“A tecnologia e a tendência de mudanças já alcançaram a rotina dos gestores públicos”

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“A tecnologia e a tendência de mudanças já alcançaram a rotina dos gestores públicos”

Após amplos debates sobre soluções, desafios e questões ambientais/legais de tecnologia e inovação no Congresso de Prefeitos, o diretor executivo da Federação Catarinense de Municípios destaca o que vem por aí como principais desafios aos gestores públicos.

Após amplos debates sobre soluções, desafios e questões ambientais/legais de tecnologia e inovação no Congresso de Prefeitos, o diretor executivo da Federação Catarinense de Municípios destaca o que vem por aí como principais desafios aos gestores públicos. / Foto: James Tavares/Divulgação

 

Por Rui Braun* 

O municipalismo entendeu que a tecnologia e as tendências de mudança já alcançaram a rotina dos gestores públicos. Não sabemos se estas mudanças são necessariamente positivas ou negativas, mas temos a certeza que essas tendências vão promover impactos profundos na administração pública e na realidade econômica de cada região. Isso vai nos obrigar a permanentemente usufruir dos recursos disponíveis e delimitar, a partir do público, a participação nesse processo de transformação do modo de produção, das relações de trabalho e da cultura organizacional.

Em um plano prático, esse ambiente nos alcança com algumas dimensões muito reais: há até pouco tempo a Federação Catarinense de Municípios (Fecam) realizava eventos temáticos setoriais para enfrentar suas demandas políticas: saúde, educação e contabilidade, por exemplo, eram tratados como demandas delimitadas em caixinhas, em eventos separados, sem conexão. Não há mais espaço para fragmentação na  administração pública. 

Agora, o Congresso de Prefeitos representa em si uma macrotendência no cenário municipalista. Ele promove defesa política, mas acompanha tendências de repercussão geral em meio ambiente, tecnologia e inovação. Delimita causas políticas e se  encontra com novas formas metodológicas de pensar sobre o conjunto da administração. O Congresso, realizado em formato de integração e rede de diversidade, representa uma reengenharia e uma adequação do sistema municipalista aos novos tempos. 

Como afirmou nesta edição o presidente da Fecam e prefeito de Tubarão, Joares Ponticelli, “estamos  sendo transformados no jeito de fazer as coisas. Esse fenômeno de mudança institucional se aprofundará cada vez mais e nos desafiará a cada instante  em romper com modelos e adaptar a instituição a um tempo veloz, que afeta o municipalismo e a sociedade. Seremos instituição de contornos mais integrada, com integração de conteúdos e conexão de áreas”. 

Há até pouco tempo, temas saúde, educação e contabilidade, por exemplo, eram tratados como demandas delimitadas em caixinhas, em eventos separados, sem conexão.

É por isso que identificamos, a partir daquilo que vivenciamos, alguns dos mais importantes desafios para os gestores públicos: 

DESAFIO #1: OBTENÇÃO DE DADOS EM TEMPO REAL

Uma  das características  desse novo momento pode  ser traduzido nos ajustes da própria entidade em  administrar banco de dados e informações sobre estatísticas econômicas e  sociais da realidade catarinense. Nesta área, a federação tem ampla experiência e construiu  cases de experiência nacionalmente reconhecidos, alimentando e oferecendo anualmente à sociedade e às administrações, informações sobre gestão pública. Neste momento, os dados precisam ser produzidos e disponibilizados em tempo  real – não bastam mais as estatísticas anuais. Os dados demandados pela administração  pública precisam ser imediatos para indicar  as tendências de curtíssimo prazo e exigem mudança no perfil metodológico e operacional da entidade  e seus colaboradores.  

