Tanto para o bem como para o mal, a manipulação de sons pode trazer uma série de mudanças em nossas vidas – e sem nos darmos conta. / Imagem: still “De Volta para o Futuro” (1985), Universal Pictures
[04.06.2021]
Por Alexandre Adoglio, CMO na Sonica e empreendedor digital.
Escreve sobre Cultura Digital para o SC Inova
Disputado por muitos como a próxima grande inovação humana, o carro autônomo vem sendo pesquisado a fundo, recebendo vultosas somas de investimentos em iniciativas lideradas por empresas como Google, Uber, Volvo e tantas outras corporates e startups. Dentre os inúmeros desafios encontrados no desenvolvimento do automóvel que não precisa de motorista, temos uma situação tão ruim como corriqueira; a síndrome de enjoo do passageiro, também conhecida como Cinetose. Mais terrível do que parece, este mal estar acomete 50% dos passageiros em longas viagens, sendo um dos principais entraves para quando sentarmos confortavelmente em nossos carros para sermos conduzidos pela Inteligência Artificial de plantão.
Entendidos como um conflito entre o que os olhos veem e o ouvido interno sente, esses enjoos passaram a ser considerados uma verdadeira fricção na experiência do usuário quando a Volvo colocou seus primeiros protótipos de carros autônomos para testes nas ruas. E através de uma parceria com a empresa de design de áudio Pole Position Production, a montadora sueca encontrou uma solução a princípio inusitada: o som.
Como o mal estar se dá quando fixamos os olhos em algo, a tela de comando do carro autônomo por exemplo, e as imagens que passam pelos vidros, os pesquisadores imputaram sons nos alto-falantes dos automóveis de modo que eles simulassem os movimentos das manobras, como por exemplo um som de aceleração cerca de dois segundos antes dela ocorrer.
Segundo a Volvo, os participantes dessas pesquisas disseram que os sons os ajudaram a prepará-los fisicamente, ou “ajustar seus corpos” para o que estava para acontecer, resultando em uma redução de 60% nos efeitos ruins de usar um carro autônomo. Os testes foram conduzidos por especialistas em diversas áreas e podem ser conferidos no material divulgado pela empresa.
Mas não é somente no desenvolvimento de ferramentas e aplicações em nossa vida digital que o som vem ganhando mais espaço. Ele se torna relevante também em outros aspectos para dar suporte aos nossos sentidos.
SÍNDROME DE HAVANA
Tanto para o bem como para o mal, a manipulação de sons pode trazer uma série de mudanças em nossas vidas, muitas das quais sem nos darmos conta, como a supressão da qualidade da música para caber no seu streaming.
Em um caso de inovação maligna, temos a misteriosa doença que acometeu funcionários da embaixada americana em Cuba durante o ano de 2017, quando muitos apresentaram problemas clínicos após ouvirem um barulho muito alto dentro do escritório, acompanhado de dor nos ouvidos e uma sensação de vibração na cabeça, que afetava tanto o pensamento como a visão. Após especulações e teorias da conspiração, é quase certo que o ataque foi feito através de um mecanismo de micro-ondas que transmite sons dolorosos a média distância, podendo ser utilizado como arma tática em campo.
A importância do som é tamanha em nossas vidas que muitas das experiências que temos é condicionada ao momento sonoro, incluindo música-chiclete, tendo alguns estudos propondo acesso ao nosso metabolismo através de algumas transmissões online. Um exemplo é a ativação da glândula pineal por áudio, que segundo alguns esotéricos pode ser descalcificada se submetida a frequências sonoras específicas de 432hz e 936hz.
Para estes terapeutas o som emitido nestas frequências causam uma vibração no tímpano de modo a estimular esta glândula responsável pela melatonina através das ligações aos centros nervosos do organismo. Para testar a eficácia podemos encontrar uma variedade de conteúdos, como este para estimulação ou este para meditação.
LEIA MAIS ARTIGOS EM NOSSO CANAL CULTURA DIGITAL
SUSSURRANDO ALTO
Como um dos mais importantes sentidos que temos, a audição passa a ser um óbvio foco de mercado, que não fica preso somente a forma mais conhecida: a música. Não se sabe bem como tudo começou, mas em 2010 Jennifer Allen propôs nomear como ASMR (Autonomous Sensory Meridian Response) um fenômeno que intrigava a comunidade científica há tempos. Conhecido também como “orgasmo sonoro”, ou em tradução livre “resposta sensorial meridiana autônoma”, é uma reação agradável de formigamento sentida na região do couro cabeludo, cabeça ou pescoço, em resposta a algum estímulo sensorial auditivo.
O termo ficou famoso quando a se criou uma técnica baseada em ASMR para ser utilizada na promoção do relaxamento, sono e bem estar, através de sussurros e sons cotidianos quase inaudíveis, que se proliferaram via canais do YouTube. Viralizando pela internet da época, os vídeos com estes sons irromperam também os podcasts e o Twitch, promovendo influenciadores na base do milhão em transmissões que podem durar até 3 horas.
Com o andamento de pesquisas e artigos científicos a respeito sobre o tema, demonstrou-se que os vídeos de ASMR regulam a emoção e podem ter benefícios terapêuticos para aqueles que são capazes de ouvi-los, reduzindo, por exemplo, a frequência cardíaca e promovendo sentimentos de afeto positivo e conexão interpessoal.
INOVAÇÃO COGNITIVA
Sob o aspecto dos avanços da tecnologia sonora a humanidade já percorre outros mundos, explorando sons através de telescópios como o CHIME, que captou sons de um galáxia distante 500 milhões de anos-luz da Terra. E recentemente diretamente de Marte a sonda Perseverance captou os primeiros sons do planeta vermelho, após uma amplamente divulgada missão de reconhecimento.
Mas nenhum avanço supera as conquistas para a saúde do ser humano. Desenvolvido pelo pesquisadores multidisciplinares na década de 1970, o implante coclear trouxe ao mundo uma nova etapa para quem não podia experimentar a sensação que o som produz em nós. Surdos por nascença não tinham esperanças para uma vida normal até que os primeiros implantes foram comprovadamente sucedidos.
Resultado de um estudo de médicos, psicólogos, audiologistas, terapeutas de fala, patologistas, fisiologistas, físicos, químicos e engenheiros, o implante coclear nasceu em 1973 como protótipo criado pelo Dr. William F. House em conjunto com Jack Urban, impulsionado pela pesquisa do casal Ingeborg em Viena, na qual os pacientes precisavam ser conectados a um computador no laboratório devido à ausência de microcomputadores.
Estima-se hoje que mais de 100.000 pessoas já tenham se beneficiado da tecnologia, alguns dos indivíduos que compõem a comunidade de cyborgs que tanto ansiávamos, e não menos humanos como a criança que ouve os pais pela primeira vez e adultos que não conheciam a própria voz.
LEIA TAMBÉM:
SIGA NOSSAS REDES