O estado respira inovação e empreendedorismo no cotidiano de seus negócios, colhendo frutos com grandes companhias de base tecnológica emergindo na região.
[12.01.2020]
Por Thiago Lobão*
Para os próprios catarinenses, tende a soar como óbvio o relato sobre o crescimento exponencial e potencial disruptivo da região. São inúmeros os sinais que evidenciam a transformação local: um volume cada vez mais considerável de startups com reconhecimento nacional/internacional, novas edificações destinadas às empresas de tecnologia, um volume enorme de trabalhadores, de outras localidades, vindo à Santa Catarina para empreender e/ou atuar no desenvolvimento de tecnologia.
No entanto, fui surpreendido por uma pergunta curiosa em uma das minhas primeiras conversas com um dos líderes no ecossistema: como evitar que o desenvolvimento do ecossistema não se revele como um pequeno Bonsai? Como evitar que sejamos uma réplica de um ecossistema maduro como o Vale do Silício, mas com extremas limitações de crescimento e impacto a longo prazo?
De fato, em muitas conversas realizadas desde minha chegada definitiva a Florianópolis, destaca-se a preocupação com a perpetuidade e escala do ecossistema, para além do boom de comunicação, a nível nacional, ocasionado pela expansão de algumas scale ups catarinenses de referência ao longo dos últimos 10 anos. A visão comum é de que ainda falta muito a ser desenvolvido, diante de problemas de infraestrutura, da necessidade de maior fluidez com o mercado de capitais, da expectativa de aumento da demanda pela formação técnica de profissionais, do desafio de maior integração entre os mecanismos locais de investimento, entre outras tantas dores de crescimento apontadas.
Para mim, após estudar o histórico de alguns ecossistemas de inovação ao redor do mundo e, recentemente, viver na prática o desafio de participar do início da construção de um outro ecossistema de inovação com objetivo de posicionamento global — Agtech Valley, focado em tecnologias agropecuárias, em Piracicaba/SP — perceber as demandas catarinenses foi um sinal de alívio. São demandas típicas de ecossistemas mais parrudos, com múltiplos programas existentes e muito dinamismo.
De fato, em Santa Catarina, estamos sim tratando de aperfeiçoamentos de um sistema virtuoso de desenvolvimento orientado por inovação. Sem modéstia, um exemplo a ser seguido na América Latina, construído gradativamente, desde os anos 1980, de forma orgânica, a partir da criação de iniciativas pró-inovação, que hoje complementam-se em uma via direta de conexão entre desenvolvimento científico e de mercado.
A preocupação comum é, em resumo, garantir o potencial de escala do ecossistema, não apenas no volume de inovações em si, mas sim no alcance de seus negócios para mais longe das atuais fronteiras de desenvolvimento. Na prática, a Catarina Capital, iniciativa que hoje coordeno, decorre dessa visão de construção de um próximo passo no ecossistema, direcionado à construção de um mercado de capitais local, que seja ponte com investidores em centros econômicos mais maduros. Uma gestora de investimentos, de toda maneira, se trata apenas de uma das ações estratégicas sugeridas para o fortalecimento de Santa Catarina. É necessária uma grande articulação conjunta, dos mais diversos stakeholders locais, para alinhamento de horizontes e de incentivos que permitam um trabalho coordenado, com prumo para um posicionamento global.
Neste sentido, uma questão fica ainda mais evidente: como pautar os principais desafios que exigirão a articulação conjunta dos atores do ecossistema?
A seguir, tomo a liberdade (senão audácia para um recém-chegado) de propor uma baliza para discussão de todos, no desejo de colher críticas e incitar aperfeiçoamentos em conjunto. Sigo o cruzamento de duas literaturas de referência sobre o estudo da formação do Vale do Silício, Rao (2011) e Miller, Hancock & Rowen (2000), autores que curiosamente já denotam a dualidade positiva entre Stanford e Berkeley como catalisadores essenciais do antigo Santa Clara Valley.
Tive a oportunidade de estudar os autores e suas referências em detalhe ainda à minha época de agronegócio, na elaboração da monografia de meu MBA, quando compus o quadro abaixo, resultado da união dos elementos-chave destacados pelos autores como fatores imprescindíveis não somente para o desenvolvimento, mas sim para o protagonismo, de ecossistemas de inovação e empreendedorismo em escala global.
Dez elementos chave para o desenvolvimento de ecossistemas:
- Forte engajamento governamental na formação do ecossistema, com apoio em investimentos e regulamentação;
- Intensidade de produção de conhecimento de alta densidade técnica, conectado diretamente a profissionais orientados a negócios;
- Mão-de-obra profissional de alta qualidade, com forte capacitação técnica, diversidade étnica, cultural e grande atratividade para imigrantes;
- Alta valorização da meritocracia, com valorização de profissionais por meio de instrumentos consistentes de retenção de talentos como opções de ações;
- Cultura de negócios com assimilação natural do fracasso, forte inclinação ao aprendizado constante e valorização da aceitação de risco de desenvolvimento de negócios;
- Alto nível de colaboração entre negócios e profissionais, com estímulo a formação de parcerias para conquista conjunta de mercados e visão da competitividade como estímulo mútuo ao desenvolvimento;
- Composição de universidades públicas e privadas de excelência e com abrangência de formação, porém alto nível de especialização em cursos com intuito global de global de posicionamento;
- Forte colaboração a negócios de impacto social e ambiental, com apoio institucional-financeiro sólido de grupos privados, governo e ONGs;
- Qualidade de vida reconhecidamente diferenciada, com clima agradável, estrutura diversificada de serviços, vida cultural ativa e grande aceitação social;
- Presença física de negócios especializados ao empreendedorismo, como gestores de Capital Empreendedor (Venture Capital), escritórios jurídicos, contábeis, recrutadores, consultores e demais prestadores de serviço focados em negócios focados em crescimento.
Nosso estigma vira-lata tupiniquim pode até tentar nos repreender, mas definitivamente Santa Catarina não está nem um pouco longe do caminho global.
* Thiago Lobão é fundador e CEO do Catarina Capital. Artigo originalmente publicado no Medium.
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