[OPINIÃO] Financiamento de Ecossistemas de Inovação

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[OPINIÃO] Financiamento de Ecossistemas de Inovação

O mais importante é que os atores do ecossistema local de inovação tenham algum nível de organização para articular e coordenar todas as frentes de trabalho. Ou seja, precisam criar algum nível de Governança para organizar as atividades de inovação no território.

O mais importante é que os atores do ecossistema local de inovação tenham algum nível de organização para articular e coordenar todas as frentes de trabalho. Ou seja, precisam criar algum nível de Governança para organizar as atividades de inovação no território.


[28.08.2024]

Por Marcus Rocha, Especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação. Escreve mensalmente sobre o tema no SC Inova. 

Por se tratar de uma atividade empreendedora, é fundamental compreender que a inovação depende intensivamente de recursos econômicos e financeiros. Independentemente de ser uma inovação comercial, social ou governamental, sempre será necessário algum nível de investimento.

Inicialmente é importante diferenciar os recursos financeiros dos econômicos, pois, apesar de serem próximos, não são sinônimos. Os recursos financeiros são aqueles relacionados diretamente ao capital, ao dinheiro. Já os recursos econômicos são ativos que geram, ou que podem ser convertidos em, dinheiro. Ambos os tipos de recursos são importantes para as atividades relacionadas ao empreendedorismo inovador.

Para que um território seja um terreno fértil para o desenvolvimento de empreendimentos inovadores, além da cultura empreendedora, dos relacionamentos entre os atores de categorias tais como Empresas, Governo, Academia, Sociedade Civil Organizada, entre outras, e dos próximos empreendedores, é necessário dispor de recursos econômicos e financeiros. Ou seja, é necessário garantir o financiamento das diferentes atividades empreendedoras que ocorrem em um Ecossistema Local de Inovação, tanto para garantir acesso direto a diferentes opções de capital (venture capital, crédito, subvenções, etc.), quanto a tecnologias, equipamentos, laboratórios e tantos outros recursos econômicos importantes. 

Este artigo se dedica a trazer ideias apenas sobre recursos financeiros.

É importante relembrar que um Ecossistema Local de Inovação não é uma entidade ou um local. É um modelo abstrato, cujo conceito foi ‘emprestado’ da Biologia para explicar as relações socioeconômicas que precisam ocorrer entre ‘seres’ (pessoas físicas e jurídicas de diferentes setores) para que a inovação aconteça de maneira sistemática em um território. Tal movimento é necessário para desenvolver, de maneira contínua, novos produtos, serviços, processos etc., que possam gerar vantagem competitiva sustentada para as organizações já estabelecidas no território, além de criar novos empreendimentos inovadores e, portanto, altamente competitivos.

Portanto, quando se fala em financiamento de ecossistemas de inovação, deve-se compreender que os sujeitos são empreendedores independentes ou organizações (privadas ou públicas) que buscam recursos financeiros para inovar em um determinado território. Ou seja, quem recebe o dinheiro são atores do ecossistema, que precisam de capital para realizar atividades que, tipicamente, se dividem em duas categorias principais:

  • Apoio ou incentivo ao empreendedorismo inovador: são diferentes iniciativas que atendem a vários empreendimentos inovadores ao mesmo tempo, com propósitos relacionados a pesquisa aplicada, capacitação de empreendedores, redução de riscos, ou maximização das chances de sucesso de inovações. Esse tipo de atividade normalmente está relacionada a metodologias específicas, bem direcionadas a uma das etapas da jornada do empreendedorismo inovador. Como exemplos desse tipo de atividade temos pré-incubadoras, incubadoras, aceleradoras, entre outras.
  • Empreendedorismo inovador direto: são os empreendimentos inovadores propriamente ditos, sejam startups, ou não. Esses novos empreendimentos podem ser criados dentro de organizações já existentes, ou se tornarem novas empresas.

