Falta de profissionais qualificados é o principal entrave para o crescimento do setor de TI no estado. Mas ações conjuntas envolvendo setor público, mercado e academia começam a criar uma “jornada de formação” para milhares de estudantes e profissionais de outras áreas entrarem na tecnologia.
[FLORIANÓPOLIS, 26.11.2020]
Redação SC Inova, scinova@scinova.com.br
O mercado de trabalho vive um momento de forte contraste no país. Enquanto há uma população de 13,1 milhões de pessoas (ou 13,8% da população ativa, segundo o IBGE) sem um emprego formal no Brasil, resultado de recentes crises financeiras e agravada pelo impacto da pandemia em 2020, o mercado de tecnologia e negócios digitais ressente a falta de milhares de profissionais qualificados para preencher vagas de trabalho abertas – e não apenas na área de programação e desenvolvimento de sistemas.
Ainda que não exista um número exato de quantos empregos estão “disponíveis” neste segmento, a Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia (Brasscom) estima que até 2024 as companhias vão demandar em torno de 240 mil trabalhadores. Mas dada a velocidade da transformação digital, impulsionada pela Covid-19, este número pode ser ainda maior.
Em Santa Catarina, o “gargalo de mão de obra” é considerado o principal entrave para o desenvolvimento do mercado de tecnologia. E não é um problema recente.
Há cerca de uma década, a Associação Catarinense de Tecnologia (Acate) fez um mapeamento de vagas abertas no estado que identificava também quais as principais áreas e carreiras que precisavam de novos profissionais. O projeto resultou no Geração Tec, uma iniciativa que envolveu setor público (governo do Estado, prefeituras) e entidades como Senai e Senac, entre outras, e ajudou a formar mais de 4 mil pessoas em Santa Catarina.
Mas a demanda no setor de TI agora é muito mais crítica do que à época, lembra o empresário Moacir Marafon, que lidera a recém-criada Vice-Presidência de Talentos da Acate. Um dos fundadores da Softplan, ele lembra que não apenas as empresas da chamada “primeira geração” do setor de TI cresceram muito nos últimos anos como também surgiram startups e scale-ups que demandam um número expressivo e qualificado de profissionais.
“Desta vez, pensamos diferente: não queremos dar cursos, mas criar projetos estruturantes, que tenham uma jornada de formação, com diagnóstico e participação de diversas entidades, Secretarias de Educação e Desenvolvimento Econômico, Senai, Senac, faculdades públicas e privadas, além do setor de tecnologia demandante destes profissionais”, comenta Marafon, que era vice-presidente da Acate na época da construção do projeto Geração Tec.
Em 10 anos, a Softplan triplicou o volume de funcionários: eram 653 em 2010 e hoje são aproximadamente 1,9 mil colaboradores. E há outras 53 vagas abertas, das quais 33 são para a área de tecnologia.
Este déficit crônico – e que tende a aumentar, em função do avanço das ferramentas digitais – motivou a empresa a criar um programa inédito para formação de talentos em parceria com o Senai/SC e a Acate. O DEVinHouse (numa tradução livre, “desenvolvedores formados em casa”) pretende, ao longo de nove meses, formar profissionais para a área de programação. Pelo menos 10 alunos devem ser contratados pela Softplan após os primeiros seis meses do curso.
“É uma iniciativa inédita porque se trata efetivamente de um modelo dual: a matriz curricular é feita no ambiente de trabalho, com supervisão conjunta entre a empresa e o Senai. Ou seja, é construída sob duas demandas, um ensino profissionalizante que se aplica imediatamente a uma grande corporação, como a Softplan, ou para um grupo de empresas, por exemplo”, detalha Fabrizio Pereira, diretor de Educação e Tecnologia do Senai/SC.
As aulas do DevInHouse começaram no dia 16 de novembro e o modelo de parceria já chamou a atenção de empresas em várias cidades do estado, como Tubarão, Blumenau, Joinville, Itajaí e Chapecó, conta o diretor.
“Temos uma pretensão de formar até 25 mil novos profissionais até 2024. A escala pode ser baixa, dada à demanda, mas há uma série de programas paralelos, envolvendo o ensino médio, por exemplo”, afirma Fabrizio. O Senai desenvolve há 20 anos um modelo de ensino profissionalizante em tecnologia, no contraturno escolar, por onde já passaram 15 mil alunos. “Com estes projetos, Florianópolis pode se consolidar como um polo formador de desenvolvedores no país”, conclui.
O projeto deve ganhar capilaridade em 2021, garante Iomani Engelmann, presidente da Acate: “a partir do próximo ano pretendemos expandir esta experiência, conectando as instituições formadoras com as empresas do setor de TI interessadas no desenvolvimento e contratação de novos profissionais”.
EM BLUMENAU, PROGRAMA DE FORMAÇÃO FOI DECISIVO PARA ATRAÇÃO DE GRANDES EMPRESAS
A cidade de Blumenau, no Vale do Itajaí, já tem um histórico de 50 anos no desenvolvimento das primeiras empresas de base tecnológica do estado. Polo pioneiro no setor em Santa Catarina, também foi onde surgiram as primeiras iniciativas de formação especializada para o mercado.
“No início dos anos 2000, percebemos que as empresas de tecnologia de Blumenau estavam se digladiando em função da mão de obra escassa. Era um ciclo vicioso, que além de causar essa disputa tornavam os profissionais locais caros, prejudicava o equilíbrio financeiro e os produtos”, lembra Sergio Tomio, diretor da Proway, empresa de treinamento para o setor de TI. Ele foi um dos formuladores do Entra21, programa sem custos aos alunos que hoje é referência nacional em capacitação e já formou mais de 4,7 mil jovens (cerca de 300 por ano) e adultos entre 16 e 29 anos. A iniciativa é voltada a moradores de Blumenau e região, e atende também pessoas com deficiência, imigrantes e até mesmo quem está acima da faixa etária, mas que busca um reposicionamento no mercado de TI.
