Por meio da tecnologia, a Portabilis, de Içara, quer mudar a gestão escolar pública no Brasil

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Por meio da tecnologia, a Portabilis, de Içara, quer mudar a gestão escolar pública no Brasil

Startup do sul de SC conta com apoio da Fundação Lemann para ajudar a desenvolver um software livre que vem qualificando a educação na rede pública do país

Startup do sul de SC conta com apoio da Fundação Lemann para ajudar a desenvolver um software livre que vem qualificando a educação na rede pública do país

Quando se fala na necessidade de qualificar a educação no Brasil, um ponto que acaba sendo negligenciado nos debates e discursos é o potencial da tecnologia para auxiliar professores e gestores de escolas públicas em serviços básicos – seja na gestão das matrículas e documentações, no diário de classe, no compartilhamento de informações com pais e alunos e até mesmo na administração do estoque de merendas e materiais.

Desde 2008, há um software livre e público, o i-Educar, disponível para que secretários de Educação, professores e profissionais da área possam utilizar uma ferramenta que gere informações e estatísticas em tempo real, com um banco de dados centralizado e de fácil acesso. O desafio, porém, é auxiliar e capacitar a comunidade escolar a fazer o melhor uso das tecnologias disponíveis.

Este foi o cenário que levou à criação, no final da década passada, de uma empresa de tecnologia no sul de Santa Catarina com foco em colaborar com o desenvolvimento do i-Educar, levar capacitação às redes públicas de ensino e transformar a realidade do sistema educacional brasileiro com relação ao uso de dados – e, consequentemente, identificar e resolver problemas de aprendizagem na sala de aula.

A ideia que gerou a Portabilis começou quando Tiago de Faveri Giusti, ex-funcionário de uma grande empresa de tecnologia de Criciúma, começou a colaborar com a comunidade de desenvolvedores do i-Educar e percebeu que poderia utilizá-lo para qualificar a gestão escolar em municípios próximos. “Algumas cidades da região carbonífera e do extremo sul usavam um software emprestado do Centro de Informática e Automação do Estado, o CIASC, mas cada escola tinha uma base isolada, era muito difícil obter dados e indicadores”, explica Tiago. Era 2009 e ele começou a se aprofundar neste problema. Em Brasília, participou da primeira edição do Encontro Nacional de Tecnologia para Municípios, onde se conectou com pessoas de todo o país. “Foi o meu primeiro passo. Levantei a mão e me propus a ajudar a documentar as fases de desenvolvimento do software e testar. Só não sabia ainda como transformar aquilo em uma ideia de negócio”.

Ricardo e Tiago, os sócios fundadores: “queremos ser um player âncora para tornar o i-Educar no maior software livre do Brasil”. Foto: Divulgação/Portabilis

Como o software é livre e não possui custos com aquisições de licenças, o modelo seria o de monetizar a empresa com serviços de consultoria e capacitação. Um ex-colega de empresa, Ricardo Bortolotto Dagostim, entrou como sócio e os primeiros clientes surgiram a partir do final de 2010: as prefeituras de Içara, Araranguá e Laguna foram algumas a utilizar o i-Educar com o suporte da Portabilis. Não que o começo tenha sido fácil, pelo contrário: “a barreira de entrada no setor público, para uma empresa pequena, é muito grande”, lembra Tiago.

Nesse meio tempo, ele foi para o outro lado do balcão: durante um ano e meio, assumiu a Secretaria de Administração e Finanças no pequeno município de São João do Sul, no extremo sul catarinense, onde lidou com a gestão da equipe do paço municipal, finanças públicas e rotina de contratos públicos: “foi um aprendizado fundamental que depois usei quando voltei à minha empresa”.

Até 2013, a Portabilis, sediada em Içara (cidade vizinha à Criciúma), era formada pelos sócios Tiago e Ricardo, mais um programador, um profissional de suporte e um vendedor. O caminho para expandir a solução foi criar um canal com a comunidade que ajudava a manter o software livre, além da rede de gestores escolares. Os negócios começaram a crescer de fato a partir de 2014, quando a empresa passou a dobrar de tamanho a cada ano. Hoje a Portabilis conta com 20 colaboradores na sede, além de uma rede de apoio que atua à distância, que atende 80 prefeituras do país – metade em Santa Catarina e outras em estados como Mato Grosso, Pará, Rio Grande do Norte, Piauí, Alagoas e Rondônia – e impacta diretamente cerca de 300 mil alunos. Em 2017, o faturamento foi de R$ 1,8 milhão e a expectativa é fechar o ano com R$ 2,8 milhões.