É importante compreender as diferenças conceituais e operacionais para essas duas categorias principais, pois as fontes de recursos e a própria forma de aplicação tendem a ser bastante diferentes. O mais importante, no entanto, é que os atores do ecossistema local de inovação tenham algum nível de organização para articular e coordenar todas as frentes de trabalho em prol do empreendedorismo inovador. Ou seja, precisam criar algum nível de Governança para organizar as atividades de inovação no território. 

A recomendação é que, no início, as estruturas de Governança sejam desenvolvidas para atender às necessidades de inovação das principais vocações econômicas do território, para buscar reforçar a competitividade das organizações daqueles setores ou segmentos que ‘sustentam’ a economia do território.

O MODELO DA QUÁDRUPLA HÉLICE

São as diferentes instâncias da Governança do ecossistema local de inovação que devem desenvolver as estratégias que serão materializadas nas atividades inovadoras no território. Especialmente em relação à disponibilidade de capital, devem elaboradas estratégias específicas, desdobradas em táticas e operações que garantam qualidade e quantidade de recursos financeiros, de diferentes fontes, para suprir as necessidades de todas as atividades que serão necessárias para a promoção do empreendedorismo inovador no território.

Para garantir equilíbrio na participação dos atores locais na Governança, pode-se utilizar como referência o modelo da quádrupla hélice, que é o mais utilizado atualmente para explicar quais as categorias de atores de um ecossistema de inovação. Este modelo propõe a participação de Empresas, Governo, Academia e Sociedade Civil Organizada, que tanto devem participar em igual medida das decisões do ecossistema, quanto precisam buscar disponibilizar recursos financeiros para a inovação. Assim, idealmente, 1/4 do volume total de investimentos deve ser de responsabilidade de cada uma dessas “hélices”.

A jornada do empreendedorismo inovador é um dos modelos que podem ser utilizados pelas Governanças e pelos responsáveis por atividades inovativas para identificar a melhor fonte de recursos financeiros. Além das etapas previstas nesta jornada, também é importante considerar os investimentos na pesquisa e no desenvolvimento de novas tecnologias, que posteriormente poderão ser aplicadas em empreendimentos inovadores.

As principais etapas da jornada do empreendedorismo inovador. Fonte: Sebrae

Tanto no nível das atividades de apoio ou incentivo ao empreendedorismo inovador, quanto para os empreendimentos inovadores em si, o financiamento das ações de pesquisa e desenvolvimento (P&D) tecnológico normalmente tem origem em recursos públicos, seja por editais, mecanismos de renúncia fiscal ou outros tipos de subsídio ou subvenção. As Fundações de Amparo à Pesquisa (FAP) de cada unidade da federação do Brasil, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Governo Federal, entre outras organizações públicas, oferecem regularmente oportunidades de financiamento de ações de P&D, seja em termos de infraestruturas (laboratórios, instalações físicas, equipamentos, etc.), ou para projetos em si. 

Quando o financiamento ocorre por meio de subvenção, são lançados editais específicos, que normalmente exigem contrapartidas econômicas ou financeiras dos proponentes. Também há casos de oferta de crédito com juros subsidiados. Além disso, a Embrapii também oferece um modelo de financiamento de P&D bastante interessante e que já foi tratado nesta coluna.

O PAPEL DOS RECURSOS PÚBLICOS

Considerando a jornada do empreendedorismo inovador, na etapa de Curiosidade a maior parte dos recursos investidos tem origem pública. Nesta fase, o importante é instrumentalizar os candidatos a empreendedores, descobrir desafios reais que podem representar oportunidades para desenvolver inovações, e conectar tecnologias em desenvolvimento com ideias de soluções inovadoras. As capacitações e eventos realizados para atender às necessidades desta etapa, normalmente são financiadas com recursos públicos a partir de editais lançados pelas Fundações de Amparo à Pesquisa, ou por Secretarias Municipais ou Estaduais que apoiam o empreendedorismo. Organizações do ‘Sistema S’, como o Sebrae, também realizam muitas ações nesta etapa. Esses recursos podem ser complementados por patrocínios vindos da iniciativa privada.

