Esta confiança no mecanismo de busca está provocando uma grave onda de autodiagnóstico, levando muitas pessoas a critérios errados na medicação e causando transtornos psicológicos.
[21.08.2020]
Por Alexandre Adoglio*
Recente pesquisa elaborada pelo Google mostra que mais de 26% dos brasileiros se “tratam” através do mecanismo de busca. Isto antes da pandemia que está assolando nosso país, impossibilitando milhões de serem assistidos por um médico de verdade, seja pessoalmente ou via telemedicina.
Um número alarmante, que nos coloca na primeira posição mundial na utilização de pesquisa e auto-tratamento de doenças, desde simples casos de resfriado até lúpus e alergia a glúten.
Os fatores que nos trazem a este ponto são os mais diversos, da precariedade do sistema de saúde público à falta de uma educação da prevenção, além de que 70% da população não têm acesso a plano de saúde privado, segundo o SPC/IBOPE, nos tornando um dos maiores mercados mundiais para a indústria farmacêutica.
Aliado a isto temos o fato de que a assertividade da auto busca de saúde pela internet tem eficácia de somente 1/3 dos casos. Mas esta é uma análise superficial desses números, visto que o acesso ao mecanismo de busca depende de dois fatores inquestionáveis: acesso a um hardware (computador ou celular) e conexão a internet.
Somos mais de 140 milhões de brasileiros conectados atualmente, 79% da população segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação (PNAD Contínua TIC) do IBGE, a grande maioria de modo contínuo, em que seus dispositivos coletam de forma ininterrupta dados de geolocalização, navegação e, sem dúvida, de voz. Dados estes que são devidamente armazenados e organizados para que os sistemas de distribuição possam oferecê-los em forma de leilão reverso a quem possa pagar mais.
Destaca-se aí a rapidez e fluidez de acesso à informação sobre um determinado sintoma, aliado à falta de noção do brasileiro médio em relação a busca de fontes confiáveis quando se trata de informações relevantes.
Sim, estão vendendo você. Ao ponto do Facebook confirmar há alguns meses que vem coletando informações de forma aleatória nos aplicativos instalados para vender anúncios. De forma simples, apps como Flo Period, monitoramento de ciclo menstrual, vende informações de suas usuárias ao FB, permitindo que este insira os anúncios nos “períodos” mais suscetíveis à conversão.
Importante também destacar as iniciativas para oferta de conteúdo de qualidade em relação a saúde, como por exemplo a parceria do próprio Google com o Hospital Albert Einstein que elaboraram uma série informações sobre doenças como Mal de Parkinson e Catapora. Porém, na elaboração deste conteúdo digamos, “certificado”, existe sim um direcionamento para tratamentos possíveis, com um avisto ao rodapé: “consulte um médico para receber orientação”.
No âmbito regional, temos cases de empresas que utilizam dados de pacientes de maneira assertiva para elaboração de diagnósticos mais precisos, como é o caso da Microservice de Blumenau, empresa de business intelligence que oferece a seus clientes indicadores de saúde para monitoramento de pacientes. Já a Saga Saúde permite a médicos e pacientes o acesso a históricos de atendimento, visualização de cadastro da saúde, além da contratação de atendimentos via telemedicina e emissão de receitas, atestados e documentos.
No âmbito da pandemia, uma outra iniciativa online auxiliou o poder público a dar maior rapidez para detectar casos de Covid-19. Através do Doktor Live, as pessoas podem realizar uma consulta online com atendimento via IA (inteligência artificial) no Whatsapp, com procedimentos simples para entenderem se há necessidade de consulta ou internação. A plataforma já atendeu mais de 18 mil pessoas em Blumenau.
BRASIL, “EARLY-ADOPTER” DE NOVAS TECNOLOGIAS. PARA O BEM E PARA O MAL.
É inegável a penetração da internet nos hábitos do brasileiro, fator responsável pelo resultado das últimas eleições presidenciais, quando os esforços se deram plenamente na arena das redes sociais, com embates fleumáticos e posicionamento aberto como nunca vimos antes em outras eleições. Esta aderência instantânea nos posiciona como um público early-adopter para o mercado de tecnologia, com todos os benefícios e malefícios disto.
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Uma prova é que esta confiança no mecanismo de busca está provocando uma grave onda de autodiagnóstico, levando muitas pessoas a critérios errados na medicação e causando transtornos psicológicos àqueles que sofrem de enfermidades mas não se consultam com o sistema médico real.
Este é o aspecto mais danoso das “fake news”, tendo como caso mais atualizado a volta de doenças como catapora ao estado de Nova York, EUA em 2019, onde milhares de mães estão se negando a vacinar seus filhos devido à disseminação de informações sobre reações alérgicas ao remédio, que inclusive poderiam causar debilidade mental.
É necessário educar os usuários sobre a profundidade com que as informações são produzidas e também a qualidade que são disponibilizadas.
É de notar os esforços das empresas ligadas ao assunto, como facilidade de denúncia quando suspeita-se de algo, porém somente esta reação não basta para conter o compartilhamento e influência de informações descabidas. Portanto, é necessário educar os usuários sobre a profundidade com que as informações são produzidas e também a qualidade que são disponibilizadas.
Uma boa provocação sempre será adaptarmos os três filtros de Sócrates para qualquer conteúdo:
- Estás completamente seguro de que a informação é verdadeira?
- Se é verdadeira, será boa pra você?
- Por fim, se é boa e verdadeira, a informação será útil pra você?
* ALEXANDRE ADOGLIO é CMO na Sonica e empreendedor digital.
Escreve semanalmente sobre Cultura Digital para o SC Inova.
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