Da mesma forma que um consumidor busca vários produtos e serviços em um só lugar, empreendedores procuram estes centros para suporte e geração de negócios, da capacitação mais básica, à ideação e tração.
Foto: Centro de Inovação Orion – crédito: Ricardo Wolfenbuttel (Governo SC)
[02.05.2023]
Por Marcus Rocha, especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação e Gerente de Inovação e Startups do Sebrae/SC.
Escreve quinzenalmente sobre o tema no SC Inova.
Quem acompanha esta coluna pode perceber claramente uma defesa do modelo criado em Santa Catarina para o desenvolvimento de Centros de Inovação (CI). Tal atitude se baseia principalmente em argumentos técnicos, já que o processo de construção do modelo considerou práticas de sucesso de vários ecossistemas de inovação bem-sucedidos, de referência mundial. Com isso, o resultado final incorporou uma lógica que faz bastante sentido e favorece o empreendedorismo inovador e, consequentemente, o desenvolvimento sustentável dos territórios – equilibrando as dimensões econômica, social, urbana e ambiental.
E, por mais que a implantação dos CI em Santa Catarina ainda seja um trabalho em andamento que necessita de aprimoramentos, o modelo em si é muito consistente.
Conforme o Livro 1 do Guia de Desenvolvimento de Ecossistemas e Centros de Inovação editado pelo Governo de Santa Catarina, esse tipo de habitat é caracterizado da seguinte forma:
- “No contexto catarinense, o Centro de Inovação (CI) é uma comunidade (física ou virtual) que promove cultura inovadora e empreendedora, capacita pessoas para negócios e conecta agentes de inovação.
- Além disso, acomoda empreendedores inovadores, profissionais liberais, startups e laboratórios de PD&I por tempos limitados. Em seu período de passagem pelo Centro, o empreendedor recebe assessoria para desenvolver, prototipar, produzir e comercializar seu produto, processo ou serviço com alto valor agregado.
- O CI oferece espaço físico, infraestrutura tecnológica e um leque de serviços compartilhados para o empreendedor a fim de qualificar, facilitar e acelerar o desenvolvimento de negócios inovadores.“
A partir desta definição, é possível afirmar que um Centro de Inovação (CI) é uma espécie de ‘shopping center’ para o empreendedorismo inovador. Da mesma forma em que um consumidor vai a um shopping center porque encontra vários produtos e serviços em um só lugar – vestuário, eletrodomésticos, eletrônicos, alimentação etc. -, empreendedores podem buscar um CI porque lá podem contar com uma gama de serviços para suporte e geração de negócios, desde a capacitação mais básica, passando pela ideação e até à tração.
Cabe destacar que, conforme experiências bem sucedidas de CIs mundo afora, é importante entender que o processo não acontece ‘da noite para o dia’. Outro ponto a considerar é que a especialização (setorial ou temática) de CIs é muito importante para o sucesso desse tipo de habitat. A explicação reside no processo de desenvolvimento dos próprios ecossistemas. Considerando que as organizações estabelecidas são as que mais precisam inovar, para desenvolver pontos de vantagem competitiva que permitem sua sobrevivência e sucesso no mercado que hoje é global, em ecossistemas de sucesso elas se unem junto a outros atores, especialmente universidades, centros de pesquisa, associações empresariais, organizações públicas, entre outras. Essa união normalmente é temática ou setorial, dando origem a clusters econômicos para a inovação.
A partir disso, uma série de iniciativas começam a ser implementadas para estimular o desenvolvimento de negócios inovadores, com qualidade e quantidade. São serviços que atendem desde a capacitação para aquelas pessoas que querem empreender em negócios inovadores, até a criação de serviços que conectam os desafios de inovação das organizações participantes do cluster com os empreendedores e empreendedoras que participam das dinâmicas que são promovidas, considerando os diferentes estágios dos empreendimentos, a maior parte operando na forma de startups. E, de forma natural, essas iniciativas acabam sendo concentradas em locais muito próximos, às vezes em uma mesma edificação, pois isso facilita a comunicação com os atores e cria um mix de serviços de interesse do cluster e do ecossistema como um todo.
DA GOVERNANÇA À COMUNIDADE: AS FUNÇÕES DE UM CENTRO DE INOVAÇÃO
De acordo com o modelo catarinense, um Centro de Inovação deve considerar 10 diferentes funções concentradas em um local, que pode ser um prédio ou um conjunto de instalações muito próximas umas das outras. Para facilitar a implantação, o Livro 2 do Guia de Desenvolvimento de Ecossistemas e Centros de Inovação traz uma série de exemplos de serviços que podem ser desenvolvidos para viabilizar a execução de cada função, chamados de ‘subfunções’.
Cabe destacar que, dada a complexidade de um empreendimento desse tipo, é esperado que a implantação de todas as 10 funções aconteça de uma forma escalonada, ao longo de alguns anos. Mas, inicialmente, duas funções precisam ser estabelecidas antes de qualquer outra coisa: a Governança do Ecossistema e a Especialização inteligente. Ou seja, cria-se a governança setorial, vinculada ao ecossistema como um todo, envolvendo todos os atores do cluster que deve ser formado.
