“O recurso-chave é a criatividade que gera inovação, fazendo com que as políticas se orientem mais à atração de talentos criativos do que à atração de empresas”. / Foto: Robson Hatsukami Morgan (Upslash)
Por Ágatha Depiné*
Em 2002, o economista e pesquisador Richard Florida publicou sua obra “A ascensão da classe criativa” e acendeu o debate sobre a importância da força de trabalho criativa para o atual desenvolvimento econômico urbano e regional. A suposição básica do autor é que uma região com maior concentração de profissionais criativos possui melhor desempenho econômico, considerando que tais indivíduos costumam empreender, atuar em negócios inovadores, produzir e até mesmo atrair novos serviços, investimentos e atividades para o local.
Em parte, sua teoria surgiu da percepção das mudanças ocorridas no cenário econômico desde a década de 1980, quando o setor manufatureiro passou a perder espaço para modelos de negócio baseados em conhecimento e inovação. Antes desse período, as políticas de desenvolvimento econômico urbano e regional eram direcionadas principalmente à atração de empresas e investimentos às cidades, por meio de incentivos como abatimentos fiscais, terrenos e facilidades na regulamentação.
Entretanto, com a transformação no cenário econômico, foi preciso adaptar-se ao modelo de desenvolvimento de cidades criativas. Nesse novo contexto, o recurso-chave é a criatividade que gera inovação, fazendo com que as políticas se orientem mais à atração de talentos criativos do que à atração de empresas. A classe criativa passou a atrair as empresas, negócios e investimentos a esses espaços urbanos, rompendo o paradigma anterior do desenvolvimento econômico.
Enquanto isso, o que atrai a classe criativa são, sobretudo, as características locais aderentes ao seu estilo de vida, não mais a presença de empresas e oportunidades de trabalho específicas. Nesse sentido, a estratégia utilizada é o aumento da qualidade do lugar para as pessoas, estimulando a diversidade e promovendo comodidades, arte e cultura que acolham os criativos ao espaço urbano (DEPINÉ et al., 2017).
Essa discussão se tornou foco de interesse de acadêmicos, políticos e administradores por apresentar uma nova visão sobre o impacto da atuação profissional dos indivíduos na economia. Ao inferir que a atividade profissional realizada pelos residentes de um determinado local contribui mais para o desenvolvimento econômico regional do que o grau de instrução desses, surgiu uma alternativa à concepção tradicional de capital humano. Assim, por exemplo, compreende-se que um economista de formação pode atuar como artista, enquanto um indivíduo sem formação acadêmica alguma pode tornar-se um empreendedor de sucesso, caracterizando ambos como parte da classe criativa.
A classe criativa é formada, basicamente, por pessoas que agregam valor econômico por meio de sua criatividade.
Enquanto a medida convencional do capital humano é baseada em níveis de escolaridade ou grau de formação, a teoria da classe criativa utiliza medidas baseadas em ocupações. Assim, membros da classe criativa são indivíduos diretamente responsáveis pela geração de novos conteúdos, ideias, negócios, projetos e produtos.
Esse impacto da classe criativa na economia também depende da presença de ligações causais entre os “Três T’s”: tolerância, tecnologia e talento (FLORIDA, 2011). Para o autor da teoria da classe criativa, as cidades contemporâneas com bons resultados econômicos apresentam conexões positivas entre a presença de empresas de tecnologia, capital humano qualificado e tolerância, ainda que estas variem de acordo com a região ou país, pois é condicionada às características do local (NATHAN, 2015).
Os 3 Ts, quando trabalhados juntos, podem impulsionar a inovação e o crescimento econômico de uma região. Porém, a sinergia entre ambos é essencial para o desenvolvimento econômico, haja vista que determinadas regiões onde apenas um ou dois dos 3 T’s são encontrados, não conseguem alcançar o crescimento almejado (DEPINÉ, 2016).
“Os 3 T’s explicam porque cidades como Baltimore, St. Louis e Pittsburgh são incapazes de crescer. Apesar de seus amplos recursos tecnológicos e suas universidades de primeira linha, elas não são suficientemente tolerantes e abertas para atrair e reter os trabalhadores criativos mais talentosos. A interdependência dos 3 T’s também explica por que cidades como Miami e New Orleans não se saem muito bem devido à ausência de base tecnológica necessária, mesmo sendo consideradas mecas do estilo de vida. Os lugares mais bem-sucedidos, como San Francisco, Boston, Washington, Austin e Seattle, por exemplo, reúnem todos os 3 T’s. Essas regiões são verdadeiramente criativas” (FLORIDA, 2011, p. 250)
A tecnologia, segundo Florida (2014), é o que impulsiona a atual economia a se revolucionar constantemente. Assim, o talento se torna crucial, pois os trabalhadores do conhecimento, ou os criativos (classe criativa), não apenas aperfeiçoam os meios de produção já existentes, como também criam novos produtos e mercados. Por fim, a tolerância é importante porque o talento é “móvel”: ele flui, e os lugares em que ele flui são aqueles mais acolhedores e diversos.
A presença da classe criativa é um dos elementos mais importantes no desenvolvimento de uma cidade criativa, não apenas pelo fortalecimento econômico por meio das áreas como inovação e tecnologia, mas também pela possibilidade de transformação positiva do cenário urbano, seja o ambiente natural e sua valorização ou a recuperação da vitalidade das ruas e fortalecimento do cenário cultural.
Um dos desafios contemporâneos é direcionar o potencial da classe criativa, o qual já é bastante presente no desenvolvimento econômico, para o desenvolvimento de outros aspectos da cidade, considerando a possibilidade de usar esse recurso criativo na solução de problemas complexos e na criação de novos projetos, ações e políticas que possibilitem cidades e regiões melhores para as pessoas no amanhã.
* Ágatha Depiné é advogada urbanista
** A íntegra deste artigo está disponível na nova edição da VIA Revista, especial sobre Cidades Criativas, produzida pelo grupo de pesquisa VIA Estação Conhecimento, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
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