Os avanços da modernidade vieram com muito alarde, impondo velocidade frenética às nossas vidas. Uma dinâmica que nosso sistema biológico está cobrando seu preço no físico e no emocional – porém, surge uma luz no fim do túnel… / Foto: JC Gellidon, Unsplash
[10.09.2021]
Por Alexandre Adoglio, CMO na Sonica e empreendedor digital.
Escreve sobre Cultura Digital para o SC Inova
[Artesanato] substantivo masculino
- arte e técnica do trabalho manual não industrializado, realizado por artesão, e que escapa à produção em série; tem finalidade a um tempo utilitária e artística.
- conjunto das peças de produção artesanal.
- conjunto dos artesãos de um determinado gênero.
- local onde se exerce ou ensina o artesanato.
- o produto final do trabalho feito pelo 1artesão.
Origem: ⊙ ETIM 1 artesão sob a f. rad. artesan- + -ato
Há não muito tempo fomos encorajados a desvalorizar tudo aquilo que não era pós-moderno. Os livros iriam desaparecer em detrimento dos leitores digitais, CDs e DVDs atropelariam os discos de vinil e o bolinho de chuva da sua avó iria sumir com o avanço da comida industrializada, abarrotando as prateleiras nos mercados pelo mundo. Aquele ritual de se preparar para ir ao cinema, com a melhor das roupas e reservando pelo menos o dia inteiro para levar a namorada ou família na matinê de domingo, começou a ser substituído pela paradinha na locadora, pipoca de micro-ondas e um desconto por entregar o VHS rebobinado ou o DVD na capinha correta.
Os avanços da tal modernidade vieram com muito alarde, e bem avisados, impondo velocidade frenética às nossas vidas, de início aos poucos e depois para este turbilhão de coisas sem sentido que fazemos, e consumimos, no nosso dia a dia. Uma dinâmica que nosso sistema biológico está cobrando seu preço no físico e no emocional, com uma infinidade de novos distúrbios nascendo devido à nossa tendência em priorizar o novo e sua dinâmica de descarte.
Porém, uma luz no fim do túnel surge aos poucos e vai tomando uma proporção benéfica ao longo do planeta, conduzindo milhões de pessoas a olharem melhor para si e seu entorno.
ARTESANATO DIGITAL
Erico Borgo é figura carimbada nas redes sociais há pouco tempo. Co-fundador do portal de cultura nerd Omelete, fez parte dos criadores dos maiores eventos do setor como CCXP – Comic Com, além de atuar fortemente no entretenimento digital com seu canal no You Tube e patrocínios de grandes marcas e estúdios de cinema. Pilhado e antenado com tudo o que pode ser online, Borgo começou a pouco tempo dividir sua rotina do lar, especificamente com suas tarefas envolvendo plantas e hortaliças, criando conteúdo rico sobre o tema no canal de Telegram da sua nova empresa.
Uma demonstração clara desta nova sinergia que aos poucos recebe adeptos e ganha tração, enquanto tira nossas mãos do teclado e enfia na terra fresca. Suporte possível graças à grande proliferação dos perfis em redes sociais, que permitem aos artesões de plantão não só demonstrarem suas habilidades como também utilizarem canais digitais de venda, que permitem o alcance de seus produtos e serviços em lugares e para pessoas jamais pensadas.
Exemplo que segue o estilista Cássio Chaves de Gaspar (SC), que utiliza os suportes digitais para divulgação, venda e customização de suas camisas sob medida em “Somente Projetos Especiais”. Outro case notável é o artista plástico Jean Tomedi, que transfere ao suporte digital sua galeria virtual (imagem abaixo), permitindo ao público conhecer melhor a sua arte através da vivência dentro do processo criativo, com suas dores, desafios e exploração de novas texturas e materiais. Vale muito assistir as lives deste artista blumenauense em câmera parada ao som de jazz, enquanto explora nuances do concreto ou do aço.
Caminho também explorado pelo catarinense Caina Gartner que demonstra no seu dia a dia a paixão por realizar seu trabalho e como a arte está intrinsecamente ligada à tecnologia, em que ele explora de forma lúdica em madeira diversos ícones da cultura pop, como Ayrton Senna, Mickey Mouse, além de compor seu próprio personagem, o PNDAs.
Uma nova forma de comunicar e entreter ao mesmo tempo, bem explorada no livro “Mostre o seu Trabalho”, de Austin Kleon, que aborda como o compartilhamento da rotina do artesão pode colaborar não só com o seu auto-conhecimento como também abrir portas e alavancar novos negócios.
