As “caixas de areia” podem ser um espaço livre de resistências organizacionais para que a inovação ocorra de forma aberta – um ambiente físico e/ou digital onde stakeholders podem se reunir de forma autônoma e sem hierarquias. / Foto: Markus Spiske (Unsplash)
[21.12.2021]
Por Marcus Rocha, empreendedor e colunista SC Inova.
Escreve quinzenalmente sobre ambientes e ecossistemas de inovação
O último artigo falou sobre a questão do sandbox regulatório, a partir do destaque que o assunto passou a ter desde a aprovação do Marco Legal das Startups. Algumas cidades também começaram a discutir leis municipais com a finalidade de criar espaços para testes de soluções inovadoras utilizando essa mesma expressão, aumentando mais ainda o interesse sobre o tema.
Apenas relembrando, o conceito de sandbox, no caso das organizações, é uma metáfora que se baseou nas “caixas de areia” dos parques infantis, aqueles locais cercados e seguros onde as crianças podem brincar e criar à vontade. Nesses espaços não há regras pré-definidas, pois tudo depende da brincadeira do momento.
Para empresas que desejam desenvolver inovação de forma estratégica, a implantação de um ou mais sandboxes pode ser chave para o sucesso. E há um motivo claro para isso: as estruturas organizacionais, processos padronizados, controles, etc. geram um ambiente resistente a inovações, especialmente aquelas mais radicais ou disruptivas.
Alguns podem argumentar que empresas com processos bem estruturados e maduros não são contra a inovação, pois normalmente implantam boas práticas de melhoria contínua como o ciclo PDCA. Ocorre que a velocidade de planejar, executar, medir e agir, em cada um dos ciclos, além da incorporação efetiva das novidades nos processos, é adequada apenas para melhoria contínua, em pequenos passos. Saltos ou mudanças bruscas advindas de inovações mais significativas não se encaixam nesse esquema, mas são cada vez mais importantes para a competitividade das empresas.
Então, quando mais bem-sucedida uma empresa for na sua maturidade de estrutura e de processos, que são fundamentais para a qualidade de seus produtos e serviços, maior tende a ser a sua resistência às inovações. E quanto maior for a empresa, mais complicado fica.
Steve Blank, um dos principais autores do mundo da inovação e das startups, trouxe essa questão importante no artigo “Why Companies Do “Innovation Theater” Instead of Actual Innovation” (Por que as empresas fazem “teatro da inovação” ao invés de inovação de verdade). Segundo Blank, as forças exercidas pelas estruturas, processos, compliance, entre outras práticas das organizações, podem ser tão grandes, que iniciativas para inovação como hackathons, desafios de inovação, projetos com startups, etc., podem apenas representar uma espécie de teatro, pois há uma resistência tão grande a mudanças significativas, que impede totalmente a incorporação de inovações.
ONDE ESTÃO AS RESISTÊNCIAS
Um exemplo disso pode ser encontrado nos processos de compra de empresas de médio/grande porte. Com o passar do tempo, diversas obrigações internas, tais como RFI (Request for Information) e RFP (Request for Proposal, uma espécie de licitação privada) são implantadas. Além disso, os fornecedores precisam apresentar uma série de documentos para garantir sua confiabilidade, tais como balancetes com capital social mínimo estabelecido, patrimônio mínimo, índice mínimo de liquidez, atestados de capacidade, etc. Isso torna praticamente impossível a contratação de startups, que não conseguem atender aos requisitos solicitados.
Nesse cenário, alguns profissionais dessas empresas ainda persistem e tentam contratar produtos ou serviços mais inovadores de startups, enfrentando muita resistência e dificuldades para criar exceções às regras estabelecidas. Às vezes, até sofrem com a desconfiança dos colegas sobre os motivos que os estão levando a buscar uma determinada startup, tipicamente uma empresa pequena e sem histórico no mercado. Com isso, a maior parte desiste e a empresa fica restrita às soluções/produtos já disponíveis no mercado, inibindo a busca por inovações.