“Nosso principal ponto de contato é a comunidade, que envolve desenvolvedores e profissionais, gestores da educação nos municípios, além da coordenação pedagógica e os secretários das escolas”, explica.

A experiência nos municípios levou à criação de uma solução própria com foco em assistência social – um serviço diretamente ligado à qualidade da educação. A tecnologia desenvolvida pela Portabilis permite que equipes municipais de vigilância socioassistencial façam um diagnóstico territorial por meio de mapas interativos do Google – assim é possível ver a localização exata de cada domicílio, mapeando áreas de vulnerabilidade e risco social nos territórios.A prefeitura de Schroeder, no norte catarinense, utiliza o sistema há três anos e, com ele, agiliza os atendimentos às famílias e gera informações socioassistenciais que dão suporte ao trabalho integrado entre as políticas de assistência social e educação. São 15 cidades que utilizam a solução de assistência social, que já representa 25% da receita da empresa.

O desafio de levar tecnologia para educação no Brasil, está só no começo, opina Tiago: “a maioria das escolas públicas não conseguem fazer o básico. No Nordeste, 90% dos municípios não usam software de gestão escolar. O cálculo da nota e a frequência escolar, por exemplo, é feita no papel. Como então um coordenador pedagógico vai cuidar da aprendizagem dos alunos? Queremos ajudar os municípios na primeira etapa, que é a informatização das redes de ensino – depois é que vem a questão pedagógica e a aprendizagem, amparada pelos dados” resume.

Sede da Portabilis, em Içara: 80 prefeituras atendidas no país e perspectiva de faturar R$ 2,8 milhões em 2018. / Foto: Divulgação

Como a Fundação Lemann entrou no jogo

No ano passado, a Fundação Lemann – organização sem fins lucrativos criada em 2002 por Jorge Paulo Lemann, empresário mais bem-sucedido do país – entrou em contato com o fundador da Portabilis e fez uma pergunta direta: “o que vocês precisam para que a gente ajude potencializar a missão de vocês?”. A resposta veio certeira: “com recursos e apoio de mão de obra”.

Tiago recorda: “temos os mesmos objetivos em comum, empreendedorismo social para qualificar a educação brasileira. Nossos valores são integridade e honestidade – não queremos atalhos. A Fundação Lemann percebeu isso, eles já tinham nos stalkeado e conheciam nossa interação com a comunidade de gestores escolares e desenvolvedores do software livre”. Até dezembro, a ONG vai ajudar a Portabilis com equipe e recursos para desenvolver novas funcionalidades do software público i-Educar, principal porta para a informatização da gestão escolar pública no país.

Entre as metas de desenvolvimento estão o aprimoramento do Diário do Professor (para planejamento de aulas, registro dos conteúdos), além de uma aplicação para registro offline de frequências e outras informações relevantes. O primeiro lançamento na comunidade está previsto para o mês de maio. “O resultado que a Fundação quer, por meio do nosso trabalho”, comenta Tiago, “é que as redes públicas tenham mais autonomia na adoção e  uso da ferramenta”.

Mas há outros obstáculos que talvez nem o apoio de ONGs consigam resolver: a falta de infraestrutura de rede e conectividade nas redes de ensino e também aspectos legais na administração pública. “O poder público ainda não aufere a qualidade do serviço, e isso é perigoso. Concorremos com grandes empresas, mais conhecidas, que oferecem serviços de custo alto e que não necessariamente são as melhores opções para a administração pública. A lei de licitações está ultrapassada e precisa evoluir”, opina.

Por outro lado, há concorrentes que se tornaram parceiros da empresa. “Formamos parcerias com outros prestadores de serviço. Eles participam das licitações e nós damos suporte e auxílio. Como lidamos com um software livre, sabemos que teremos cada vez mais concorrentes, por isso trabalhamos com eles como canais de vendas e todos podem fazer mais juntos. Nós encorajamos também a geração de arranjos produtivos locais, com pequenas empresas que se tornam prestadores e contribuem com o ecossistema de produção e consumo de software livre.  O que queremos é nos tornar um player âncora desse objetivo que é tornar o i-Educar o maior software livre de gestão escolar do Brasil e que isso impacte na qualidade da educação no país”, resume Tiago.