A etapa de Ideação da jornada do empreendedorismo inovador visa qualificar ideias de empreendimentos inovadores. Neste momento é importante verificar se o desafio é real e atinge um público relevante e, se for, se a proposta de solução é efetivamente inovadora e viável, tanto em termos tecnológicos, quanto mercadológicos, de negócios, regulatórios, etc. Se ‘sobreviver’ a todas essas validações, o empreendimento estará mais preparado para ser concretizado e formalizado.

Nesta etapa ainda há a predominância de financiamentos de origem pública, principalmente por causa do alto nível de incerteza de sucesso percebidos, bem como de uma certa falta de cultura da iniciativa privada nos investimentos em empreendimentos com maior risco. Atividades de apoio ou incentivo ao empreendedorismo inovador, principalmente as pré-incubadoras, na sua maioria são financiadas por repasses de dinheiro público, mas é cada vez mais frequente o co-financiamento com entidades empresariais e empresas. Importante destacar que, em alguns casos, as empresas podem utilizar recursos de renúncia fiscal para os aportes nesse tipo de iniciativa. De uma maneira geral, iniciativas de para a etapa de ideação, como as pré-incubadoras, se tornam atraentes para o capital privado quando são temáticas e orientadas aos mercados das potenciais empresas apoiadoras.

Empreendedores também podem acessar recursos públicos para financiar as atividades da etapa de ideação, para transformar uma ideia de inovação em, pelo menos, um mínimo produto viável. Um bom exemplo é o Programa Centelha, que promove editais em várias unidades da federação do Brasil, normalmente pelas respectivas Fundações de Amparo à Pesquisa (FAP). Também há casos de renúncia fiscal para esta finalidade, sendo o Programa de Incentivo Fiscal à Inovação, criado pela Lei Municipal de Inovação de Florianópolis, um caso de sucesso interessante.

QUANDO OS INVESTIMENTOS PRIVADOS COMEÇAM A ENTRAR

Os empreendimentos inovadores que passaram com sucesso pela etapa de ideação precisam sobreviver à fase de Operação, que, na jornada do empreendedorismo inovador, prevê a validação do negócio por meio da conquista de clientes/usuários e de um modelo de negócios sustentável. Neste momento, o importante é garantir a transformação da inovação em um efetivo empreendimento inovador, quando não apenas o produto ou serviço passa a ser desenvolvido para buscar o ‘product market fit‘ (produto que atende plenamente à necessidade do mercado alvo). Também precisam ser desenvolvidas questões relacionadas a marketing, gestão, pessoas, finanças, contabilidade, entre tantos outros aspectos importantes para que o empreendimento sobreviva. 

As incubadoras são o principal exemplo de atividade de apoio ou incentivo ao empreendedorismo inovador na etapa de Operação, junto com programas de capacitação ou consultoria específicos para empreendimentos nesta fase. O financiamento também é normalmente de recursos de origem pública, mas percebe-se cada vez mais recursos privados para esse tipo de atividade, especialmente em incubadoras com teses de investimento bem definidas. Também nota-se o surgimento cada vez maior de ‘venture builders‘ no Brasil, para desenvolver empreendimentos inovadores na etapa de Operação, sendo que praticamente todos esses têm origem privada e com tese de investimento bem definida.

No setor privado, algumas soluções criativas começam a aparecer, tal como o crédito garantido por contratos comerciais, ou fundos garantidores criados por entidades empresariais que apoiam a inovação.
No setor privado, algumas soluções criativas começam a aparecer, tal como o crédito garantido por contratos comerciais, ou fundos garantidores criados por entidades empresariais que apoiam a inovação. / Imagem: SC Inova/DALL-E

Sob a ótica dos empreendimentos inovadores, individualmente, é nesta etapa em que a oferta de recursos de origem privada começa a acontecer. A principal fonte privada vem dos chamados ‘Intestidores Anjo’, pessoas físicas que percebem que com um aporte de capital junto com os seus conhecimentos e redes de contatos podem colaborar de maneira importante com o crescimento do empreendimento inovador investido. As plataformas de Crowdfunding, com a promoção de microinvestimentos coletivos, também passam a ser uma opção cada vez mais presente. 