Mas onde entra o sandbox nesse cenário?
Ele serve para estabelecer um espaço livre de resistências organizacionais para que a inovação ocorra de forma aberta. Um sandbox para a inovação empresarial é um ambiente físico e/ou digital onde diversos stakeholders podem se reunir de forma autônoma e sem hierarquias para desenvolver soluções a desafios reais. Seu propósito é permitir que parceiros da empresa tais como startups, pesquisadores, fornecedores, institutos de ciência e tecnologia, universidades, e até mesmo os seus próprios funcionários, possam trabalhar coletivamente para solucionar problemas, identificar oportunidades de melhoria, desenvolver novos produtos ou serviços, etc. sem quaisquer barreiras.
Mas como viabilizar esse tipo de sandbox?
Inicialmente, a empresa precisa criar esse espaço fora da sua estrutura formal, com local, equipe e orçamento definidos. Também precisa criar canais de integração do sandbox com a empresa, seja para comunicar desafios de inovação já identificados, ou para permitir diálogos para identificar novos desafios. Essa integração deve também considerar o envolvimento de lideranças da empresa que tenham vontade de absorver as práticas e a cultura da inovação, que não podem ser alienados desse tipo de iniciativa.
Outra questão importante para que um sandbox empresarial traga resultados, é estabelecer funções ou dinâmicas para que haja uma orquestração entre os atores envolvidos, com foco. Também é necessário desenvolver sistemas de trabalho para a seleção, apoio e acompanhamento das melhores ideias, com potencial de se tornarem soluções inovadoras a serem efetivamente levadas para a empresa mantenedora.
Criar concursos, prêmios, investimentos, entre outros mecanismos de recompensa aos empreendedores que estão participando das iniciativas do sandbox empresarial também podem ser boas práticas. Isso pode permitir maior dedicação dos maiores talentos, que precisam ter algum tipo de incentivo para que coloquem seu tempo e suas competências a serviço dos desafios da empresa.
Alguns podem achar que incubadoras ou aceleradoras de startups patrocinadas por empresas são exemplos de sandbox empresarial. Essas iniciativas cumprem apenas parte daquilo que um sandbox se propõe, então não se encaixam totalmente no conceito. Mas isso não significa que um sandbox empresarial não possa conter iniciativas que ajudem a organizar o processo de inovação.
Nesse sentido, hackathons ou outras dinâmicas de grupo podem ser promovidas para criar ideias de projetos que, posteriormente, podem passar por processo de pré-incubação, como o Cocreation Lab. Startups que já operam no mercado e que queiram validar suas inovações como respostas a desafios da empresa podem participar de programas de inovação aberta, como o Link Lab. Todas essas iniciativas podem estar contidas dentro de um sandbox empresarial.
A gestão do conhecimento também é fundamental para que esse tipo de sandbox cumpra seu propósito. Deve haver um registro estruturado e compartilhado de tudo o que acontece no sandbox, de forma a permitir um aprendizado constante, pautado nos erros e acertos realizados.
Por fim, a empresa deve estabelecer uma forma de tomada de decisão sobre as inovações bem-sucedidas que foram originadas no sandbox, caso contrário o risco de não aproveitar os investimentos realizados é grande. Inovações de caráter interno, para resolver processos ou demandas que serão restritas apenas à empresa, precisam ter um fluxo de acolhimento e incorporação, realizando as mudanças necessárias nas estruturas e processos.
Já aquelas inovações que podem representar novos negócios, podem ser incorporadas à empresa de diferentes maneiras. Podem se tornar novas divisões de negócios dentro da própria empresa, ou podem fazer parte do grupo empresarial na forma de uma nova empresa. As formas podem ser as mais diversas, mas o importante é criar uma de fazer com que as inovações sejam efetivamente incorporadas, proporcionando não apenas o retorno dos investimentos, mas principalmente um senso de propósito e de realização para todos os envolvidos.
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