, com ganhos para toda a sociedade.
NOVA LEI DAS LICITAÇÕES É MARCO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS INOVADORES
Na busca por segurança jurídica nas compras públicas de inovação, é fundamental também que os servidores públicos tenham pleno conhecimento dos procedimentos de compras públicas. Neste momento há uma transição do antigo marco legal das licitações, a “famosa lei 8.666”, para a nova lei 14.133, aprovada e sancionada em 2021 que deverá ser plenamente implantada até o início de Abril de 2023 por todos os órgãos da administração pública estadual e federal, e por municípios com 20 mil habitantes ou mais – cidades menores têm prazo ampliado para a implantação de alguns itens desta lei.
Tal situação pode representar uma oportunidade para capacitar servidores e gestores públicos não apenas para as compras públicas de produtos e serviços mais comuns, mas também para a contratação de soluções inovadoras e de serviços relacionados à inovação em geral, apresentando outras leis relacionadas ao assunto, tais como a lei federal 10.973 de 2004 (Lei da Inovação) e a lei complementar federal 182 de 2021 (Marco Legal das Startups), entre outras.
Nesse contexto complexo, e com o intuito de “destravar” as compras públicas de inovação, em novembro de 2022 o Ministério da Economia lançou a Plataforma de Compras Públicas para Inovação (CPIN). A plataforma pode ser acessada pelo endereço https://inovacpin.org/ e é destinada a orientar gestores e servidores públicos a terem segurança técnica e jurídica nos procedimentos de contratação de produtos ou serviços inovadores ou de suporte à inovação.
A plataforma CPIN tem interface bastante amigável e trabalha a partir de perguntas e respostas. Inicialmente, o usuário precisa responder às perguntas da Trilha de Planejamento, com um roteiro que permite maior segurança para garantir que todas as informações importantes foram consideradas, buscando prevenir possíveis erros e questionamentos futuros. Em seguida há um quiz para orientar a escolha do instrumento de compra pública mais adequado. Assim, o usuário é encaminhado para uma outra trilha de perguntas e respostas, específica para a construção do instrumento escolhido.
Nota-se, assim, um movimento mais concreto por parte dos órgãos públicos do poder executivo para a promoção da inovação, seja por meio de leis ou de outras iniciativas tais como programas de inovação aberta, laboratórios, etc. Prefeituras, governos estaduais e o governo federal estão promovendo ações que começam a dar resultados. Mesmo com algumas deficiências em alguns mecanismos como o Contrato Público para Solução Inovadora que já foram abordadas nesta coluna, nota-se um movimento contínuo para inovar, mesmo que em velocidade ainda mais lenta que a necessária.
Ao mesmo tempo, percebe-se que os órgãos dos demais poderes, bem como os órgãos de controle, ainda participam de forma tímida ou isolada dos movimentos pela inovação no Brasil. A inovação aberta, junto com o fortalecimento dos ecossistemas de inovação, devem contar com a participação ativa do máximo de órgãos públicos.
Essa dinâmica precisa contar também com a abertura e a busca por todos esses atores por parte de quem já participa dos ecossistemas. Se bem utilizada, a força institucional das Entidades Empresariais, Organizações da Sociedade Civil, Instituições de Ciência e Tecnologia, e das Universidades, pode criar as conexões necessárias para trazer cada vez mais organizações públicas para esse importante movimento que certamente tem o potencial de trazer muitos benefícios sociais e econômicos para o Brasil.
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