Atenção: a leitura deste artigo promoverá intensa memorização sonora. Aconselhamos após a leitura do mesmo que siga os passos apresentados no último tópico. / Imagem: Mundo Estranho/Reprodução
[13.10.2020]
Por Alexandre Adoglio*
Em dezembro de 2016, em San Diego, Califórnia, um estudante de 19 anos deu entrada no centro de saúde estudantil com queixas de música que se repetiam em sua mente sem cessar nos últimos três anos. Ele nunca havia procurado ajuda para esse problema, mas as exigências da faculdade agora sobrecarregavam sua capacidade de lidar com a situação.
Ele descreveu que o problema começou em um determinado dia no colégio, quando estava ouvindo rádio durante os estudos e, de repente, ficou preocupado com a possibilidade de não conseguir parar de pensar em uma música que estava tocando. Depois disso, uma parte do refrão da música se repetiu em sua mente indefinidamente. Ele tentou ignorar, mas persistiu pelo resto da noite. No dia seguinte, ele procurou em sua mente o loop da música e começou novamente. Logo a música que ele ouvia em sua mente mudou para trechos de outras canções que ouvira recentemente, ou mesmo para canções que lembrava ter ouvido em um passado remoto.
Objeto de muitos estudos e conhecidas mundo afora como earworms, músicas chiclete vem colecionando dor de cabeça ao longo do tempo, bem antes do surgimento da Internet. Quem não se lembra da brasileiríssima “Pirulito que Bate-Bate“, ou mesmo da canção que nina franceses há séculos, “Frère Jacques“, aportada por aqui numa adaptação de sucesso “Dedinhos” da Eliana.
Frère Jacques, frère Jacques,
Dormez-vous? Dormez-vous?
Sonnez les matines! Sonnez les matines!
Din, dan, don. Din, dan, don.
Após séculos sendo utilizadas pela sociedade, seja como canções de vitória em tabernas medievais na Europa, em rituais Xamânicos na Amazônia, ou mesmo no Bob Esponja, este tipo de melodia que gruda na mente foi turbinada pela potência dos compartilhamentos online, obtendo rápida adesão com a interação sonora das pessoas.
OUVIDO NÃO TEM PÁLPEBRAS
Nossa mente se habitua a sons desde o ventre materno, sendo a base deste ensino a simplicidade das repetições, como por exemplo Ma-i-a hi, Ma-i-a hu, Ma-i-a ho, Ma-i-a ha-há. Este ritmo repetitivo alterna nossa consciência e tende fazer que gostemos de manter esta repetição na mente, ou seja, ouvir a música novamente. Além do ritmo temos a questão cultural de mercado, surgindo ondas de músicas parecidas entre si nas melodias também. Isso se dá porque alguns compositores e co-autores trabalham com mais de um artista ao mesmo tempo, música popular, música pop, todas buscam uma escuta linear, repetição e um pulso rítimico, refrãos que repetem as mesmas palavras.
Um estudo de 2006 analisou a construção das melodias em música-chiclete:
- Os ritmos são sempre otimistas.
- Padrões de pitch semelhantes a outras canções populares.
- Grandes saltos para cima e para baixo nas notas, como “Somewhere Over the Rainbow” ou “Moves Like Jagger“.
Este estudo propôs verificar pela primeira vez se características reais das próprias melodias, como seu tom e ritmo, poderiam contribuir para seu “fator chiclete”, segundo sua autora a Dra. Kelly Jakubowski, psicóloga musical da Durhan Universtity na Inglaterra.
Jakubowski e colegas pesquisadores pediram a 3.000 pessoas que nomeassem suas top música-chiclete de todos os tempos. Em seguida, os pesquisadores criaram uma lista das 100 músicas mais populares e examinaram suas melodias para entender o que as torna cativantes. No estudo as músicas “colaram” com mais frequência quando a mente estava divagando, o que os pesquisadores chamam de cognição espontânea.