Algumas organizações, com recursos públicos e/ou privados, passaram a desenvolver veículos de investimentos para empreendimentos inovadores neste estágio, com destaque para o ‘Inova Startups’ do Sebrae e o ‘Finep Startups’. Veículos privados também vêm cada vez mais buscando identificar negócios que estejam com bom desempenho nesta etapa, se preparando para o próximo estágio; para esses casos, há cada vez mais disponibilidade do chamado ‘capital semente’ (seed capital).

Mas nem só de capital empreendedor vive um empreendimento inovador; o crédito financeiro muitas vezes é uma boa opção, principalmente com a predominância de contratos de mútuo conversível utilizados por investidores anjo ou veículos de investimentos, que frequentemente trazem algumas armadilhas para os empreendedores. No entanto, há o desafio da ausência de garantias por parte de boa parte dos empreendimentos inovadores para a obtenção de crédito financeiro. A boa notícia é que bancos de fomento estatais começam a oferecer linhas de crédito específico para empreendimentos inovadores, como o BNDES Garagem. No setor privado, algumas soluções criativas começam a aparecer, tal como o crédito garantido por contratos comerciais, ou fundos garantidores criados por entidades empresariais que apoiam a inovação.

SUPERANDO O RISCO

Evoluindo para a etapa de Tração da jornada do Empreendedorismo inovador, se percebe uma predominância de opções de financiamento com capital de origem privada. Nas atividades de apoio ao empreendedorismo inovador, apesar de alguns Programas de Capacitação específicos para empreendimentos neste estágio serem financiados com recursos públicos, a absoluta maioria das Aceleradoras e serviços similares são privadas. O motivo é relativamente simples de compreender: neste estágio, boa parte do risco dos empreendimentos inovadores já foi superada, tornando esses negócios muito mais atraentes para o capital privado.

Isto também é valido, portanto, para os empreendimentos em si, que podem contar com várias opções de venture capital (capital empreendedor) e de crédito privado para financiamento. Empresas e veículos de investimentos maiores e mais agressivos também têm buscado financiamento para operações de Fusões e Aquisições de empreendimentos inovadores promissores e que estejam nas suas respectivas teses de investimento. As opções de financiamento neste estágio dos empreendimentos inovadores passam a ser mais diversas e, por vezes, complexas para os leigos no assunto. Opções como ‘debêntures conversíveis’, ‘certificados de recebíveis’, entre outras, podem estar no radar dos empreendedores, todos com o objetivo de  transformar o empreendimento inovador em um negócio de sucesso, uma ‘estrela’. 

Nesta etapa dos empreendimentos inovadores também surge o desafio de oferecer liquidez para os investidores que aportaram recursos financeiros nos estágios anteriores. Como no Brasil as ofertas públicas iniciais de ações em bolsa de valores (initial public offering, ou IPO) são muito raras, se começa a perceber o surgimento de mercados secundários para a compra e venda de cotas de capital social de empresas de capital fechado, incluindo startups e outros empreendimentos inovadores. Tal possibilidade começa a ser real a partir do uso de tecnologias como blockchain, com o acompanhamento próximo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulatório brasileiro que tem aplicado bem o mecanismo de Sandbox Regulatório do Marco Legal das Startups.

Claramente nota-se que o assunto do financiamento das ações relacionadas ao empreendedorismo inovador em ecossistemas é algo da maior importância, ao mesmo tempo que possui uma complexidade grande. As Governanças têm uma responsabilidade grande para, pelo menos, mostrar os caminhos disponíveis para pessoas físicas ou jurídicas que precisam de capital para financiar suar atividades, sejam elas coletivas, para apoio ao empreendedorismo inovador, sejam os empreendimentos inovadores individualmente. 

A falta de informação das opções de disponibilidade de capital, de capacitação e de suporte para a obtenção dos recursos financeiros pode inviabilizar a geração de empreendimentos inovadores no território e, como consequência, coloca em risco o futuro do ecossistema local de inovação. É por isso que a Governança, coletivamente, precisa garantir que isto seja estratégico e prioritário.

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