Senado aprova lei do marco legal das startups

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Senado aprova lei do marco legal das startups

Texto aprovado pelos deputados em dezembro de 2020 volta à Câmara após alterações dos senadores na lei complementar antes de seguir para sanção presidencial.

Texto aprovado pelos deputados em dezembro de 2020 volta à Câmara após alterações dos senadores na lei complementar antes de seguir para sanção presidencial. Foto: Agência Senado


[24.02.2021]
Por Farol Tech, faroltech@scinova.com.br 

O Senado aprovou nesta quarta-feira (24) a lei complementar (PLP 146/2019) que cria o marco legal da startups. Por votos 71 favoráveis entre os 72 senadores presentes na sessão (o presidente não votou) aprovaram com alterações o texto que chegou da Câmara aprovado no final de 2020 e agora retorna para ser apreciado pelos deputados antes de ir para sanção presidencial.   

Falta de discussões prévias e decepção do setor de TI: entenda como foi a votação da lei

A discussão e votação do projeto, como mostrou Farol Tech, começou na sessão deliberativa desta terça-feira (23). Durante a manhã, o texto já tinha 36 emendas. Quando começou o processo de leitura do parecer do relator, subiram para 51 as tentativas de alterar o texto. 

No momento em que a votação começou a ser encaminhada, os senadores argumentaram que o projeto deveria ser votado no dia seguinte diante da importância da matéria e das inúmeras dúvidas e das tentativas de votar em separado pelo menos seis emendas. O problema é que desde o começo da pandemia as comissões do Senado estão fechadas e por força de um ato da presidência os projetos de lei vão direto ao plenário. 

A ausência de discussões anteriores ao processo final de votação exigiu do relator um esforço extra e uma série de questões ficaram pendentes de entendimento sobre vários pontos do projeto que chegou da Câmara aprovado no final de 2020. 

O pedido de inclusão da pauta desta maneira foi justificado pelo relator da matéria, senador Carlos Portinho (PL-RJ) após uma audiência pública realizada em 11 de fevereiro na Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). 

Mas as recomendações do setor não foram acatadas pelo relator depois do encontro e nem na votação final do texto. Nesta quarta-feira (24), 43 organizações do setor manifestaram em nota e informaram que estavam “extremamente decepcionados” como o relatório do senador do PL.

Portinho argumentou na sessão desta quarta-feira que atendeu dois dos quatro pontos reivindicados pelas entidades do setor: a retirada do capítulo que previa a remuneração por meio das stock options e da obrigação de registro em papel ao permitir as publicações de forma eletrônica, incluindo as convocações, atas e demonstrações financeiras. 

Apesar dos avanços citados pelo senador, o setor questionou estas duas alterações feitas pelo Senado. O relator também considerou como positivo a retirada de obrigações trabalhista sobre os investidores anjos. (Veja mais abaixo os principais pontos alterados pela lei e os argumentos do setor).  

LICITAÇÕES PÚBLICAS E INOVA SIMPLES 

Entre as inovações do texto para atender este tipo de empresas na área pública estão as normas de modalidade específica de licitação pública que poderá contratar pessoas físicas ou jurídicas, isoladamente ou em consórcio, para o teste de soluções inovadoras com ou sem risco tecnológico. A nova modalidade poderá ajudar estados e municípios na busca de soluções para controlar a pandemia. 

“O Estado poderá, por exemplo, demandar soluções inovadoras para problemas enfrentados pelo Sistema Único de Saúde, como a gestão eficiente de recursos, medicamentos inteligentes, desenvolvimento de kits de diagnóstico rápido, equipamentos de diagnóstico por imagem portáteis, logística e entrega de medicamentos, vacinas e equipamentos em áreas remotas, como já ocorre no setor privado até por meio de drones e outras soluções tecnológicas. Todas essas são soluções que já existem ou estão em desenvolvimento, possuem enorme potencial para reduzir drasticamente os custos do SUS, aumento de sua eficiência, e melhoria da qualidade de vida da população”, argumenta o senador Carlos Portinho (PL-RJ), relator do projeto no seu parecer (Leia a íntegra do relatório publicado pelo Senado) 

Sobre este ponto da lei, a senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) fez uma emenda para que as empresas que estão enquadradas pelo Inova Simples e fossem vencedoras dos editais recebessem uma antecipação 20% do valor total do contrato para começarem a execução do projeto. 

