Especialistas nas áreas legal e contábil mostram que boas práticas podem não só melhorar lucratividade como também alcançar melhores deals na captação de recursos e investimentos. / Foto: Annie Spratt (Unsplash)
Empreendedores ouvidos pelo SC Inova compartilham como deram salto – e reduziram custos – com apoio técnico de consultorias.
[FLORIANÓPOLIS, 06.02.2023]
Redação SC Inova, scinova@scinova.com.br
O empreendedor Caio Guiné Pascoal, co-fundador e atualmente CTO de uma empresa de inteligência de dados com sede em Florianópolis, viu sua empresa crescer quase sete vezes no faturamento entre os anos de 2021 e 2022. Em meio à aceleração dos negócios – e de todas as “dores do crescimento” que são comuns às startups em fase de tração – as empresas se questionam qual o melhor direcionamento neste momento: aumentar o time? buscar capital? investir em marketing e vendas?
Caio, contudo, olhou para uma outra questão, muitas vezes ignoradas por empreendedores: o planejamento tributário. O que ele percebeu é que sua empresa, a Dataforall, com pouco mais de um ano e meio de mercado, não estava enquadrada no regime ideal de acordo com o perfil do negócio – e isso impacta diretamente seus custos tributários.
“Assim que nosso faturamento começou a crescer já percebemos que precisávamos mudar o nosso regime tributário”, destaca Caio, que chegou a estudar Contabilidade por anos (embora não tenha se formado) e já atuou no setor Tributário de algumas multinacionais. A Dataforall, que desenvolve uma plataforma proprietária de dados para empresas de médio e grande porte, estava enquadrada no Simples e pagava cerca de 19% como base de imposto.
Era muito mais do que a legislação tributária exige para uma empresa de software – mas sua contabilidade à época não dominava os meandros e detalhes do setor de tecnologia. “Fizemos uma auditoria junto a uma empresa especializada em direito para startups e migramos para o regime de lucro presumido. Nosso custo tributário passou a ser em torno de 9% relacionada a produto (sofware) e de cerca de 15% na prestação de serviços (suporte). Uma diferença gritante que nos permitiu aumentar o lucro e o fluxo de caixa, permitindo reinvestimentos na empresa e acelerar outros projetos”, explica Caio.
O erro na escolha do regime tributário, seja no início da empresa ou depois que ela já se estruturou, é considerado o mais comum entre as empresas de tecnologia, comenta Erick Hitoshi, advogado tributarista e líder da área Tributária e Societária do SS Advogados, especializado no mercado tech e de inovação – e que apoiou a Dataforall nesta revisão dos custos tributários.
Mas há uma série de outros problemas recorrentes no universo de startups, como cita o especialista (confira o quadro abaixo).
“Não é obrigação do empreendedor compreender o carnaval tributário brasileiro. Ele deve se preocupar com seu negócio e cercar-se de pessoas que possam contribuir positivamente para o desenvolvimento. Todos esses problemas poderiam ser resolvidos com a escolha de profissionais que entendam da dinâmica do negócio para enxergar oportunidades e implementar melhorias por meio do planejamento tributário”, resume Erick.
O planejamento tributário, contudo, não é um bicho de sete cabeças. “Ao contrário”, explica Erick, “ele começa do básico, com a escolha do regime tributário ou pela análise da situação fiscal dos sócios e seus objetivos”. No entanto, é preciso seguir algumas premissas fundamentais, como as seguintes:
- Todo estudo e estratégia tributária seja pautada na legislação; qualquer coisa ao contrário disso será considerada como evasão ou elusão fiscal (sonegação).
- É preciso compreender o momento da empresa; não adianta planejar e implementar uma estrutura tributária de uma empresa consolidada, com vários pontos a serem desenvolvimentos, se a empresa ainda não tem maturidade para isso;
- É necessário compreender a fundo o negócio do cliente: o software é customizável, não customizável, passível de adaptação?; há importação ou exportação?; qual o regime de contratação dos colaboradores da empresa?; onde a empresa está localizada?; passou ou pretende passar por uma rodada de investimento?
Com o tributário ajustado, a Dataforall está indo agora ao mercado para buscar sua primeira rodada de investimento – algo que poderia ser mais difícil se a casa não estivesse em ordem. “A maior vantagem é o nosso conhecimento: quando o investidor sabe que o empreendedor tem esse cuidado, ele sabe que os riscos serão minimizados, é um problema a menos na hora de considerar o aporte”. A startup, que tinha uma equipe de três pessoas (dois sócios e um freelancer) em outubro de 2021 hoje está com 15 pessoas no time e segue crescendo.
