Roteiro foi motivado pela realização de um Planejamento de Ecossistemas Locais de Inovação (ELI) organizado pelo Sebrae/SC em 17 cidades de nove regiões catarinenses.
Foto: Comitiva em uma das salas de aula da Porto Business School. / Crédito: Divulgação
[11.10.2022]
Por Marcus Rocha, Conselheiro e Especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação.
Escreve quinzenalmente sobre o tema no SC Inova.
Entre os dias 26 e 30 de setembro de 2022, o Sebrae de Santa Catarina realizou uma missão técnica em Portugal, cujo roteiro e agenda foram organizados pelo autor desta coluna. O elemento motivador foi a realização do Planejamento de Ecossistemas Locais de Inovação (ELI) por parte do Sebrae/SC em nove regiões do Estado, alcançando mais de 17 municípios diferentes.
A metodologia de Planejamento dos ELI aplicada pelo Sebrae/SC foi desenvolvida pela Fundação Certi e aplicada inicialmente em Londrina/PR. Hoje já está presente em mais de 120 municípios de todo o país, e considera as seguintes etapas:
- O trabalho é iniciado pelo mapeamento inicial de informações, com a identificação dos principais atores do ecossistema de acordo com o modelo da quádrupla hélice (Empresas, Governo, Academia e Sociedade Civil). Nessa etapa são realizadas entrevistas com os atores identificados, além da análise de informações em diferentes bases para identificar questões tais como os principais setores econômicos, as organizações mais inovadoras, os cursos de graduação e pós-graduação, bem como as linhas de pesquisa desenvolvidas no território. Esta etapa é finalizada com um workshop, do qual participam os atores do ecossistema que foram mapeados, que definem os setores tecnológicos estratégicos que serão a base principal das ações do ecossistema.
- Em seguida, o mapa de atores do ecossistema é consolidado – atividade que persiste durante todo o processo de planejamento – e é realizada uma avaliação do nível de maturidade do ecossistema, a partir das entrevistas que foram realizadas na etapa anterior. Além de pontos fortes e fracos do ecossistema, a maturidade é avaliada com base nas na efetividade das ações de inovação e do nível de integração dos atores do ecossistema, nos seguintes eixos: Ambientes de inovação; Programas e ações de inovação; Instituições de Ciência, Tecnologia e Inovação; Políticas públicas para inovação; Disponibilidade de Capital para inovação; e Governança do Ecossistema Local de Inovação. Esta etapa é concluída com a realização de mais um workshop, durante o qual os participantes debatem e definem o grau de maturidade do seu ecossistema, e consolidam os pontos fortes e fracos identificados.
- A próxima etapa consiste na consolidação e na análise dos pontos levantados nas fases anteriores, realizando uma proposição de estrutura de governança – quando ainda não houver –, e de diretrizes estratégicas. Então é realizado um novo workshop, cujo resultado consiste em um Propósito do Ecossistema Local de Inovação, além de Objetivos Estratégicos e Estratégias de Curto Prazo para Empresas, Governo, Academia e Sociedade Civil.
- A última etapa é marcada pelo início dos trabalhos de composição da Governança do Ecossistema Local de Inovação. O último workshop é realizado para priorizar as estratégias definidas, além de estabelecer, sob uma ótica de OKRs (metodologia de Objetivos e Resultados Chave), um plano de ações para desenvolver a maturidade do Ecossistema, e de cada uma das categorias de atores: Empresas, Governo, Academia e Sociedade Civil.
Por fim, é realizado um evento de entrega do plano estratégico, para a Governança que foi estabelecida durante o processo de planejamento. A partir deste ponto, o Sebrae também disponibiliza um Agente Local de Inovação para o Ecossistema, um profissional cuja função é ajudar a Governança na execução do planejamento do Ecossistema Local de Inovação.
Em Santa Catarina, os processos de planejamento do ELI foram recentemente concluídos ou estão na sua metade final. Com isso, torna-se importante buscar referências para a execução das estratégias que foram definidas. Foi por este motivo que o Sebrae/SC resolveu realizar a missão técnica para Portugal, com representantes de diferentes setores e de diferentes cidades. De Santa Catarina, estavam presentes lideranças das cidades de Araranguá, Blumenau, Chapecó, Florianópolis, Itajaí, Joaçaba, Joinville e Navegantes. Do Paraná, foram convidados representantes de Londrina e de Cascavel. A comitiva da missão, assim, contou com 18 pessoas ao total.