A senadora argumentou que este seria um mecanismo importante para que as pequenas empresas do setor tivessem como honrar os contratos diante das concorrentes de maior porte econômico. No final, o relator alterou o texto sem definir um percentual, mas que em vez de deixar esse pagamento por conta da administração pública, passou a obrigá-las a prever em edital a antecipação de pagamento nos contratos de solução inovadora sem definir um percentual. 

Pela lei, as startups devem ter receita bruta de até R$ 16 milhões no ano anterior e até dez anos de inscrição no CNPJ. Além disso, é preciso declarar no ato de criação da empresa o uso de modelos inovadores ou se enquadrarem no regime especial Inova Simples. Esse regra está inserida no Estatuto das Micro e Pequenas Empresas (Lei Complementar 123/06). Para entrar no Inova Simples, a empresa ter receita bruta máxima é de R$ 4,8 milhões.

PRINCIPAIS PONTOS EM DEBATE DURANTE A APROVAÇÃO DO MARCO LEGAL

STOCK OPTIONS – No total, segundo o parecer do relator, 14 emendas foram apresentadas pelos senadores sobre a possibilidade de aplicação das stock options. Nove delas pretendiam retirar o capítulo sobre o tema e outras cinco queriam alterar as regras de oferta de ações para atrair e manter especialistas nas empresas nascentes. 

“É fato que as stock option ou Plano de Opção de Ações não são um instrumento exclusivo das startups, atendendo a diversas outras formas societárias, o que demanda o tratamento da questão não nesta legislação específica ao ecossistema em comento, mas sim de forma mais ampla em legislação própria e exclusiva, com o que me disponho e comprometo apresentar”, justificou o senador relator ao retirar o capítulo que regulamentava as stock options. 

Na emenda de pedido do destaque do PT, por exemplo, apresentada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), previa a retira integralmente do artigo 17. O senador afirma que o texto não limita o uso deste modelo de remuneração às starups. 

“O texto do PLP não prevê a aplicação dessa modelagem apenas para as empresas de startups, muito menos apresenta limitações para apenas alcançar empregados ou prestadores de serviço de altos salários ou que exercem cargos de chefia ou dirigente de empresas. Admite que tal exercício de stock options possa ser aplicado para pessoas jurídicas conceituadas como startups ou não, isso dentro de uma lei que se dispõe a tratar apenas de startups, ou seja, uma abertura de experiências incontroláveis, configura matéria estranha”, afirma Paim na justificativa da emenda.

Para o setor, as stock options são instrumentos “essenciais” para estímulo e retenção de colaboradores. A nota das entidades destaca ainda que as startups brasileiras estão sofrendo com a evasão de profissionais técnicos “altamente qualificados para startups estrangeiras”. Essa fuga, segundo as entidades, acontece por que com a pandemia estas empresas do exterior estão contratando os mesmos técnicos por meio do trabalho remoto.

Simples Nacional – Para o relator, a inclusão das sociedades anônimas no Simples Nacional deve ser iniciada pelo governo federal e âmbito da Reforma Tributária. Por isso, rejeitou duas emendas que atendiam essa reivindicação do setor. Ou seja, novamente o relator acatou os argumentos do governo neste quesito. 

Para as entidades, a inclusão das empresas no rol das S/As são “o modelo jurídico ideal” para as startups, especialmente pelas suas regras de governança. “Mas o desenquadramento do Simples Nacional inviabiliza sua utilização, lembrando que não haverá perda de arrecadação pois as startups atualmente se mantém como limitadas”, diz a nota.

Passivo trabalhista sobre os investidores anjos – Para rejeitar as oito emendas que tentavam aumentar a responsabilidade deste tipo de investidor sobre encargos trabalhistas, o relator não acatou as alterações com a seguinte justificativa:

“Com relação às emendas que pretendem estender a responsabilidade de créditos trabalhistas ao investidor-anjo, além do recurso já aportado, não merecem ser acolhidas. Entendemos que o investidor-anjo já compromete seu capital com o recurso aportado, e, caso seja seu patrimônio atingido pelas responsabilidades trabalhistas, o custo de oportunidade do investimento aumentaria, prejudicando todo o ecossistema de startups”.

Incentivos fiscais para investidores – O relator rejeitou seis emendas com esse objetivo. Informou que as mudanças poderiam violar outras leis por que não tinham estimativa de impacto orçamentário e fiscal. Na prática, o senador acatou os argumentos do governo e tentou retirar essas mudanças para tentar passar o texto ou facilitar a sanção futura pelo Executivo. 

