Conheça a inovação que tem o potencial de ajudar as cidades a reduzir os prejuízos em dois campos bastante críticos: emissões de carbono e mobilidade urbana. Projeto criado pelo CEiiA, de Portugal, chega ao Brasil em parceria com Instituto Stela, da UFSC. / Foto: Alexander Popov (Unsplash)
[02.08.2022]
Por Marcus Rocha, Conselheiro e Especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação.
Escreve quinzenalmente sobre o tema no SC Inova.
Percebe-se que o clima está mudando em todo o mundo. Ondas de calor recorde, chuvas torrenciais, furacões, tornados, entre outros fenômenos meteorológicos de grande impacto, são cada vez mais frequentes e causam cada vez mais perdas humanas e materiais. Os mais pessimistas enxergam nisso o fim do mundo. Os inovadores vêem oportunidades para criar soluções.
Como os problema possui escala global, soluções que reduzam as emissões de carbono, ou que neutralizem as emissões já realizadas, tendem a ter mercados de alcance mundial. Isso por si só já é um atrativo e tanto e, adicionando uma pitada de idealismo e vontade de melhorar o planeta, torna a vontade de criar inovações ainda maior para muitas pessoas e organizações.
Para aqueles mais pragmáticos, pode-se também trazer um fator financeiro. O indicador “Custo Social do Carbono” (CSC), que representa os prejuízos financeiros futuros causados por cada tonelada de carbono emitida na atmosfera, é algo que pode ser considerado por organizações públicas e privadas.
Como o clima considera um conjunto muito grande de variáveis, os modelos de previsão e de avaliação de impacto ainda se mostram muito longe de alcançar uma precisão razoável, o que não parece ser diferente para o cálculo do Custo Social do Carbono. Em 2013 o Governo dos EUA estabeleceu um valor médio de 50 dólares de prejuízos a cada tonelada de carbono lançada na atmosfera, quantia questionável por vários segmentos da sociedade, dada a imprecisão dos cálculos.
Como a ciência também está evoluindo nessa metodologia. Em um artigo publicado em 2021 na Revista Nature, um grupo de nove pesquisadores norte-americanos e ingleses indicou alguns caminhos para a melhoria da precisão do cálculo do Custo Social do Carbono (CSC):
- O cálculo do CSC deve prever que os prejuízos ocorrem não apenas no país que emitiu a tonelada do carbono, mas em todo o mundo.
- Aumentar o número de variáveis e de fontes de informações para calcular o CSC, além de refinar as equações para o cálculo dos prejuízos.
- Considerar os impactos por setor econômico.
- Melhorar a quantificação das probabilidades e impactos dos riscos climáticos, e melhorar o mapeamento das incertezas.
- Considerar a equidade para cada localidade, considerando fatores como matriz energética, desenvolvimento social, economia etc.
- Reduzir os coeficientes de desconto dos cálculos atuais.
- Esclarecer as próprias limitações dos atuais instrumentos para cálculo do CSC, e estabelecer formas de evoluir constantemente a metodologia.
(I)MOBILIDADE URBANA DEMANDA INOVAÇÕES
Nas cidades, um dos grandes problemas relacionados à emissão de carbono é a mobilidade (ou imobilidade) urbana. Um estudo feito pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Fierj) estima que R$ 111 bilhões deixam de ser produzidos na economia anualmente, devido ao tempo perdido (114 minutos, em média) nos deslocamentos feitos em 37 áreas metropolitanas do país. Definitivamente, outra grande oportunidade para o desenvolvimento de inovações.
Percebe-se claramente que o assunto diz respeito a um tema já abordado nesta coluna, a inovabilidade. E, considerando que os efeitos das mudanças climáticas e os problemas de mobilidade urbana trazem grandes prejuízos para as cidades, os ecossistemas de inovação podem se movimentar para aproveitar as oportunidades para a criação de soluções que podem ajudar a resolver problemas locais, e que também podem ser escaladas globalmente.
Os ecossistemas de inovação de Portugal parecem estar atentos a essas oportunidades. Várias organizações do país estão fortemente engajadas em iniciativas de Cidades Inteligentes e também no Pacto Global das Nações Unidas (ONU), somando ao fato do atual Secretário Geral, António Guterres, ser de nacionalidade portuguesa. Nesse ponto destaca-se o CEiiA, Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produtos.
