[Cultura Digital] Notificações online e apocalipse neural

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[Cultura Digital] Notificações online e apocalipse neural

Nosso cérebro não foi criado, tampouco desenvolveu-se, para fazer muitas coisas ao mesmo tempo. A alternância de atenção causada pelo smartphone contraria a natureza cerebral e “fragmenta a vida cognitiva”.

Nosso cérebro não foi criado, tampouco desenvolveu-se, para fazer muitas coisas ao mesmo tempo. A alternância de atenção causada pelo smartphone contraria a natureza cerebral e “fragmenta a vida cognitiva”. / Foto: Donghai Liu, Ogilvy


[30.04.2021]


Por Alexandre Adoglio, CMO na Sonica e empreendedor digital.
Escreve semanalmente sobre Cultura Digital para o SC Inova  

Três segundos.

Foi o que levou para Taylor Sauer, 18 anos, colidir a mais de 130km com a traseira de um caminhão parado no semáforo em Utah, EUA, em janeiro de 2012. Numa infeliz coincidência, minutos antes do acidente ela escreveu para um amigo: “Não posso discutir isto agora. Dirigir e falar no Facebook não é seguro! Haha.” Provavelmente um dos primeiros casos registrados que comprovam a interferência fatal dos gadgets digitais em nosso comportamento.

Os números são realmente espantosos. Em 2020, só no Brasil, 2,1 milhões de motoristas foram multados por utilização indevida do aparelho enquanto dirigiam, com uma média de 150 mortes por dia causadas por motoristas desatentos devido ao uso do celular, segundo dados da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet). Esta é a terceira maior causa de morte no trânsito no Brasil.

Segundo análises pelo mundo, levamos cerca de 8 a 9 segundos para atender uma chamada telefônica, contando desde o instante em que ouvimos o toque, até pegar o aparelho, desbloqueá-lo e atender a chamada. Se o motorista estiver a 80 km/h, isso significa que ele percorrerá cerca de 50 metros com a atenção reduzida. No caso de mensagens de texto, seja nos apps de mensagem ou nas redes sociais, o tempo médio de resposta é de 20 a 23 segundos, que significam, caso o motorista esteja a 60 km/h, que ele percorrerá quase 100 metros sem a completa atenção do que está fazendo.

E mesmo com ajuda da tecnologia, como viva-voz, assistentes de fala e até um app que bloqueia o celular enquanto o usuário está ao volante, os números de ocorrências fatais não param de crescer no mundo inteiro, afetando a vida de todos.

Mas esta é uma pequena parte do problema. Provavelmente aquela porção mais visível, de quão danoso está sendo o uso excessivo de smartphones em nossa rotina, que sem a disciplina devida está afetando não só nossa responsabilidade ao volante mas também trazendo efeitos nocivos nos relacionamentos pessoais, profissionais e principalmente em nosso cérebro.

PREGUIÇA CEREBRAL

Já é senso comum para psicólogos e neurocientistas sobre os efeitos nocivos do celular e outros dispositivos eletrônicos em nossos cérebros. O grande volume de estímulos produzidos pela interação com os aparelhos está sendo relacionado com deterioração da memória, dificuldade de peneirar informações inúteis, aumento nas taxas de ansiedade e estresse e até num desperdício de capacidade cerebral. Efeitos causados pela onipresença dos smartphones em nosso dia a dia, mesmo enquanto fazemos outras tarefas como assistir a um filme, conversar com um amigo ou mesmo em silêncio durante a missa.

No livro “Neuro Web Design – What Makes Them Click” (New Riders Publishing; 2009),  a neuropsicologista norte-americana Susan Weinschenk aponta que quando recebemos uma notificação ou alerta, no computador ou telefone, criamos uma resposta condicionada a reagir automaticamente a eles, que ela intitula de “gatilho neurológico“.  Como ultimamente ficamos conectados quase 24 horas por dia, cada vez que apertamos uma tecla de resposta no celular recebemos uma injeção de neurotransmissores que dão uma sensação de bem-estar, causada principalmente pela dopamina.

Caso você já tenha se surpreendido rolando feed de Instagram horas a fio sem objetivo nenhum, saiba que você já foi pego pelo ‘loop de dopamina’, um ciclo vicioso de bem-estar que faz seu cérebro esquecer de tudo à sua volta. Esta tal dopamina é um neurotransmissor que age no pensamento, humor e motivação, além claro de fazer você sentir prazer. E quanto maior a interação nossa com estas “respostas condicionadas”, mensagens, comentários e likes, maior o efeito da dopamina no seu bem-estar.