Um dos exemplos de tentativa de inserir incentivos novos foi o pedido de destaque do senador Eduardo Braga (AM) pela liderança do MDB de voto em separado de uma emenda apresentada pela senadora Rose de Freitas (MDB/ES).  A senadora capixaba tentou inserir o desconto no imposto de renda para os investidores em startups. Pelo texto, a dedução seria de 4% para pessoa física e 2% para jurídica. 

O relator ainda retirou a pedido do governo, o artigo 7 do texto aprovado Câmara:

Art. 7º No caso do investidor pessoa física, para fins de apuração e de pagamento do imposto sobre o ganho de capital, as perdas incorridas nas operações com os instrumentos de que trata o art. 5º desta Lei Complementar poderão compor o custo de aquisição para fins de apuração dos ganhos de capital auferidos com venda das participações societárias convertidas em decorrência do investimento em startup.

§ 1º O investidor poderá escolher quais investimentos em startup realizados previamente ao ganho de capital ele utilizará no custo de aquisição.

§ 2º A utilização dos valores no custo de aquisição a que se refere este artigo para fins de ganho de capital implica remissão da dívida da startup.

§ 3º A utilização dos valores no custo de aquisição a que se refere o caput deste artigo somente poderá ser realizada com os instrumentos de que trata o art. 5º desta

A emenda do relator transformou o artigo:

Art. 7º No caso do investidor pessoa física, para fins de apuração e de pagamento do imposto sobre o ganho de capital, as perdas incorridas nas operações com os instrumentos de que trata o art. 5º desta Lei Complementar poderão compor o custo de aquisição para fins de apuração dos ganhos de capital auferidos com venda das participações societárias convertidas em decorrência do investimento em startup, no prazo estabelecido pelo I, do Art. 137, da Lei 14.116, de 31, dezembro de 2020 (LDO).”

O dispositivo citado da Lei de Diretrizes Orçamentária determina que as propostas legislativas que concedam, renovem ou ampliem benefícios tributários deverão ter vigência de, no máximo, cinco anos. 

Ou seja, a alteração fixou em cinco anos o prazo máximo para os investidores de pessoa físicas usarem as perdas dos investimentos em startups no cálculo do pagamento do imposto de renda sobre os seus ganhos de capital. Vale lembrar que o ganho de capital é a diferença positiva entre o valor de alienação de bens ou direitos e o respectivo custo de aquisição.

Para o setor, não há renúncia fiscal e impacto negativo para a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A nota enviada ao senador tem os seguintes argumentos:

– As propostas apresentadas passariam a vigorar apenas a partir de 2022, na vigência da próxima LDO assim, podendo na mesma ser feita qualquer compensação que seja necessária. 

– Foi demonstrado através de estudos elaborados por consultoria tributária renomada que não há renúncia fiscal, pelo contrário, as propostas irão gerar aumento de arrecadação tributária e antecipadamente a qualquer eventual isenção/ compensação.

– Observar que há compensação através da “ampliação da base de cálculo” conforme previsto no inciso II do Art. 14 da Lei nº 101/2000 (LRF), uma vez que a arrecadação será sobre todo valor do investimento e não somente sobre os rendimentos do investimento mantido em renda fixa.

– Também importante lembrar que recentemente (em 5/6/2020) o governo federal publicou o Decreto 10.387/20, estendendo os benefícios fiscais (isenção) previstos na Lei 12.431/11 aos projetos de infraestrutura com impactos socioambientais positivos, demonstrando que não há justificativa para não equiparação.

REGISTRO EM LIVROS DIGITAIS 

Para o setor, manter “meios arcaicos” de registros e publicações em papel não poderia ter sido mantido no texto. O texto prevê que apenas as empresas com até 30 acionistas e receita bruta anual de até R$ 78 milhões podem fazer registros em meio eletrônicos. “Além de excessivamente oneroso, chega-se a ser surreal, lembrando que muitas startups possuem mais de 30 sócios investidores, assim é essencial que sejam abolidas as restrições para publicações digitais”, diz a nota do setor. O senador acabou mantendo o texto da Câmara.

LEIA A ÍNTEGRA DO RELATÓRIO PUBLICADO PELO SENADO:

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?mime=application/pdf&disposition=inline&dm=8929217