DIA 1 – MATOSINHOS E PORTO
A missão iniciou com uma visita ao CEiiA, cuja sede fica em Matosinhos, e que já foi objeto de artigo desta coluna. A comitiva foi recebida pela CTO Helena Silva, pelo Diretor de Novas Tecnologias Pedro Gaspar, e por Pedro Fontinha, Presidente do Cluster Smart Cities Portugal. Foi apresentada a história deste que é o mais relevante instituto de inovação de Portugal, além de realizado um tour pelas suas instalações e projetos, com destaque para o KC 390 da Embraer, o Ventilador Pulmonar Atena, a Aceleradora 4Scale, Veículos elétricos, Capacetes para uso médico, Drones para monitoramento dos oceanos, e a plataforma AYR para a descarbonização de cidades a partir do incentivo à mobilidade sustentável.
No período da tarde, o destino foi a Câmara Municipal do Porto. Importante explicar que, por ter regime semipresidencialista, as cidades de Portugal não possuem o cargo de Prefeito e nem de Secretários/as, pois a gestão é toda feita pela Câmara de Vereadores. A comitiva foi recebida pelo Presidente da Câmara, Rui Moreira, – cuja função, portanto, é equivalente a de Prefeito no Brasil – e encaminhada para uma reunião com o Vice Presidente Filipe Araújo.
A apresentação trouxe um panorama geral sobre o porquê de Portugal ser um destino importante atualmente para atração de investimentos internacionais. Portugal é o 7º país com melhor proficiência em inglês no mundo, segundo o EF English proficiency index, e é considerado o melhor país da Europa para viver na aposentadoria.
Sobre as ações da cidade do Porto, foi apresentada a iniciativa Scale up Porto, realizada em rede com outras cidades europeias, e que entre outras ações visa conectar demandas de empresas locais com startups, com uma clara perspectiva de inovação aberta. Também se destacou que a política pública de inovação do município tem foco no empreendedorismo empresarial e na qualidade de vida. Nesse contexto, o poder público municipal atua principalmente como mediador de oportunidades de negócios entre os atores do ecossistema local, que estão mapeadas em uma plataforma chamada Deal Room.
Outra ação importante do município é o Invest Porto. Como o nome já sugere, seu objetivo é atrair investimentos para a cidade, a partir de ações de promoção. Uma vez que empresas decidem se instalar na cidade, são oferecidos diversos serviços de suporte. Nesse sentido, destaca-se o Porto for talent, um marketplace de oportunidades de trabalho junto às empresas instaladas na cidade.
O interessante é que o trabalho não para na atração de investimentos. No âmbito desse programa, a Câmara do Porto desenvolve um programa de relacionamento com as empresas que representam o futuro da economia da cidade, chamado de Leading Investors Program. Para isso, são designados servidores que atuam como key account managers (gestores de contas chave), cuja tarefa é disponibilizar o melhor relacionamento possível com a municipalidade para essas empresas estratégicas, de forma que elas queiram não apenas permanecer na cidade, mas também ampliar sua presença e seus investimentos no território.
Ao total, o Invest Porto já acompanhou 441 projetos de investimento, promovidos por 381 empresas. Hoje é considerada a 3ª melhor cidade europeia de médio porte para investir, e conta com a maior concentração de investimento privado em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de produtos em Portugal.
Em seguida a comitiva se dirigiu à Escola 42, unidade local de uma rede internacional de escolas de programação, que foi fundada em Paris e hoje está presente em 26 países, com cerca de 15 mil alunos. No Brasil, tem unidades no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.