Os demais serviços podem ser implantados considerando uma lógica de um ‘caminho feliz’ do empreendedorismo inovador. Quem empreende pode achar estranho o uso da expressão ‘feliz’, dados os grandes desafios enfrentados, mas se deve compreender o sentido de um caminho mais linear, passando pelos principais serviços de suporte que visam reduzir as incertezas inerentes às startups e demais tipos de negócios inovadores. Claro que não se trata de uma regra geral, pois o caminho do empreendedorismo não é linear, mas ela cria uma lógica que estabelece o devido suporte para cada etapa de maturidade e sucesso das empresas geradas no ambiente.
Inicialmente, é necessário implantar serviços que estimulem a formação de redes de relacionamentos para empreender, juntamente com a capacitação de empreendedores e empreendedoras, para melhor prepará-los para a jornada que está por vir. Assim, o coworking, eventos de capacitação, os hackathons, meetups, bootcamps, e tantos outros formatos devem ser promovidos constantemente, sendo que as instalações devem disponibilizar os recursos físicos e tecnológicos necessários para que eles aconteçam. É fundamental atender a um grande volume de pessoas nessa etapa, para consequentemente estimular a geração de um grande número de ideias de negócios inovadores.
Uma vez conhecedores dos desafios das organizações participantes do cluster responsável pelo centro de inovação, empreendedores e empreendedoras precisam estruturar ideias de soluções inovadoras que, caso sejam desenvolvidas, podem representar grandes oportunidades de mercado, se tornando bons negócios, preferencialmente com alta possibilidade de escala no mercado.
Dessa forma, é importante que o centro de inovação disponibilize mais eventos que permitam aprofundar o conhecimento sobre os desafios de inovação do cluster, e que permitam desenvolver soluções inovadoras que serão transformadas em planos de negócio, a partir de processos chamados de ‘pré-incubação’ ou ‘pré-aceleração’, que consideram diferentes processos de validação junto aos potenciais clientes, com a participação ativa de mentores vindos das organizações participantes do cluster que gerou o CI.
PAPEL DOS CENTROS NO APOIO A STARTUPS
Em seguida, esses planos de negócio precisam se tornar empresas. Para tanto, uma série de mecanismos precisam ser ativados. Apesar do nome estar entrando em desuso, as incubadoras continuam sendo importantes – mesmo que com nomes mais atrativos, normalmente em inglês. São serviços que criam um ambiente mais seguro para as startups, protegendo-as de alguns riscos mais comuns. Incubadoras ajudam a melhorar as soluções (produtos/serviços) das startups, e oferecem diferentes serviços de suporte para preparar essas empresas a ‘andarem com as próprias pernas’. Adicionalmente, o Centro de Inovação precisa também disponibilizar serviços complementares, tais como acesso a recursos financeiros (investimentos ou crédito), contratação de pessoas, propriedade intelectual, laboratórios de prototipação, etc.
A ‘graduação’ do processo de incubação acontece quando a startup possui maturidade suficiente para escalar seus negócios sem a necessidade de ‘proteção’ que até então era disponibilizada. Então chega o momento de gerar oportunidades de negócios, buscar recursos e conexões para que as empresas graduadas alcancem ao máximo o seu potencial de crescimento em alta escala, tracionando seus negócios.
Novamente, o CI pode disponibilizar serviços adicionais para facilitar isso. Além do acesso a recursos financeiros (investimentos ou crédito), contratação de pessoas, e propriedade intelectual, é importante a criação de aceleradoras, laboratórios de inovação aberta para conectar startups com organizações estabelecidas, programas de internacionalização integrados a centros de inovação de outros países, missões nacionais e internacionais, entre outros que possam fazer sentido.
As startups que passam de forma bem sucedida por esse caminho acabam crescendo e não cabendo mais nas instalações do Centro de Inovação. No entanto, as pessoas que fazem parte dessas empresas, normalmente ficam com a vontade de continuar interagindo com as diferentes iniciativas do CI. Assim, de uma forma quase natural, cria-se a necessidade da implantação de centros empresariais ao redor do CI para abrigar as instalações desses negócios.
Outro ponto importante é pensar nos investimentos necessários para implantar as instalações e os serviços necessários para que o Centro de Inovação cumpra seus objetivos. Nesse ponto, é necessário que os diferentes atores do cluster busquem parcerias entre si e com os setores da construção civil e dos negócios imobiliários. Da mesma forma, também é necessário pensar no financiamento das operações do CI, de forma a sustentar todos os serviços em funcionamento no local, além de remunerar adequadamente os investimentos realizados para a sua implantação.
Com tudo isso, percebe-se que a implantação de todos esses serviços não é algo que acontecerá no curto prazo para novos Centros de Inovação. Além disso, é importante também levar em conta o nível de maturidade do cluster e do próprio ecossistema, pois isso impactará a capacidade de gerar boas ideias de negócios inovadores e, consequentemente, startups e outras empresas inovadoras em quantidade e com qualidade.
Em qualquer cenário, espera-se em torno de 3 a 5 anos, no mínimo, para que um CI tenha um mix mais completo de serviços. Quando isso acontecer, o cluster responsável pelo centro, e o próprio ecossistema local de inovação, passarão a sentir os efeitos positivos de um local que origina empresas bem sucedidas, com negócios inovadores altamente escaláveis.
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