A REVALORIZAÇÃO DO LÚDICO
Serralheria, jardinagem, marcenaria, maquiagem e churrasco. O saber de utilizar as mãos para obter um trabalho de qualidade vem sendo valorizado como nunca nesta era de fast-food, blockbusters e auto-tune. É fato o ressurgimento de saberes offline que nos reconectam com a formação de nossa identidade, talvez num fluxo de vida para nos preparar a uma próxima fase da evolução unindo homem e máquina.
Com a aceleração digital dos últimos anos fomos atropelados por forças online além da nossa capacidade de absorção, sabotando circuitos do nosso cérebro que não nasceram digitalizados e conectados a tudo o tempo todo.
Estamos revalorizando antigos hábitos, como os identificados no livro “A Vingança dos Analógicos” de David Sax, que de forma visionário observou o renascimento dos antigos itens de consumo analógico e comportamentos offline. Quantos de nós trocariam qualquer rede social por uma boa mesa de bar ou mesmo aquele passeio no parque com a família, claro fazendo uma selfie aqui e ali.
TECNOLOGIA A SERVIÇO DA HABILIDADE MANUAL
Ferramenta usual para profissionais de arquitetura, decoração e afins, o digital está abrindo uma nova fronteira para elaboração de projetos e inovação em técnicas construtivas, permitindo aos profissionais da área avançarem em novas propostas de habitação. Idealizado pelo CCA – California College of Artes, o programa de mestrado Digital Craft Foward propõe liderar os campos emergentes de arquitetura e design urbano com uma prática interdisciplinar de novas tecnologias.
Em 2019, na feira internacional de arte para artesanato e design moderno em Londres, os designers de móveis britânicos John Makepeace e Gareth Neal se reuniram para uma discussão sobre a natureza atual do artesanato e da inovação tecnológica, juntamente com Sarah Myerscough, a galerista londrina conhecida por ser uma das primeiras a dar aos objetos artesanais contemporâneos uma exposição de Belas Artes.
John e Gareth são designers progressistas e contemporâneos que adotam a tecnologia digital em seu processo de fabricação. No entanto, sua perspectiva e abordagem para fazer são ligeiramente diferentes. Segundo eles, o artesanato em móveis de madeira há muito está preso aos velhos métodos de processamento do século XVII. A tecnologia hoje empurra o que é possível em woodcraft de maneiras ilimitadas. E as enormes mudanças na tecnologia trazem novas oportunidades para os artesãos.
O termo The (Digital) Craftsman, aponta que ao explorar o pensamento háptico e a sabedoria intuitiva de trabalhar com as mãos, passamos para a noção mais ampla de artesanato e sua relevância hoje. Normalmente, quando pensamos em artesanato, o “feito à mão” imediatamente vem à mente. No entanto, vivemos em uma era cada vez mais acelerada e digitalizada. Como essa mudança afeta a posição do artesão, a definição de habilidade e seu valor?
Etimologicamente, o artesanato deriva da antiga palavra inglesa craft, que significa força ou habilidade. Em seu livro “The Craftsman”, o sociólogo Richard Sennett oferece uma definição adicional: “Craftsmanship nomeia um impulso humano básico e duradouro, o desejo de fazer bem um trabalho pelo seu próprio bem.” De acordo com Sennett, o domínio do artesanato conecta atividades tão não relacionadas como música, cerâmica, culinária e programação de computadores. Sua essência é uma noção de qualidade incorporada que evolui de dedicar tempo para fazer algo bem – o que, em troca, é profundamente fundamentado e satisfatório para o fabricante e também para o usuário, e honra os recursos envolvidos no processo.
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A definição de Sennett aponta para um dos principais desafios para o artesanato no mundo acelerado de hoje: o que acontece com uma cultura em que a implicação de tempo e reflexão foi substituída por lucro e crescimento, e como isso é ainda mais afetado por uma digitalização em expansão?
A IMPORTÂNCIA DE DESCONECTAR
E para pensarmos um pouco melhor nesta tendência, podemos observar o crescente custo dos serviços manuais, seja do pintor que você precisa ou mesmo de um redator para um portal de notícias. Isto se dá pela grande migração de interesse para o online que aconteceu e a vontade da maioria pelos serviços de escritório, que permitem o sustento através de teclados, mouses e reuniões.
Porém, tanto a evolução da automatização de processos como a da Inteligência Artificial estão comoditizando o trabalho “bunda na cadeira” e revelando um futuro onde um sapateiro poderá ganhar mais que um advogado.
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