POR QUE FUGIR DE MODELOS PRONTOS DE PLANEJAMENTO
Outra dica importante é fugir dos “modelos prontos” de planejamento tributário, que costumam circular entre os empreendedores. “No mercado de tecnologia, cada negócio tem uma particularidade, que pode mudar a definição pelo melhor regime tributário de acordo com o modelo de negócio, o local em que a empresa está instalada, o tamanho da equipe, as perspectivas de faturamento etc. O ideal é sempre usar uma consultoria preventiva específica, não um modelo pronto. Desta maneira, o contador e o advogado vão conhecer a fundo a empresa e podem responder a perguntas que nem mesmo os fundadores fizeram ainda”, reforça Ismael Rogério da Silva, empreendedor contábil e CEO da Softcon, especializada no mercado de tecnologia.
É importante ressaltar que as características tributárias diferem de acordo com cada área de atuação das empresas. As empresas de educação (edtechs), por exemplo, tem uma isenção na produção de livros, ainda que em formato eletrônico (e-books).
No caso dos e-commerces e marketplaces, é preciso ficar atento a questões como bitributação e necessidade da substituição tributária em alguns estados; para quem produz software, a tributação incidente, no lucro presumido, é diferente entre empresas que criam sistemas padronizados das que desenvolvem software customizável (e há a possibilidade de ter uma alíquota efetiva inferior à que se paga no Simples Nacional, por exemplo).
“Em geral, há uma ideia de que o regime do Simples Nacional é a melhor opção, mas isso não se aplica a todos. É uma conveniência, em muitos casos. O lucro presumido é mais interessante para startups em momento de tração e alta lucratividade. Já o lucro real tende a ser um regime mais adequado para quem já captou investimento externo. Startups são organizações com potencial de crescimento exponencial em um cenário de incertezas e rápidas mudanças. Não dá pra engessar o planejamento – o importante é ter a projeção mais assertiva possível dentro dessas variáveis”, resume Ismael.
Para a Dataforall, por exemplo, o planejamento tributário foi desdobrado apenas até o começo do próximo ano, já que, como antecipa Caio, a empresa projeta aumentar o faturamento de seis a sete vezes neste ano e crescer a base de cliente em até 20 vezes, por meio de estratégia de canais.
PLANEJAMENTO DESDE O MOMENTO ZERO
Enquanto grande parte dos empreendedores costumam ajustar seu planejamento tributário no decorrer do desenvolvimento do negócio, há quem priorize a questão desde o momento zero da empresa. É o caso da edtech WeCann, fundada pelos sócios Patricia e Daniel Montagner como um centro de educação e formação para a comunidade médica sobre o uso de medicamentos à base de cannabis. Fundada em 2021, a startup já atendeu quase 1,5 mil alunos em 10 países diferentes – hoje é líder na geração de conteúdo sobre o tema na América Latina.
Como destacou Daniel, um engenheiro mecânico de formação que já teve várias outras experiências empreendedoras, desde o começo a ideia era atender o mercado internacional. E o modelo de negócio passava por primeiro construir uma “comunidade” própria, formada por médicos, para levar conteúdo de alta qualidade e a partir daí oferecer cursos e outros serviços. Um desafio para o qual contou, desde o início, com o apoio de um escritório de advocacia especializado em startups e nova economia.
“O negócio foi montado pensando no mercado internacional, com um time de expert de fora do país. E para isso era preciso envolver questões cambiais e pagamentos internacionais, por exemplo. Mas nossa estratégia inicial foi centralizar as operações no Brasil para entender os regimes e as alíquotas. Como iríamos posicionar os produtos dentro de um planejamento tributário e legal consistente, fazendo adequações de acordo com a linha de faturamento”, explicou.
No trabalho que vem sendo conduzido pela SS Advogados, a empresa aderiu em um primeiro momento ao Simples em função deste planejamento inicial, mas está em transição para outro regime – em maio do ano passado, a WeCann anunciou que já tinha faturado R$ 1 milhão, resultado impulsionado pelo avanço de pesquisas e uso da cannabis medicinal no Brasil e no mundo.
“Muitos empreendedores banalizam essa preocupação com o tributário, mas a capacidade de geração de caixa que você ganha nesse trabalho muitas vezes ‘resolve o ano’, dispensa a necessidade de uma rodada ou até permite que você busque uma rodada mais robusta. Com um ajuste fino no tributário, é possível melhorar a margem em 3% a 4%, isso significa um investimento a mais em marketing ou um novo desenvolvedor que pode ser contratado”, detalha.
Como afirma Daniel, o maior desafio de quem lidera startups é “transitar entre as diferentes frequências do negócio”. Ele explica: “uma reunião administrativa é diferente de quando você vai tratar do estratégico, ou quando você vai definir ações de marketing e vendas. Por isso, a chance do empreendedor cometer um erro é muito alta quando precisa tomar decisões complexas. Buscar especialistas pelo conhecimento técnico, como no caso de legal e tributário, por exemplo, é fundamental para evitar esses erros”.
Empresas especializadas neste assunto, como a SS Advogados e Softcon Contabilidade, vem desempenhando um papel importante neste segmento, ajudando empreendedores a construírem negócios saudáveis.
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