O papel da inovação aberta no setor aeroespacial

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O papel da inovação aberta no setor aeroespacial

O desenvolvimento de projetos inovadores passou a envolver atores externos, universidades, institutos de pesquisa ou empresas privadas.

Após a Guerra Fria, o desenvolvimento de projetos inovadores sempre partiu do pressuposto de envolver atores externos, sejam universidades, institutos de pesquisa, ou empresas privadas. / Foto: Virgin Orbit/Divulgação


[03.08.2021]


Por Marcus Rocha, CEO do 2Grow Habitat de Inovação.
Escreve quinzenalmente sobre ambientes e ecossistemas de inovação no SC Inova.

Nos últimos meses, e especialmente nos últimos dias, muito se tem falado sobre três empresas privadas que foram criadas para o desenvolvimento de soluções para o mercado aeroespacial: SpaceX, Virgin Orbit e Blue Origin. A primeira foi fundada pelo multi empreendedor Elon Musk, que em recente entrevista a Peter Diamandis[1], deu a entender que tomou a decisão de ir em frente com o empreendimento durante uma visita a Florianópolis, no ano 2000.

As outras duas se destacaram nos últimos dias porque seus respectivos fundadores, Richard Branson e Jeff Bezos, também multi empreendedores, inauguraram pessoalmente o novíssimo serviço de turismo espacial, misturando seus desejos pessoais de ir até a fronteira da atmosfera terrestre com o espaço, junto com jogadas de marketing que, ao mesmo tempo, utilizam suas imagens pessoais para maximizar o impacto da comunicação e demonstram segurança para os potenciais milionários clientes.

Voltando no tempo algumas décadas atrás, percebe-se que uma mudança significativa aconteceu no setor aeroespacial, antes dominado por agências governamentais – sendo a NASA dos EUA e a RKA da Rússia as mais conhecidas – e que agora conta com empresas privadas de destaque. No entanto, não apenas o fim da Guerra Fria colaborou com a entrada das empresas nos negócios espaciais. Provavelmente, a forma de colaboração com a iniciativa privada adotada pelas agências espaciais ocidentais é um motivo importante para isso.

De fato, a NASA é o principal referencial quando se fala em inovação espacial, seja pela publicidade, pela documentação disponível, ou pelos grandes feitos alcançados. Outras agências também alcançaram grandes realizações, mas sem dúvida quem melhor documentou e divulgou  seu trabalho foi a agência norte americana – até porque entender e traduzir documentos escritos em russo ou japonês é um tanto mais complicado para nós aqui na América. Percebe-se na forma de trabalho da NASA, desde o início, que o desenvolvimento dos projetos – sempre inovadores – sempre partiu do pressuposto de envolver atores externos, sejam universidades, institutos de pesquisa, ou empresas privadas.

Ou seja, décadas antes da criação do termo “inovação aberta”, percebe-se a adoção de estratégias de desenvolvimento de inovações pautadas em parcerias, mesmo que inicialmente todos os parceiros fossem tratados como fornecedores de produtos ou serviços sob encomenda para a NASA.

A partir da última década foi natural para a NASA adotar práticas de inovação aberta, lançando periodicamente desafios a partir de uma abordagem orientada a problemas, visando obter soluções ou estimular inovações vindas de um público amplo, ao invés de considerar apenas grupos ou organizações específicas. As inovações são estimuladas por dois mecanismos: prize competition (competição por prêmio), que considera a remuneração pelos resultados obtidos pelas inovações criadas, visando a criação de novos produtos ou empresas; e crowdsourcing, que busca o desenvolvimento coletivo de produtos, serviços, ideias ou conteúdos, e pode resultar na distribuição de prêmios às melhores contribuições.

Projetos como o turismo espacial da Blue Origin, de Jeff Bezos, tiveram desenvolvimento com apoio de instituições como o Palo Alto Research Center (PARC), da Xerox.

Quando as inovações desenvolvidas pelos parceiros das agências espaciais se tornam maduras, naturalmente as parcerias evoluem também. Exemplo disso é a contratação da SpaceX pela própria NASA para a realização de diversos lançamentos de satélites e de envio/retorno de cargas e tripulações de/para a estação espacial internacional.

Atualmente a NASA possui os seguintes desafios de inovação ativos[2]: Centennial Challenge Program [3]; Innovation Pavilion [4], Tournament Lab[5] e NASA@work [6], administrados pelo Centro de Excelência para Inovação Colaborativa da agência, uma comunidade de práticas inovadoras;  International Space Apps Challenge[7]; Student Challenges[8]; Citizen Science[9]Asteroid Grand Challenge[10], para encontrar todos os asteroides que representam ameaça à vida humana e saber o que fazer com eles. De acordo com o relatório apresentado em 2020 [11], esses programas geraram mais de 11 milhões de dólares em investimentos, promovendo inovações em temas como habitações 3D, satélites, conversão de CO2, robótica, e tecidos humanos vascularizados.