O CEiiA desenvolveu uma inovação que tem o potencial de ajudar as cidades a reduzir os prejuízos em dois campos bastante críticos: emissões de carbono e mobilidade urbana. A ideia surgiu a partir de um projeto que criou uma metodologia para quantificar a não-emissão de carbono a partir de modais mais sustentáveis que os veículos a combustão.
A partir disso surgiu o insight para incentivar hábitos individuais mais sustentáveis em termos de mobilidade urbana, criando uma forma de recompensar as pessoas que deixam seus veículos a combustão em casa, optando por modais que reduzem as emissões individuais de carbono e o impacto no trânsito, tais como metrô, trem, bicicleta, patinete, a pé, etc.
A metodologia se tornou um software e, com o uso de uma plataforma de blockchain, foi possível criar uma solução que, com confiabilidade, quantifica as não-emissões individuais de carbono para recompensar as pessoas.
RECOMPENSA AO COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL INDIVIDUAL
Ao deixar o carro em casa e optar por modais que emitem menos carbono tais como, por exemplo, bicicleta ou a pé, o usuário dessa plataforma ganha 1 token AYR a cada 100g de emissão de carbono evitada, o que é calculado de acordo com o modal de transporte sustentável utilizado. Os tokens AYR acumulados depois podem ser trocados por serviços. No caso de Itajaí (SC), primeira cidade do Brasil a receber a tecnologia, já é possível trocar os tokens por passagens de ônibus, sendo que outras possibilidades de troca estão sendo previstas. Em cidades da Europa que adotaram a tecnologia, é possível também trocar os AYRs no comércio local, onde vários estabelecimentos reconhecem o valor dessa moeda social.
No futuro, os tokens AYR poderão também ser trocados em exchanges de criptoativos, especialmente aqueles especializados em ativos sustentáveis. Por falar em sustentabilidade, o CEiiA tomou o cuidado de hospedar toda a infraestrutura de servidores da plataforma AYR em datacenters que utilizam apenas fontes renováveis de energia.
Percebe-se que, ao recompensar os comportamentos individuais, a plataforma AYR tem o potencial de colaborar com o uso de meios de transporte mais sustentáveis, que não apenas podem reduzir a poluição do ar e contribuir com menores emissões de gases causadores do efeito estufa, mas também com a melhoria do trânsito nas ruas e avenidas das cidades brasileiras.
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Com o incentivo ao uso de metrô, ônibus, bicicletas, patinetes, e até mesmo a pé, o AYR tem o potencial de retirar muitos carros do já sobrecarregado trânsito da maior parte das cidades. A criatividade, o ineditismo e o potencial efetivo de colaborar com cidades mais sustentáveis fez com que a plataforma AYR recebesse reconhecimento internacional, com destaque para a apresentação realizada na Conferência do Clima COP26 realizada em Glasgow, e as premiações do Google Impact Challenge on Climate e do Novo Bauhaus Europeu.
No Brasil, o parceiro escolhido pelo CEiiA para levar essa tecnologia para as nossas cidades é o Instituto Stela, uma instituição de ciência, tecnologia e inovação (ICTI) localizada em Florianópolis e que tem mais de 20 anos de experiência em projetos inovadores com impacto nacional e internacional. O AYR será somado a outras soluções criativas a serem desenvolvidas pelo Stela e seus parceiros, com o objetivo de promover de forma concreta a sustentabilidade em municípios de todo o país.
Juntos, CEiiA e Instituto Stela têm o potencial de levar mais sustentabilidade para além dos ambientes urbanos das cidades, incluindo também os ecossistemas locais de inovação. Isso pode acontecer porque o foco dessas instituições de inovação está na aplicação da solução AYR na mobilidade, e a tecnologia blockchain que foi desenvolvida, pode ser um framework para o desenvolvimento de outras soluções por parceiros que queiram trabalhar em oportunidades de incentivo à não-emissão de carbono em outras áreas, tais como geração de energia, gestão de resíduos, construção, etc.
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