Dados em tempo real: necessidade cada vez maior para tomada de decisão dos gestores públicos. / Foto: James Tavares/Divulgação

DESAFIO #2: PREDIÇÃO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL  

A próxima  fase exigirá ampliação da capacidade de predição e um acompanhamento na administração do perfil profissiográfico do ambiente público. É bastante natural prever que  novas  tarefas  públicas da  área de dados e inteligência  artificial exigirão a criação de novos cargos  públicos. Em um mesmo viés, a inteligência de dados precisará  orientar a administração pública nas políticas de formatação de tendências no que corresponde à manutenção de vagas de profissionais  da educação frente ao fenômeno já identificado que indica redução exponencial do número de alunos em Santa Catarina, impondo uma nova demanda: observar e integrar tendências, compreender os dados  demográficos que indicam redução do número de alunos e projetar a demanda real de professores necessários em nossas redes de ensino nos próximos 30 anos. 

É tarefa iminente, que permitirá assertividade frente ao novo cenário e sua antecipação por  indicativos e cruzamento de tendências, para entender a efetiva necessidade na formatação de novos concursos e contratações do serviço público. 

DESAFIO #3: O FUTURO DA SAÚDE PARA OS CIDADÃOS

Identificamos o ambiente da saúde como uma das áreas de grande impacto, em curto prazo. Não bastasse a iminente necessidade de incorporar diagnósticos e atendimento à saúde com auxílio de inteligência artificial (o que afetará diretamente o cotidiano de pacientes e comunidades), há que se perceber que, no plano administrativo por exemplo,  haverá  necessidade  de fortes investimentos em controle  cadastral, capacidade de melhoria na produção e registro de saúde

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Este item exigirá tecnologia e analítica em tempo recorde junto às administrações de saúde, uma vez que as políticas do SUS apontam para estratégias de atenção básica, onde a remuneração pelos serviços prestados pelo município estará diretamente conectado à  efetividade e eficiência na prestação dos serviços. Sabemos que os municípios assumem  muito mais do que sua competência legal estabelece, mas por outro lado sabemos também que a capacidade local de administrar a produção de serviços (e, portanto a capacidade de  remuneração sobre tais ações) é deficiente e exigirá grande intervenção. Ou nos adaptamos ao novo momento ou perderemos recursos.

DESAFIO #4: ARRECADAÇÃO E TRIBUTOS

Nos  próximos  anos haverá  grande relação e impacto entre  gestão tecnológica urbana e administração de  receitas tributárias locais. O aumento da capacidade de uso de tecnologia na administração em tempo real dos espaços urbanos (segmentação do  solo, edificações, intervenções no meio ambiente) facilitará o controle público no plano de planejamento, predição e arrecadação. Neste ambiente, haverá evidentemente grande  necessidade e demanda por treinamento de servidores públicos para o uso de ferramentas tecnológicas e o controle de novas metodologias de fiscalização de  tributos e postura.  

É aceitável conceber que os programas de treinamento e capacitação nos municípios  requisitarão novas ementas por parte dos gestores, e que novas habilidades e competências serão requeridas  dos servidores para assegurar alinhamento entre mão de obra e demanda nos serviços públicos derivados das tecnologias aplicadas em ambiente  público. Os novos ambientes que afetam a responsabilidade pública no plano tributário trarão significativos influxos e modificarão inclusive a relação entre órgãos de controle e gestores públicos. 

DESAFIO #5: COMO REPOSICIONAR A EDUCAÇÃO

Em mesma  perspectiva, os municípios precisarão confrontar-se com a inovação tecnológica nos processos de ensino educacional. Esta área talvez indique um ambiente onde está um dos maiores paradoxos: há um grande universo disponível para mudar  métodos e didática das formas. Mas é também o setor onde ocorrem, neste momento, grandes indagações acerca das novas formas de apreender o mundo e as antigas estruturas organizacionais (formais e procedimentais) que mantemos em educação. Neste ambiente é chegada a hora de repensar as competências  que ensinamos para nossos estudantes.  

