O peixe grande que fez a cidade descobrir seu ‘silencioso’ e bilionário ecossistema de inovação

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O peixe grande que fez a cidade descobrir seu ‘silencioso’ e bilionário ecossistema de inovação

A notícia econômica do início do ano em Santa Catarina foi o anúncio da transferência do Peixe Urbano, considerada a maior empresa de e-commerce local do Brasil, para Florianópolis. Sem alarde, mas com muito trabalho de bastidores entre a empresa e a prefeitura da Capital, o Peixe Urbano instalou provisoriamente uma equipe para trabalhar no Centro de Inovação ACATE Primavera e alguns dos seus executivos já estavam com a chave das novas residências na cidade antes mesmo de fazerem o anúncio oficial, na quinta-feira passada (02.02).  

Mas a agitação e o burburinho na Ilha era grande desde a terça-feira (31), quando a Exame.com publicou a notícia em primeira mão. Não era pouca coisa: uma empresa com faturamento estimado em quase R$ 1 bilhão, com mais de 27 milhões de usuários cadastrados, que ganhou fama com a bolha das compras coletivas e que, depois do estouro, precisou reinventar o modelo de negócios. Comprada pelo Baidu em 2014, tornou-se estratégica nos planos da gigante chinesa para se consolidar no comércio eletrônico do Brasil.

O lado irônico é que o Peixe Urbano descobriu Florianópolis antes de muitos moradores da cidade, considerada desde 2014 pela Endeavor como umas das melhores brasileiras para empreender, com um pulsante polo tecnológico que emprega mais de 17 mil pessoas e cujas empresas faturam cerca de R$ 4,5 bilhões/ano. E, xeque-mate, tem uma alíquota de ISS (2,4%) consideravelmente menor do que outras capitais, como São Paulo.

Quando acompanhei o correspondente da Economist no Brasil, Jan Piotrowski, em algumas entrevistas a empresas de tecnologia da cidade, percebi que ele demorou a entender como um setor que ele estava ainda era desconhecido por significativa parte da população. “The lively technology sector is largely home-grown. Florianópolis is one of Brazil’s main start-up hubs“, escreveu Jan na reportagem publicada em novembro na mais influente revista de economia do planeta.

O setor cresceu ao longo das três últimas décadas em função de empreendedores locais, sem a presença de âncoras multinacionais (Microsoft, Oracle, IBM etc.) E isso explica parte do desconhecimento dos florianopolitanos – manezinhos ou haoles (não-nativos) – pelas pratas da casa. Quase toda a tecnologia produzida na região é de soluções corporativas (B2B), vendidas para pequenas, médias e grandes empresas de todo o Brasil (especialmente São Paulo) e, em menor escala, para a América Latina, Estados Unidos e Europa.

Muitas inovações desenvolvidas por mão de obra altamente especializada em Florianópolis vão parar nos laptops e smartphones de executivos, empreendedores e profissionais de áreas das mais distintas (saúde, construção civil, energia elétrica, agronegócios, indústria metal-mecânica, governos e tribunais de justiça, marketing e vendas), não do consumidor final. Diferente, portanto, do serviço que tornou o Peixe Urbano tão conhecido no país.

A chegada de uma grande empresa de tecnologia que tem uma pegada mais business-to-consumer (B2C) pode sim provocar mudanças no perfil fortemente B2B da tecnologia desenvolvida em Florianópolis, aponta Marcelo Amorim, investidor-anjo e sócio da gestora de venture capital BZPlan. A cidade torna-se assim mais atrativa para outras empresas com este modelo.

Quando se fala em “capital da inovação”, muita gente virava o nariz, se questionando porque nesse eldorado da tecnologia nem os semáforos da Beira-mar Norte eram sincronizados.

Há alguns anos, uma das pautas mais comuns na imprensa local era sobre “o polo de desenvolvimento de games” de Florianópolis, embora esse mercado não era, de longe, o que mais gerava empregos na cidade. Era o que muita gente acreditava ser o tal setor tecnológico. Ainda hoje alguns jornalistas pedem para conhecer soluções locais que “podem ser compreendidas pelos leitores” para exemplificar matérias. Sugerir um software líder de mercado na América Latina não ajudaria.

O ‘silencioso’ porém bilionário setor de tecnologia da capital catarinense ganha um peixe grande que, mesmo representando o maior faturamento da cidade, ainda não será a maior empregadora – a Softplan tem aproximadamente mil colaboradores e a Resultados Digitais, fundada em 2011, deve ultrapassar o número de 400 funcionários em breve. Sem contar inúmeras startups promissoras que vem dobrando de tamanho a cada ano. Ou seja, todos estes dados sobre empregos e faturamento do setor devem, logo logo, estar desatualizados. Mesmo que os semáforos da principal avenida da cidade ainda continuem um tanto caóticos.

* Artigo originalmente publicado no LinkedIn Pulse pelo jornalista e editor do SC Inova, Fabrício Umpierres Rodrigues, em fevereiro de 2017.