Porém como tudo que é bom o preço é alto. Além de precisar cada vez mais carga de atenção para destravar a dopamina, este processo acaba sobrecarregando nosso cérebro através das inúmeras interações multi-tarefas, ou seja, quando estamos conversando no whatsapp, paramos para ver umas fotos no Instagram e em seguida abrimos um e-mail, ocorrendo aí um sequestro neural que sabota nossa natureza de pensamento.

O MITO DO MULTITAREFA

Nos últimos 100 anos neurocientistas vêm estudando o cérebro humano para entender como ele funciona e porque fazemos as coisas que fazemos, mas foram somente nos últimos 10 anos que conseguimos desenvolver uma tecnologia de mapeamento cerebral que permitisse entendermos melhor quais partes do cérebro decidem nosso comportamento e quais ficam ativas quando utilizamos uma interface online, site ou app.

Jean-Philippe Lachaux, pesquisador do Laboratório de Pesquisas Cognitivas do Inserm (Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica) de Lyon, França , definiu após uma série de estudos que nosso cérebro não foi criado, tampouco desenvolveu-se, para fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Ele toma como exemplo determinada pessoa que está em uma reunião profissional ao mesmo tempo que lê mensagens pessoais no celular.

A alternância de atenção causada pelo smartphone atrapalha a capacidade de concentração e de compreensão da mensagem que está sendo lida e respondida, além de impedir o indivíduo de entender perfeitamente o que está sendo dito na reunião. Essa situação, por mais que pareça banal, contraria a natureza cerebral e “fragmenta a vida cognitiva”.

Além disso, a característica multitarefa dos celulares continua atrapalhando mesmo depois de o aparelho ser desligado, principalmente quando a concentração em uma só atividade é exigida. Pesquisadores da Universidade Stanford demonstraram que jovens acostumados a essa enxurrada de estímulos têm cérebros mais preguiçosos e com menor capacidade de ignorar informações irrelevantes. Em testes, os acadêmicos constataram que essas pessoas também não conseguiam memorizar dados simples, como letras que se repetiam, deixando estes estudantes sedentos por irrelevância.

Fato já explorado em várias campanhas que nos alertam para estes malefícios, que não só estão influenciando nossas relações pessoais como também arruinando os poucos momentos que temos juntos com a família.

QI DE MENOS

É difícil imaginar um produto que apresenta tantas funções úteis de uma forma tão prática quanto nossos amados smartphones. Embora ofereçam conveniência e diversão, os smartphones também geram ansiedade e dispersão, pois sua extraordinária utilidade lhes dá um controle sem precedentes sobre nossa atenção e vasta influência sobre nosso pensamento e comportamento. Então, o que acontece com nossas mentes quando permitimos a uma única ferramenta tal domínio sobre nossa percepção e cognição?

Os cientistas começaram a explorar essa questão – e o que eles estão descobrindo é fascinante e preocupante. Nossos telefones não apenas moldam nossos pensamentos de maneiras profundas e complicadas, mas os efeitos persistem mesmo quando não estamos usando os dispositivos. 

Conforme o cérebro se torna dependente da tecnologia, sugere a pesquisa, o intelecto enfraquece. 

E isto fica ainda mais evidente quando pesquisas recentes mostram que pela primeira vez na história uma geração tem QI menor que seus antecessores, ou seja, agora temos filhos com inteligência menor que os seus pais, afetando em muita a evolução da cognição. 

INSTAGRAM PARA CRIANÇAS?

Em recente anúncio, o onipresente Facebook revelou planos para lançar uma versão da sua rede social Instagram voltada para o público infantil. É de se notar que mesmo não existindo assim tantos produtos e serviços dedicados a este público já temos consequências péssimas que o uso da tecnologia em excesso está provocando nos infantes.

No episódio “Por que as redes sociais são caça-níqueis?” do seu podcast semanal, Rodrigo Pacheco fala sobre como o hábito de visitar constantemente as redes sociais cria um mecanismo de vício recorrente na nossa mente. E como o vício nos jogos de apostas, esse mecanismo gera dependência e é muito comum que a gente não reconheça isso. 

Imaginemos agora o risco para as próximas gerações, que além de decrescerem em seus níveis intelectuais serão também adictos digitais. Alguém consegue imaginar seus próprios filhos sendo abduzidos por algo assim?

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