A Escola 42 oferece capacitação gratuita para alunos de 18 anos ou mais, que não precisam ter conhecimento prévio em desenvolvimento de software. A seleção é realizada a partir de um processo que dura 26 dias e é chamado de “piscina”. Os alunos selecionados são aprovados para o curso com duração de 18 meses, com aulas no formato de bootcamps, 100% presenciais, para estimular e facilitar a colaboração entre os alunos. A principal competência a ser desenvolvida pelos alunos é “aprender a aprender”, e as turmas geralmente são compostas por: 1/3 de estudantes; cerca de 1/3 de profissionais em busca de recolocação; 1/3 de profissionais em busca de uma nova carreira ou de complementar sua formação com tecnologia.
As unidades da Escola 42 são financiadas por parceiros patrocinadores, que podem ser públicos ou privados – no Porto, a Câmara é um desses parceiros. Devido à escassez de desenvolvedores de software no mercado, os parceiros atuam de maneira bastante próxima à escola, observando os melhores alunos, que podem rapidamente ser contratados.
A comitiva então se dirigiu ao Porto Innovation Hub, ambiente mantido pela Associação Porto Digital, uma organização privada que é mantida por Câmara do Porto, pela Universidade do Porto e pela Empresa de Metrô do Porto. Além de gerenciar o Living Lab da cidade, laboratório de inovação aberta para testes e validações de inovações para desafios da Câmara Municipal, a Associação Porto Digital também é responsável por toda a infraestrutura tecnológica sob a ótica de uma Smart City, incluindo as redes de fibra ótica da Câmara Municipal, diferentes sensores no ambiente urbana, a plataforma de zeladoria urbana da cidade, e o “Porto free WiFi”, que registra mais de 8 milhões de dispositivos conectados por ano.
A agenda do dia foi finalizada no Work in Porto, ambiente de coworking e inovação que está revitalizando um prédio localizado na divisa entre as cidades de Porto e Matosinhos. Localizado em local nobre, de frente para o mar, o edifício estava se deteriorando, mas com o Work in Porto voltou a ser ocupado com qualidade, trazendo novos negócios, movimentação econômica e social, passando a ter suas instalações recuperadas.
DIA 2 – PORTO E BRAGA
A agenda do dia 2 da missão iniciou na Associação Nacional dos Jovens Empresários (ANJE), uma entidade que 36 anos e que possui mais de 5.500 associados, que devem ter até 40 anos de idade. A ANJE opera hoje 8 incubadoras distribuídas por todo o território de Portugal. A comitiva conheceu a incubadora instalada na sede da ANJE na cidade do Porto, que conta com 35 incubados, com foco principal na Moda e na Economia do Mar. Durante a visita, foi dado destaque às ações realizadas em conjunto com outros atores dos diferentes ecossistemas do país, com destaque para o Portugal Fashion.
Em seguida a comitiva se dirigiu à Porto Business School (PBS), escola pertencente à Universidade do Porto, onde foi recebida pela Vice Reitora Patrícia Teixeira Lopes. A PBS é administrada pela Associação Porto Business School, uma Joint Venture entre Academia e Empresas de destaque internacional, tais como EDP, Samsung, BPI, Bosch. Delitte, Liberty Seguros, entre outras. As atividades da PBS são orientadas pelas demandas do mercado, representadas por essas empresas mantenedoras na estrutura de governança da associação. A PBS não possui um corpo docente fixo, pois a escola está constantemente em busca do/a melhor professor/a para cada disciplina, em cada momento.
A maior parte das aulas da PBS é oferecida pelo método de estudos de casos. Os trabalhos de conclusão de curso são sempre orientados para a proposição de soluções para problemas empresariais reais. Hoje a escola desenvolve 221 programas, com mais de 4 mil alunos participantes, de 32 nacionalidades diferentes, e está no 40º lugar no Financial Times Executive Education Ranking de 2022.
Na PBS também foi apresentado à comitiva o Centre for Business Innovation, cujas atividades são orientadas pelas diretrizes empresas que fazem parte da governança da escola. Sua principal função é criar comunidades para desenvolver inovação, empreendedorismo, transformação digital e sustentabilidade nas empresas, a partir de serviços tais como consultorias, pesquisa aplicada, desenho de programas, capacitação, e desenvolvimento de projetos.