Uma das preocupações da NASA nos seus programas de inovação aberta foi não alienar os seus próprios colaboradores, que demonstraram um certo receio em perder sua identidade e protagonismo no desenvolvimento de inovações, algo comum em todas as organizações que trabalham nesse sentido. Assim, o Nasa@work é bastante interessante, pois aplica as práticas de inovação aberta para os próprios funcionários, contando com mais de 15 mil pessoas colaborando em soluções dos desafios lá propostos[12].

Olhando para o passado e o presente das agências espaciais, nota-se que elas criaram um ambiente bastante propício para que os antigos fornecedores naturalmente se tornassem mais protagonistas. No passado era comum a divisão estratégica de partes dos projetos junto a parceiros diferentes, pela qual só a contratante detinha o conhecimento total dos projetos – as viagens espaciais, no caso. Essa prática aberta certamente proporcionou o desenvolvimento, nos ecossistemas de inovação aeroespacial, de todas as competências necessárias para que o mercado privado pudesse criar suas próprias soluções completas.

E a inovação aberta hoje vai muito além das agências espaciais públicas. As empresas privadas aeroespaciais que nasceram nesse ambiente ecossistêmico, naturalmente também buscam desenvolver suas atividades de forma aberta. Como exemplos práticos há a parceria entre a Blue Origin e o famoso PARC (Palo Alto Research Center) da Xerox, para explorar tecnologias avançadas e lançar projetos de pesquisa espacial suborbitais[13]; e a Virgin Orbit trabalha com a empresa israelense ImageSat International (ISI) para desenvolver uma solução conjunta para o rápido lançamento de nanossatélites capazes de produzir imagens em alta resolução para autoridades nacionais de segurança[14].

Também se percebe o avanço de incubadoras e aceleradoras focadas no mercado aeroespacial, sendo que essas últimas tipicamente realizam a integração entre empresas estabelecidas, diretamente ou via fundos de capital de risco, com startups desse mercado. Das aceleradoras, destaque para a Techstars Starburst Space Accelerator [15] (Los Angeles, EUA), Airbus Biz-Lab[16] (França), Space2ac [17](Polônia), e Seraphim Space Camp [18] (Londres, Reino Unido).

Percebe-se, portanto, que o setor aeroespacial deve evoluir muito mundo afora. Projeções da Morgan Stanley[19] indicam que esse mercado deve representar mais de US$  1 trilhão em 2040, com os produtos e serviços relacionados aos satélites representando mais da metade desse montante. Ou seja, se hoje já é bastante atraente e que tem chamado a atenção, no futuro deve ser ainda mais promissor, atraindo cada vez mais investimentos e provocando o desenvolvimento de iniciativas, negócios e ecossistemas de inovação voltados para esse setor que, para muitos, é fascinante.

REFERÊNCIAS:

[1] Vide os primeiros 3 minutos do vídeo no link https://www.youtube.com/watch?v=BN88HPUm6j0

[2] https://www.nasa.gov/offices/oct/openinnovation/aboutus

[3] http://www.nasa.gov/challenges

[4] https://www.innocentive.com/pavilion/NASA

[5] http://community.topcoder.com/ntl/

[6] https://nasa.innocentive.com/

[7] https://www.spaceappschallenge.org/

[8] https://www.futureengineers.org/nasatechrise

[9] https://science.nasa.gov/citizenscience

[10] http://www.nasa.gov/offices/oct/openinnovation/asteroidgrandchallenge

[11]https://www.nasa.gov/sites/default/files/atoms/files/2019_nasa_open_innovation_report_final.pdf

[12] HEWLIN, Todd; SNYDER, Scott A. Goliath’s Revenge: How Established Companies Turn the Tables on Digital Disruptors. John Wiley & Sons, 2019.

[13] https://www.news.xerox.com/news/PARC-to-partner-with-Blue-Origin-to-accelerate-space-research-and-development

[14] https://virginorbit.com/the-latest/virgin-orbit-isi-partner-to-develop-joint-responsive-space-service/

[15] https://www.techstars.com/accelerators/space

[16] http://www.airbus-bizlab.com/

[17] https://www.space3.ac/

[18] https://seraphim.vc/accelerator/

[19] https://www.morganstanley.com/ideas/investing-in-space

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