O futuro da educação: grandes oportunidades e, ao mesmo tempo, indagações sobre como se adaptar às novas tecnologias e processos. / Foto: Mafalda Press

Positivamente,  teremos um reposicionamento  da função da educação e do ser  humano neste plano: precisaremos reaprender a  ensinar capacidades humanas de sensibilidade,  humanidade, adequação e resiliência. As  máquinas  terão os dados. Qual a  função dos humanos neste novo mercado? 

DESAFIO #6: O AMPARO LEGAL ÀS NOVAS TECNOLOGIAS – COMO O 5G

Numa  outra fronteira, a  Federação dos Municípios precisa se preparar para auxiliar e  determinar mudanças nas legislações  municipais. Haverá necessidade de preparar  o ambiente local para assentar os  impactos das novas tecnologias. Uma  destas tarefas quase que imediatas refere-se  ao  uso  da tecnologia  5G  em nosso  território. Há  paradigmas normativos  que deverão ser criados e  ou deverão conformar-se frente a  este ambiente. Num plano mais complexo,  a administração de dados exigirá cada vez  mais controle e responsabilidade pública, destacadamente frente a dados e sua proteção. 

O simples fato de que as administrações locais cuidam de grande gama de informações de  interesse público – mas também contidos de elementos personalíssimos do cidadão – nos confrontará à obrigação de zelo sobre essa dimensão. Haverá conflitos de interesse  e de cidadãos. Logo nos defrontaremos com a ilimitada capacidade de predição sobre saúde humana e a fronteira de limitação sobre o direito de saber, de preservar a intimidade e salvaguardar informações de dimensão personalíssima  do cidadão. 

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Num plano real, já nos defrontamos localmente com a necessidade de delimitar as condições de uso de câmeras de monitoramento em ambientes escolares, por exemplo. Até onde dados  dos processos de ensino realizados em sala de aula podem ser disponibilizados para o ambiente externo, por exemplo? Até onde a administração pública pode gerenciar dados de perspectiva individual na administração do interesse  público?

DESAFIO #7: O QUE APRESENTAR PARA OS PRÓXIMOS GESTORES PÚBLICOS?

Não há mais caixas, não há mais eventos: há processos e fenômenos interoperacionais. O próximo Congresso de Prefeitos se realizará na iminência da ascensão de novos mandatários. Teremos nesta dinâmica nova oportunidade – e desafio – de experimentar os tempos  complexos que nos alcançam. É muito provável que o próximo evento tenha entre seus diversos segmentos a reprodução de uma unidade de saúde adaptada aos novos tempos, uma sala de aula apresentando novos rumos para o ensino, inteligência artificial apresentando ao prefeito como administrar e controlar a sua infraestrutura de  mobilidade urbana e impostos. 

Não há outro caminho senão aproximar-se dos fenômenos e compreendê-los através  de conexões e experiência. 

Não  escaparemos  deste cenário. Mas  o mais importante, conforme  manifestação do presidente Ponticelli, “é  que a determinação humana e política da entidade em adentrar este novo cenário da administração pública  com humanidade, sensibilidade e sem perder a função essencial da cidadania e da administração: assegurar que a mão de  administradores e administrados assegure a ética, a boa governança e a justiça”.  

O grande caleidoscópio  municipalista já não se ocupa mais de promover congressos ou  grandes encontros, mas sim produzir formas modernas de reunir as incríveis riquezas  contidas no próprio sistema, em sua força e diversidade. Acima de tudo, estamos aprendendo a  dialogar com a nossa própria casa e, assim, nos conectarmos com as tendências e fenômenos mundiais que nos afetam. Não há outro caminho senão aproximar-se dos  fenômenos e compreendê-los através de conexões e experiência. 

Neste  plano, o Congresso de Prefeitos se traduz no éthos e no campo de experimentação  prática da Fecam, que sabe que precisa reinventar-se para continuar nova oferecendo  serviços, soluções e conceitos adequados à rede municipalista. 

* Rui Braun é diretor executivo da Federação Catarinense de Municípios, que promove anualmente o Congresso Catarinense de Prefeitos.