O CBI desenvolve diversos programas de empreendedorismo inovador, com destaque para os Bootcamps, o programa Basic of Business, os Summer Jobs, e o Creator Lab (da ideia ao empreendimento de sucesso). Foi interessante ver que o foco do CBI da PBS é mais individualizado aos empreendimentos gerados pelos diferentes programas realizados. Com isso, a escola acaba por não realizar uma perspectiva de funil das startups geradas, algo comum a outros habitats de inovação.
Após um rápido almoço no refeitório da PBS, a delegação partiu rumo à cidade de Braga, onde foi recebida inicialmente por executivos da Invest Braga, uma empresa da Câmara Municipal da Cidade. A apresentação começou apresentando Braga como uma cidade universitária, com uma das populações mais jovens dentre os municípios europeus, e que tem investido bastante na retenção dos estudantes formados na cidade. Faz parte da Rede de Cidades Criativas da Unesco, no campo das Artes Midiáticas.
Para trazer investimentos para o seu território, o município criou a Rede de Embaixadores Empresariais de Braga, que conseguiu atrair 194 projetos de investimento internacional e mais de 550 projetos de investimento nacionais, de empresas como Fujitsu, Bosch, Accenture, Webhelp, Checkmarx, e Casais.
De forma similar ao que foi visto na cidade do Porto, a Invest Braga também possui uma plataforma que divulga oportunidades de trabalho. Chamada de Work in Braga, o serviço divulga oportunidades de emprego qualificado na cidade, em parcerias principalmente com empresas e instituições de ensino. Um diferencial é que a iniciativa também oferece programas de formação para a requalificação de competências para profissionais estabelecidos na cidade.
Um dos principais indicadores de sucesso do Invest Braga é a criação de postos de trabalho. A meta inicial de gerar 500 novos postos de trabalho por ano foi ultrapassada rapidamente e, conforme dados apresentados, a cidade acabou criando mais de 2.000 novas oportunidades de trabalho por ano, principalmente nas áreas das Tecnologias da Informação e da Comunicação e da Construção Civil.
Outra ação importante da Invest Braga é o Startup Braga, programa que já apoiou 185 Startups, sendo que 7 delas foram adquiridas por grandes empresas internacionais. O programa conta com mais de 100 “amigos corporativos”, empresas estabelecidas que são parceiras, e já movimentou mais de 370 milhões de euros em investimentos. Hoje o Startup Braga conta com 84 startups na sua incubadora e outras 76 startups na sua acelerador. O programa também oferece pré-incubação de ideias de empreendimentos inovadores junto a alunos das universidades locais.
Um ponto interessante levantado durante a visita foi a definição de Startup adotada pelo Startup Braga: trata-se de uma empresa nascente de base tecnológica, com produto altamente inovador/tecnológico com modelo de negócio altamente escalável, que necessita aplicação intensiva de conhecimento. A seleção de quem é ou não é startup passa pelo crivo da equipe do Startup Braga, a partir da análise de cada negócio que desejar participar de algum serviço da iniciativa. Para tanto, o critério de faturamento da empresa candidata não é levado em conta, mas apenas orienta a equipe na identificação do seu estágio de maturidade.
A missão então seguiu para o International Iberian Nanotechnology Laboratory (INL), um centro de pesquisa e desenvolvimento de inovações com reconhecimento internacional. O INL possui mais de 300 pesquisadores e outros 300 bolsistas, de mais de 30 nacionalidades diferentes. Os produtos desenvolvidos visam diferentes mercados, tais como Alimentos, Medicina, Eletrônica, Automóvel, Saneamento e Energia. Durante visita às instalações com acesso permitido a visitantes, foram apresentados à comitiva da missão os diferentes serviços desenvolvidos e mercados atendidos pelo INL, além da forma básica de atuação do instituto, com especial destaque às parcerias com universidades e empresas.
A agenda em Braga foi finalizada com uma recepção pelo Presidente da Câmara de Braga, Ricardo Rio, que fez questão de atender a todos os presentes e reforçou os pontos que foram apresentados nas visitas realizadas na cidade. Na ocasião, o Presidente fez um convite para que representantes dos Ecossistemas de Inovação de Santa Catarina participem do Unique Summit, novo nome do evento Global Startup Cities Summit, que ocorrerá em Braga nos dias 28 a 30 de novembro de 2022.
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