O hype acabou e agora vem o teste de maturidade: não basta contratar uma startup de IA ou adotar um copiloto. Como resume a The Economist: “muitas empresas ainda operam com o encanamento tecnológico da era vitoriana”. / Imagem: ChatGPT/SC Inova.
[06.10.2025]
Por Eduardo Barbosa, CEO da Brognoli Imóveis e um dos responsáveis pelo Conselho Mudando o Jogo (CMJ) em SC e RS. Escreve sobre inteligência artificial no ambiente corporativo na série “Diários de IA”.
Segundo o novo estudo global do The Economist Impact, mais de 85% das empresas já usam IA generativa, e 97% das que faturam acima de US$ 10 bilhões estão experimentando casos de uso internos e externos. Mas o dado mais revelador não está na taxa de adoção — e sim no abismo entre expectativa e prontidão.
Apenas 22% das organizações acreditam que sua arquitetura de dados está pronta para suportar a IA em escala. Em outras palavras: a maioria quer correr com IA… mas ainda pisa em terreno de barro.
A nova corrida não é para quem usa IA, e sim para quem refez seu alicerce de dados, cultura e governança. A metáfora que o relatório usa é perfeita: “muitas empresas ainda operam com o encanamento tecnológico da era vitoriana”.
O VALOR REAL ESTÁ “DEBAIXO DO ICEBERG”
A primeira onda da IA entregou ganhos táticos — produtividade, eficiência e automação. Mas como lembra Senthil Ramani (Accenture), “a verdadeira vantagem competitiva está enterrada lá embaixo, nos dados proprietários da empresa”.É quando a organização conecta modelos de IA aos seus próprios dados — e não apenas aos grandes modelos públicos — que surgem novas fronteiras de valor: produtos personalizados, decisões preditivas e diferenciais impossíveis de copiar.
É o que diferencia o AI user do AI native. O primeiro consome modelos prontos; o segundo cria sistemas compostos, com múltiplos agentes e dados próprios, transformando a IA em parte viva do negócio.
A INFRAESTRUTURA VIROU ESTRATÉGIA
O relatório mostra que 48% dos engenheiros de dados gastam a maior parte do tempo conectando fontes de dados — e não criando inteligência. Esse é o custo invisível da fragmentação: sem uma arquitetura unificada (como lakehouses, data mesh ou plataformas integradas), a IA não flui, o ROI não aparece e os times se frustram.
A lição é clara: não existe IA de ponta em dados de retaguarda.
GOVERNANÇA E CONFIANÇA: O NOVO “FIREWALL MORAL”
O entusiasmo com IA vem acompanhado de medo. Mais da metade dos arquitetos de dados (53%) apontam segurança e privacidade como o maior risco. Por isso, o estudo mostra o avanço das “AI Centres of Excellence” — hubs internos que coordenam pilotos, padronizam boas práticas e servem como função forçante de coesão organizacional.
Empresas como Shell, TD Bank e Unilever usam esses centros não para frear, mas para acelerar com segurança, transformando compliance em alavanca de inovação.
DEMOCRACIA DE DADOS: O NOVO MOTOR DA CULTURA
A revolução mais profunda talvez não esteja nos algoritmos, mas nas pessoas. Quase 60% dos arquitetos acreditam que, em até três anos, a linguagem natural será o principal meio de interação com dados corporativos. Isso significa que qualquer colaborador poderá “conversar” com o negócio — e obter respostas em tempo real, com precisão e contexto.
É a era do citizen data scientist, onde a curiosidade substitui o código e a cultura analítica se torna o verdadeiro ativo estratégico.
O BRASIL PRECISA TRANSFORMAR HYPE EM ARQUITETURA
O recado para o ecossistema nacional é direto: não basta contratar uma startup de IA ou adotar um copiloto. É preciso revisar a infraestrutura, redesenhar a cultura e redefinir o modelo mental da liderança.
A IA empresarial não é uma ferramenta — é uma nova forma de pensar a empresa. O desbloqueio, portanto, é menos sobre tecnologia e mais sobre organização, dados e propósito.
O PRÓXIMO UNICÓRNIO SERÁ UM “AI-NATIVE COMPANY”
Quem dominar o ciclo completo — do dado ao insight, do insight à decisão, da decisão à automação — não apenas crescerá mais rápido, mas mudará as regras do jogo em seu setor.
Como conclui o estudo: “A revolução da IA está só começando, e os líderes do futuro serão aqueles que souberem transformar seus dados em inteligência viva.” A próxima fronteira da IA não é criar modelos mais inteligentes, mas empresas mais inteligentes.
REFERÊNCIAS
- THE ECONOMIST IMPACT. https://impact.economist.com/new-globalisation/unlocking-enterprise-ai. Londres: The Economist Group, 2024.
- GOLDMAN SACHS. Gen AI: Too much spend, too little benefit? Nova York, 2024.
- IBM. What Is Model Drift? IBM Research, 2024.
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