As pessoas podem passar até 40% do dia com pensamentos errantes. Embora os earworms normalmente durem entre minutos a algumas horas, pessoas que participaram do estudo relataram casos que perduraram por semanas, meses ou até anos.
Por sinal, as Top 9 músicas-chiclete de acordo com este estudo foram:
2. “Can’t Get You Out Of My Head” by Kylie Minogue
3. “Don’t Stop Believing” by Journey
4. “Somebody That I Used To Know” by Gotye
5. “Moves Like Jagger” by Maroon 5
6. “California Gurls” by Katy Perry
7. “Bohemian Rhapsody” by Queen
Ou seja, se toca uma música em um ambiente em que estamos – e portanto somos obrigados a ouvi-la, o cérebro acaba processando-a. Isso explica porque nós saímos por aí cantando uma música mesmo não achando ela tão boa na primeira vez que a escutamos.
Não é uma preferência consciente, mas sim uma preferência subliminar.
O PRIMEIRO CHICLETE
O primeiro caso documentado que se tem notícia de uma música chiclete é com o tema do filme Gilda, “Put the Blame on Mame” de 1946, personificado por Rita Hayworth na memorável cena orquestrada no cabaré do filme. Já o termo Earworm veio da palavra alemã Ohrwurm, utilizada pelos germânicos desde a década de 1950 para se referir a pedaços de música que não saíam da cabeça.
No Brasil temos algumas pérolas de música-chiclete que vou deixar aqui no artigo só para você se lembrar de quando ouviu a primeira vez 😉
- “Abra Suas Asas”, As Frenéticas
- “Ai Se Eu Te Pego”, Michel Teló
- “Anna Júlia”, de Los Hermanos
- “Arerê”, Ivete Sangalo
- “Conquista”, de Claudinho e Buchecha (“Sabe? Tchururu, estou louco pra te ver...”)
USOS E DESUSOS
Earworms são utilizados à exaustão na publicidade, quando agências e criadores ensejam colar suas marcas na cabeça dos consumidores de forma indelével. Alguns casos de jingles por aqui realmente já deixam história.
- Me dá me dá me dá, Danoninho.
- Quero ver pipoca pular, pipoca com guaraná…
- Dou um fim, DD Drin, DD Drin
Essa técnica de criar uma melodia cativante que corresponda ao nome da marca é chamada de mnemônico. [mnemônico (substantivo): um dispositivo como um padrão de letras, idéias ou associações que auxiliam na lembrança de algo.]
Estamos mais familiarizados com os mnemônicos como padrões de letras que nos ajudam a lembrar de algo, por exemplo, o mnemônico de “Every Good Boy Does Fine” ajuda os músicos a lembrar suas linhas de clave de sol (E-G-B-D-F). Mas os dispositivos mnemônicos também podem ter a forma de som, imagens, frases e cores.
Por exemplo este sons que às vezes se tornam deveras irritantes pela repetição: Intel, Hyundai, Windows, Nextel
Não tão as irritantes como as músicas do caminhão de gás, percorrendo norte ao sul do país com arremedos de notas e sílabas que acabam nos fazendo questionar a finitude do gás lá em casa. Lembrando claro o sempre Beethoven e sua “Fur Elise”.
CONHEÇA NOSSO CANAL SOBRE CULTURA DIGITAL
O FENÔMENO GALINHA PINTADINHA
Em Dezembro de 2006 os músicos Juliano Prado e Marcos Luporini ficaram impossibilitados de comparecer a uma reunião com um canal infantil em São Paulo para apresentação de um projeto musical baseado nas canções infantis cunhadas com música-chiclete. Tentando economizar tempo eles subiram as canções em um canal You Tube e enviaram o link para os executivos da emissora, que não aprovaram o produto.
