A desorganização financeira é um dos principais entraves para empresas que buscam capital de risco. Saiba o que pensam – e o que recomendam – profissionais e investidores-anjo. Imagem: Stefan Stefancik
Uma das etapas mais importantes na jornada de qualquer empreendedor é o momento de captação de recursos com investidores. Todo o trabalho desenvolvido até então fica à prova de experientes profissionais, executivos e outros empreendedores que também passaram pela “hora de verdade” e que querem, também, encontrar bons projetos e soluções para alocar, mais do que dinheiro, apoio e conhecimento no desenvolvimento de novas tecnologias.
No ambiente das startups, porém, ainda é muito comum que os founders não dediquem o mesmo cuidado à gestão financeira e contábil quanto a outros aspectos como o código-fonte, as projeções financeiras, modelo de negócio, marca e conceito, por exemplo. Na visão de quem vai botar dinheiro naquele projeto, um dos pontos mais importantes – e que podem ser decisivos para um investimento – é justamente a “saúde contábil” de uma startup.
“A grande maioria das startups e de empresas iniciantes de modo geral são bem desorganizadas financeiramente e tratam o tempo e dinheiro que gastam com esse assunto como um fardo. Os piores casos são quando o empreendedor mistura suas despesas de pessoa física com os da empresa. Isso assusta bastante os potenciais investidores, pois mostra falta de profissionalismo e de organização”, explica Alexandre Castro, que atua como consultor e investidor anjo em empresas de base tecnológica na Grande Florianópolis.
Como há uma gigantesca quantidade de trabalho e de assuntos que os empreendedores precisam conhecer e cuidar, “é comum que grande parte deles deixam essas questões contábeis de lado. Só que isso pode trazer problemas fiscais e trabalhistas num futuro próximo, além de afastar quem pensa em investir”, ressalta.
Na visão de Ismael Silva, cofundador da SoftCon Contabilidade, “os relatórios contábeis são uma importante ferramenta de trabalho tanto para o investidor quanto para o captador do recurso. O investidor precisa tomar uma decisão e quanto mais fácil e rápida for essa decisão melhor. A agilidade sobre essa decisão do investimento passa por transparência e informações que possam reflitam a realidade da empresa no balanço”. O balanço, ele explica, é como uma fotografia da empresa naquele momento e deve “espelhar o real saldo de caixa da empresa naquele momento, assim como contas a pagar, receber, estoques etc”.
FALTA DE INFORMAÇÕES É UM ERRO CAPITAL
E não são apenas as startups mais iniciantes que acabam sendo negligentes neste importante aspecto do negócio. Algumas que já tem maturidade e faturamento para captar recursos com fundos de venture capital também deixam a contabilidade descoberta: “entre o que eu presencio, em análises pelo fundo de investimento, é o nível de caixa que não bate com informações do banco, além da falta de contabilização do investimento anjo e também das dívidas de curto e longo prazo”, opina Marcelo Cazado, representante da gestora Inseed e líder da Rede de Investidores Anjo (RIA) de Santa Catarina.
Ele destaca que toda e qualquer dívida não contabilizada – seja com fornecedores ou mesmo o empréstimo de parentes, por exemplo – impacta diretamente no valor de mercado (valuation) da startup. “Se forem descobertas depois será considerado um passivo não declarado, e o empreendedor terá que abrir mão de percentual da empresa”, alerta. Outra recomendação aos empreendedores é ficar muito atento com relação ao passivo a descoberto, ou seja, quando a somatória dos prejuízos for maior que o capital social alocado pelos sócios.
Mesmo após um excelente pitch o investimento pode não evoluir em função de inconsistências contábeis.
“Num processo de investimento”, explica Cazado, “há uma série de processos, como a due dilligence, a auditoria contábil e sempre que surge algum problema atrasa toda a avaliação dos profissionais. São meses perdidos para resolver pendências”. Um tempo muitas vezes longo demais para empresas que demandam agilidade – e recursos – para desenvolver seus produtos e ganhar tração no mercado. “Muitos fundos têm pré-condições de entrada, como a exigência de um balanço. É importante que o investidor anjo também peça isso ao empreendedor como forma de deixar a empresa redonda”.
Na visão de Ismael, mesmo após um excelente pitch o investimento pode não evoluir em função de inconsistências contábeis, “sem falar nos casos de due dilligence, onde vários aspectos do negócio são analisados e revisados. E atualmente é possível, sim, a startup ter uma boa estrutura contábil, um bom nível de governança, com custo baixo sem deixar de focar na sua atividade fim”.
SEJA INTERESSADO E TRATE O CONTADOR COMO UM PARCEIRO
“Trate o seu contador como um parceiro e use a contabilidade gerencial para fornecer informações relevantes para a sua tomada de decisão”, recomenda o investidor Alexandre Castro. Na visão de Cazado, é importante ter uma agenda regular com o contador, “como reuniões mensais para entender os relatórios de cada período, mês ou trimestre, as demonstrações financeiras e fazer os ajustes necessários. E a grande maioria das empresas precisa fazer ajustes”.
“Gosto de empreendedores mais experientes e organizados que se preocupam com todas essas questões, que pergunta e aprende com o seu contador e saiba de cor todos os números financeiros da sua empresa. Essas dicas são importantes não apenas para atrair o interesse de investidores mas também para a gestão do dia a dia”, resume Alexandre.
Como uma startup possui dores e necessidades distintas das demais empresas tradicionais, ressalta Ismael, “a parceria com uma contabilidade segmentada, que entenda do core business da empresa e fale a mesma língua do empreendedor, ajuda a criar uma relação de confiança. Assim, auxilia a startup a se organizar e apresentar ao investidor relatórios condizentes sem que o empreendedor perca por muito tempo o foco no negócio, pois as reuniões serão mais ágeis, rápidas e eficientes”.
Reportagem: Fabrício Rodrigues, scinova@scinova.com.br
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