Apesar das controvérsias, a abordagem psicológica dos games tem cada vez mais valor em nossa cultura online, impactando a forma como estudamos, trabalhamos e nos relacionamos. / Foto: All Star League of Legends/Divulgação
[17.07.2020]
Por Alexandre Adoglio*
Logo após o famigerado Massacre de Columbine no EUA, precedente de uma série de outros atentados até hoje inclusive o Massacre de Suzano em São Paulo, um movimento de culpa incidiu sobre a obsessão por vídeo-games dos jovens atiradores Eric Harris e Dylan Klebold. Com algumas poucas pistas sobre o tema, os ativistas anti-game Jack Thompson e Dr. Phil McGraw (“Dr. Phil”), apareceram na mídia afirmando que games de contexto violento seriam um motivador significativo na ação do estudante, levando os pais a observarem as atitudes de seus filhos perante os jogos online e movendo o poder público a imputar censura nos lançamentos da indústria desde então.
Uma investigação de psicologia, realizada em 2008 por Christopher J. Fergunson, da Texas A&M International University, concluiu que não só é pobre esta relação “games vs. violência” como a base das pesquisas que apontam esta causalidade deixa muito a desejar. Corroborando com esta, temos outra abordagem realizada pela Universidade de Oxford em 2019, que verificou ante mais de 1000 jovens que videogames não deixam ninguém mais propenso a violência.
Embora o tema ainda gere muita controvérsia, fato é que a abordagem psicológica do videogame vem tomando cada vez mais valor em nossa cultura online, promovendo inclusive impactos significativos na forma como estudamos, trabalhamos e nos relacionamos.
DEPENDÊNCIA X TERAPIA
Os desenvolvedores de games estão, até então, voltados para questões técnicas dos seus produtos, como modelagem, história, conceito. Mas com a popularização dos games e fortes investimentos nesta indústria, os impactos psicológicos passaram a ter evidência não só na censura dos games como também na sua performance comercial.
Aludindo à dependência que os games causam, fato comprovado por vários estudos, é possível utilizar os jogos como recurso terapêutico, segundo a Gameterapia desenvolvida no Canadá em 2006, que utiliza Nintendo Wii, Xbox 360 Kinect, óculos de realidade virtual e games com biofeedback. Estes videogames com sensores de movimento vieram importados de outros países e, inicialmente, foram testados no Brasil como coadjuvantes no tratamento de AVE (acidente vascular encefálico) e TRM (trauma raqui-medular), sendo hoje também aplicados para tratamento de paralisia cerebral, síndrome de Down e problemas traumato-ortopédicos em geral (bursite, tendinite, reabilitação pós cirúrgica), além de problemas cardiopulmonares e funções motoras.
Os resultados são tão animadores que já utilizamos videogames também como recurso terapêutico nos processos de aprendizagem infantil, ressaltando a relevância do uso dos jogos, como uma ferramenta útil no auxílio da aprendizagem na construção do conhecimento das crianças que, além de possibilitar um ambiente de interação e socialização entre os pequenos, é também uma forma deles aprenderem brincando de forma lúdica.
Uma das iniciativas regionais sobre o tema foi da Playtable, de Blumenau, empresa que em 2013 desenvolveu uma plataforma com mesa digital oferecendo jogos educativos e inclusivos, através de aplicativos lúdicos para facilitar o desenvolvimento do raciocínio lógico, memorização, atenção, paciência, criatividade, resolução de problemas, linguagens de expressão e a coordenação motora fina das crianças.
GAMIFICAÇÃO: ESTRATÉGIA PARA ATRAÇÃO E ENGAJAMENTO DE CLIENTES
E justo nesta direção os games se transformaram também em uma poderosa estratégia para atrair e engajar clientes. Desde o primeiro LIKE do Facebook, que derivou em mais seis interações (amei, força, haha, uau, triste, grr) empresas dos mais variados segmentos utilizam do chamado gamification como ferramenta de interação com clientes e consumidores.
Não limitando-se somente às empresas tech, podemos citar cases como a Gerdau, que utiliza realidade virtual para treinar seus colaboradores em APR (Análise Preliminar de Risco), ou o My Starbucks Rewards, programa da rede norte-americana de cafeterias que permite aos consumidores colecionarem estrelas em cada compra, e também o NikeFuel, aplicativo de smartphone que registra todas as atividades realizadas pelos usuários e as transforma em pontos para competirem entre si, disponibilizando troféus e recompensas especiais.