O Entra21 virou realidade em Blumenau há 15 anos – e tem sido apoiado constantemente pelas empresas e pelo poder público municipal.
“Era um projeto internacional, que rodava em outros países latinos e tinha recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) com operação da International Youth Foundation. Mas desenhamos algo diferente de todos os demais, 100% focado em formação de tecnologia, com carga horária maior”, lembra Sergio. “E desde então é o único projeto daquela fundação que se manteve, e com sucesso”. O programa, que atualmente custa em torno de R$ 1,7 milhão, é bancado pela Prefeitura de Blumenau, Governo de Santa Catarina e empresas privadas.
A criação do Entra21 foi fundamental para Blumenau fortalecer sua posição como polo formador de profissionais de tecnologia e também atraiu grandes empresas, nacionais e internacionais. “Logo que decidiu instalar unidade aqui, a alemã T Systems contratou 20 funcionários que passaram pelo Entra21. A Philips, que comprou uma empresa local, também ficou em Blumenau, onde tem mais de 1000 funcionários, em função dos programas de empregabilidade. E a Ambev, em oito meses, formou 211 pessoas em sete especializações diferentes”, calcula Sergio, que também esteve à frente de entidades associativas locais, como a Blusoft (que gerencia o Entra21 e hoje é um polo regional da Acate) e o Instituto Gene.
DESAFIO: CRIAR UMA JORNADA DE FORMAÇÃO – E INSERIR QUEM ESTÁ À MARGEM DA ECONOMIA DIGITAL
A crise econômica provocada pela pandemia acelerou também a necessidade de profissionais de outras áreas – que acabaram perdendo seus empregos ou simplesmente decidiram mudar de carreira – migrarem para a tecnologia ou buscarem novas habilidades digitais.
“Há muitas pessoas acima dos 30, 40 anos se descobrindo no setor de TI. Podem não estar capacitados, mas são experientes e isso conta muito”, comenta Felipe Mandawalli, fundador da edutech Mettzer e diretor da Vertical de Educação da ACATE. “Já entrevistei ex-gerente de banco que estava fazendo teste para vaga de desenvolvedor junior/pleno. Tem sido uma oportunidade para renovar a carreira”, lembra.
Dos 7 milhões de estudantes universitários, 2,5 milhões estão matriculados em três cursos clássicos: Administração, Direito e Pedagogia. Mas a demanda mundial hoje é por formação digital. Portanto, as iniciativas de capacitação de mão de obra devem ter dois olhares: atrair jovens do ensino médio, mas também pessoas com mais experiência que não tiveram uma formação na área”, ressalta Felipe.
A Vertical Educação tem atuado como um articulador, mapeando empresas e entidades que já possuem cursos de formação profissional e conectando os pontos. Isso vale tanto para startups que atuam diretamente com educação (como a Trybe, Gama Academy, 49 educação, entre outras) quanto para projetos como o Prototipando a Quebrada, que atua em rede nas periferias, comunidades e favelas da Grande Florianópolis com oficinas de tecnologia (robótica, jogos digitais e animação) para crianças e adolescentes, com foco em despertar nos participantes o interesse em atuar profissionalmente no mercado de tecnologia.
“O que falta para os estudantes das classes média e baixa é a perspectiva do mercado de tecnologia, que ele pode se preparar para isso e ser melhor remunerado do que em outras ocupações, e isso pode mudar a vida da família. É preciso romper a bolha, pois aqui na Grande Florianópolis temos tranquilamente umas 5 mil vagas abertas para desenvolvedores”, opina Felipe, que cita algumas iniciativas neste sentido que já foram organizadas na região, como o Startup Weekend Youth e o projeto Morro do Silício.
CENTROS DE INOVAÇÃO: FUTUROS POLOS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Na visão do setor público, o desafio é criar um modelo de ensino que não apenas estimule os alunos a desenvolverem habilidades para o mundo digital como também formar professores alinhados à realidade do século 21.
“Precisamos trabalhar a cultura digital nos docentes”, avalia Natalino Uggioni, secretário estadual de Educação em Santa Catarina. E uma dessas ações, ele diz, deve partir dos Centros de Inovação regionais que já estão em operação no estado – e também nos que serão inaugurados futuramente.
No ano passado, a Acate e as secretarias de Educação e Desenvolvimento Econômico e Sustentável (SDS) começaram a desenhar um projeto que prevê a identificação das principais demandas de formação profissional em cada região do estado. Ao entender que cursos cada local tem mais necessidade, as secretarias estaduais articulam a realização e a capacitação necessária. O público-alvo são os estudantes da rede pública, mas também outros profissionais egressos dessas escolas que queiram se qualificar para o mercado de tecnologia. A pandemia impediu o início do projeto, que está previsto para começar em 2021.
“Já estamos ensinando empreendedorismo no currículo base dos anos finais no ensino fundamental, além de robótica e TI para o oitavo e o nono ano. E o ensino médio também começa a contemplar tecnologia, programação e cultura digital. A Secretaria de Educação tem uma parceria com o Sebrae na capacitação de professores para o empreendedorismo, além de dar consultoria aos docentes sobre como desenvolver atividades nesse sentido na sala de aula. Apostamos que esse trabalho continuado vá fortalecer o interesse do aluno não só na tecnologia, mas em todo o ambiente escolar“, explica o secretário.
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