Desanimados, foram surpreendidos alguns meses depois quando o canal que criaram obteve mais de 500 mil views, um recorde para a época. Surge daí o Galinha Pintadinha, verdadeiro case brasileiro de sucesso omnichannel, tendo a internet como seu principal alavancador, permeando diversas frentes de produtos, desde os saudosos e premiados DVDs até pelúcias e um espetáculo teatral que percorreu o país. Atualmente o canal no YouTube, com hits como Galinha Pintadinha, Do Ré Mi Fá e Pintinho Amarelinho, passou a marca de 7.000.000.000 (isso mesmo, sete bilhões) de views, o primeiro a atingir esta marca no país e agora disponível também em plataformas como Spotify e Netflix.
AS ONDAS BINAURAIS, TERAPIA DO SOM
Heinrich Wilhelm Dove descobriu, em 1939, que as ondas do cérebro podem ser formatadas de maneira que assumam a mesma frequência imposta por batidas sonoras. Assim, diversas pesquisas foram feitas envolvendo este tipo de metodologia. Sabe-se, a partir dessas pesquisas, que o cérebro trabalha com disparos eletroquímicos que acabam por caracterizar os estados da consciência conhecidos como gamma, alpha, beta, theta e delta.
Cada uma dessas ondas possui frequências vibratórias específicas e representam um estado de consciência diferente. Portanto, a partir de estimulações individualizadas é possível melhorar a “qualidade” das ondas do cérebro de maneira que seja possível condicionar a atividade cortical. Os efeitos dessas induções são bem abrangentes, seja melhorando o fluxo sanguíneo cerebral, reforço à neuroplasticidade, o equilíbrio da atividade cortical entre os dois hemisférios do cérebro e também a conexão com música-chiclete.
Aproveitando destes estudos empresas como Earworms Learning utilizam diferentes técnicas de ritmos e melodias para potencializar o aprendizado de línguas, oportunidade levada a sério por outras iniciativas como Neurometria Funcional, que através de conexão com um gerador de Frequência Sonora para Indução de Onda Cerebral (I.O.C.), estimula impulsos que prometem auxiliar na concentração e combate ao desânimo.
Seguindo o mesmo conceito das música-chiclete, as ondas binaurais pode agir diretamente no estado de ânimo da mente, operando frequências para vários usos conforme esta playlist aqui.
E QUAL O ANTÍDOTO?
Segundo a Dra Jakubowski já mencionada neste artigo, existem pelo menos cinco maneiras de banir música-chiclete dos seus ouvidos.
- Ouça a música inteira. Desfrutar de uma música inteira geralmente a elimina de “ficar presa em um loop” em sua cabeça.
- Adicione alguma variedade. Pense ou ouça uma música que você goste mais, ou o hino nacional. Dizem que “God Save the Queen” (nota do editor: não a dos Sex Pistols) cura vermes de ouvido para os britânicos.
- Ignore isto. “Tente não pensar nisso e deixe que desapareça naturalmente por conta própria”.
- Mascar chiclete. Quando as pessoas mascavam chiclete logo após ouvir uma música especialmente cativante, elas eram menos propensas a serem infectadas por um verme de ouvido, descobriu um estudo anterior do The Journal of Experimental Psychology.
- Faça algo envolvente. Se você estiver na fila do supermercado com earworm, use seu telefone, envie um e-mail ou leia um artigo. Segundo o estudo música-chiclete tende a aparecer em estado de baixa atenção.
Minha preferência tanto para concentração como para dispersão é encontrar um tom certo de som que promova a desconexão com o momento. Este aqui é o meu eraser song.
Mas não se iluda, pois segundo as pesquisas mais recentes cada um de nós tem sua frequência certa para conseguir desatrelar de música-chiclete. Para encontrar basta analisar aquela música ou tipo de som que sempre lhe fez bem e nunca grudou de forma persistente.
PS: Segue aqui a música-chiclete de 2020, Baby Shark para você se divertir com as crianças.
* ALEXANDRE ADOGLIO é CMO na Sonica e empreendedor digital.
Escreve semanalmente sobre Cultura Digital para o SC Inova.
LEIA TAMBÉM:
SIGA NOSSAS REDES