PC vs. CONSOLE vs. MOBILE
Já no próprio mercado de games a competição de plataformas, consoles e desenvolvedores é imensa. Este mercado já nasceu globalizado, porém teve início quando os acadêmicos começaram a projetar jogos simples, simuladores e programas de inteligência artificial, como parte de suas pesquisas em ciência da computação. É difícil determinar qual teria sido o primeiro jogo eletrônico criado. Alguns dos primeiros jogos conhecidos incluem Nimrod (1951), uma máquina feita sob encomenda pela Ferranti para o Festival da Grã-Bretanha e na qual se poderia jogar o jogo matemático Nim; OXO (1952), criado por Alexander S. Douglas para o computador EDSAC e que simulava o jogo da velha; e Hutspiel (1955), um jogo de guerra construído pelo exército dos Estados Unidos para simular um conflito com a União Soviética na Europa.
Mas o mercado começou a tomar forma mesmo com o Odyssey 100, primeiro videogame conectado à TV, que embora não tenha feito sucesso comercial possibilitou a geração de um ecossistema próprio incubando empresas como ATARI, que em 1972 lançou a primeira versão do jogo PONG em máquinas de ficha nos bares norte-americanos, inovando para o primeiro console residencial nos anos seguintes.
O Atari 2600, ícone de uma geração, alcançou a marca de 30 milhões de unidades vendidas, sendo aposentado somente em 1992. Para se ter uma ideia do alcance deste console, seu jogo mais popular, Pac-Man, atingiu a marca de 2 milhões de unidades vendidas.
Com o mercado aquecido desta forma a competição se tornou inevitável, compelindo as grandes techs a entrarem no jogo, com a fabricante de cartas Nintendo com seu ColorTvGame em 1977, a Sony com o PlayStation e a Microsoft com o X-Box, todas promovendo seus próprios títulos e criando para si uma legião de fãs consumidores ávidos pelos desafios.
E visando aqueles que preferem a independência destas majors, uma boa fatia de mercado ergue a bandeira da liberdade, promovendo um ecossistema próprio de jogos para PC, de preferência desktop. Esta turma não abre mão da qualidade na experiência do jogo, investindo muito na construção de seus computadores, tendo um mercado próprio de hardware voltado a quem prefere fazer seu próprio PC em casa.
Ícone desta galera, o ator Henry Cavill, que interpreta um dos mais memoráveis personagem de games, Geralt de Rívia do título The Witcher, já demonstrou publicamente seu afeto aos jogos em PC, inclusive montando uma dessas máquinas em post no seu Instagram.
E derivado de toda esta longa jornada, os games se consolidaram também em competições profissionais organizadas, as conhecidas e-sports, assunto que com certeza precede uma abordagem mais profunda em uma outra oportunidade. Por enquanto deixo aqui o calendário de campeonatos de 2020 para quem quiser acompanhar.
Em tempo, o faturamento desta indústria em 2019 foi de mais de 150 bilhões de dólares, sendo metade derivada de games para dispositivos móveis, celulares e tablets.
No Brasil, o movimento ficou em R$ 1,5 bi, sendo Santa Catarina um importante polo devido ao ecossistema de desenvolvimento tecnológico, contando até com sua Vertical de Games na ACATE (Associação Catarinense de Tecnologia), recentemente rebatizada como Vertical de Economia Criativa.
Voltando lá no início da minha abordagem, vale ressaltar que vídeo game, como tudo que é bom, vicia. Não tem essa de você ficar no controle, pois maratonar por horas nos desafios mentais e motores faz nosso cérebro produzir muita dopamina, perdendo noção de tempo e deixando outras tarefas importantes de lado.
A dica é ponderação e equilíbrio. Já olhou pela janela hoje? Tem um mundão lindo lá fora, com várias experiências reais que também são muito boas de praticar. Atira e se atira!
* ALEXANDRE ADOGLIO é CMO na Sonica e empreendedor digital.
Escreve semanalmente sobre Cultura Digital para o SC Inova.
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