Ecossistemas dinâmicos e o CPSI: chaves para contratar soluções inovadoras para cidades inteligentes

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Ecossistemas dinâmicos e o CPSI: chaves para contratar soluções inovadoras para cidades inteligentes

As primeiras experiências no país do Contrato Público para Solução Inovadora, ferramenta de suma importância para novas tecnologias no setor público, foram tema de um dos painéis do Smart City Expo Curitiba 2023.

As primeiras experiências no país do Contrato Público para Solução Inovadora, ferramenta de suma importância para desenvolver novas tecnologias para as cidades, foram tema de um dos paineis do Smart City Expo Curitiba 2023. / Foto: Divulgação SCEC 2023


[28.03.2023]


Por Marcus Rocha, especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação e Gerente de Inovação e Startups do Sebrae/SC.
Escreve quinzenalmente sobre o tema no SC Inova. 

A edição de 2023 do Smart City Expo Curitiba, que encerrou na última sexta (24), teve como tema principal as conexões entre cidades, pessoas e tecnologias. Em uma das tardes do evento o autor desta coluna teve a responsabilidade de moderar alguns painéis relevantes no contexto do evento. Um deles teve o título de “O que as cidades precisam do setor privado para implementar projetos de cidades inteligentes?” e contou com a participação de Daniella Abreu, presidente do World Trade Center Sul, e de Bruno Portela, Procurador Federal vinculado ao Ministério da Economia.

Um dos pontos de destaque neste painel foi a importância dos ecossistemas locais de inovação neste contexto de contratação de inovações, para cidades mais inteligentes. Inicialmente, deve-se partir da realização periódica de diagnósticos sobre os desafios das cidades. São tipicamente problemas cujas soluções atuais de mercado não são satisfatórias, ou oportunidades para melhorar a gestão pública ou os serviços públicos. 

Percebe-se que tal pauta ainda não aparece como prioridade na maior parte das cidades. Nesse sentido, os participantes do painel destacaram a importância de um ecossistema local de inovação forte e atuante, onde todos os atores, de todas as ‘hélices’ – administração pública, iniciativa privada, academia e sociedade civil -, cobrem do poder público municipal a realização desses esforços e ajudem nesse trabalho. Com isso, a base de conhecimento em relação aos desafios municipais que podem receber inovações e, assim, tornar a cidade mais inteligente, passam a ser compartilhados com toda a sociedade. Isso garante uma possibilidade maior de prioridade da pauta da inovação para a administração pública do município e dá maior robustez à continuidade das ações, já que a base de conhecimento passa a ser efetivamente pública, e não apenas restrita às equipes de cada mandato.

Quando o painel entrou no assunto de contratação de inovações, vários mecanismos foram citados, com destaque para o Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI). Aproveitando a alta qualidade dos painelistas e do público presente, o moderador do painel e autor desta coluna aproveitou para trazer algumas das questões levantadas na série de artigos sobre pontos em aberto sobre o Marco Legal das Startups.

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Apenas relembrando, o CPSI é uma nova modalidade de licitação introduzida pela Lei Complementar Federal 182 de 2021, o Marco Legal das Startups. Ela prevê um processo de compra em duas fases. Na primeira fase, o edital de licitação pode ser principalmente orientado a desafios ou problemas, quando não se tem clareza de alguma solução; pode ser selecionada uma ou mais soluções com potencial para solucionar o desafio proposto, que assinam o Contrato Público para Solução Inovadora, com vigência de 12 meses, renováveis por igual período, e valor de até R$ 1,6 milhão (corrigidos pelo IPCA).

Se o desafio foi proposto foi adequadamente resolvido nesta fase, não há a necessidade de realizar novo procedimento licitatório; deve ser selecionado a melhor solução (apenas 1) para a assinatura de um contrato de fornecimento da solução com duração de 24 meses, prorrogáveis por igual período, e valor de até R$ 8 milhões (também corrigidos pelo IPCA).

DESAFIOS DE INOVAÇÃO SÃO SIMILARES ENTRE OS MUNICÍPIOS BRASILEIROS

Uma das questões levantadas durante o debate abordou o compartilhamento dos CPSI executados com sucesso, com a oportunidade de criar uma base nacional, principalmente porque os diversos órgãos da administração pública existentes no Brasil possuem desafios de inovação similares, especialmente as Prefeituras. Nesse sentido, a boa notícia é que o Portal de Compras Públicas de Inovação (https://inovacpin.org/), além de ter o melhor guia para administradores públicos que queiram utilizar o CPSI, há a previsão de que esta plataforma também seja o concentrador nacional de casos de sucesso, servindo como referência para gestores públicos que também queiram utilizar o mesmo instrumento. No entanto, como a funcionalidade ainda não está consolidada no portal, que apenas possui uma biblioteca para diferentes tipos de conteúdos, resta a expectativa de que essa ideia seja incorporada lá.

Também foi provocado o debate sobre outro ponto em aberto do CPSI, ao trazer a situação de órgãos públicos que possuem desafios de inovação similares. Foi dada como exemplo a mesma situação já descrita nesta coluna anteriormente:

  • O município A fez licitação nessa nova modalidade, para buscar inovação para resolver um problema de saneamento básico. Após selecionar uma inovação que passou pela fase de CPSI de forma bem-sucedida, assinou o contrato de fornecimento.
  • O município B, vizinho do município A e com o mesmo problema de saneamento, ficou sabendo da inovação durante a fase de CPSI. Ao saber que o município A assinou contrato de fornecimento, quer também contratar a mesma solução.

A resposta dada pelo painelista que participou do processo de elaboração do CPSI primeiramente mostrou um desalinhamento dos legisladores federais com a realidade dos municípios, mas também foi esclarecedora. Primeiro, a intenção do CPSI foi incentivar a rápida escalabilidade de startups, para que rapidamente deixassem de ser micro ou pequenas empresas, ganhando ‘musculatura’ a partir de um contrato com a iniciativa pública. Assim, a expectativa dos legisladores é que a maior parte dos processos licitatórios que utilizassem o CPSI estariam próximos dos valores máximos, de R$ 1,6 milhão na fase de testes e de R$ 8 milhões na fase de contratação.

Smart City Expo Curitiba 2023 também foi espaço para apresentação de novas tecnologias para as cidades.
Smart City Expo Curitiba 2023 também foi espaço para apresentação de novas tecnologias para as cidades. / Foto: Divulgação

Ainda de acordo com o raciocínio implantado pela equipe que redigiu o texto do CPSI, após o primeiro processo de compra, a solução inovadora contratada passaria a ser uma solução ‘de mercado’. Assim, outros órgãos da administração pública poderiam fazer a contratação dessa inovação utilizando outros meios mais tradicionais de licitação: se não houver soluções concorrentes no mercado, pode ser feito via dispensa de licitação; se houver soluções concorrentes, pode ser realizado por meio de concorrência ou pregão.

RISCOS PARA A CONSOLIDAÇÃO DO CPSI

Aqui surge o desalinhamento da percepção dos legisladores federais com a realidade da maior parte das Prefeituras. Primeiro, os orçamentos municipais para a aquisição de tecnologias, sejam já consolidadas ou inovadoras, são muito inferiores a esses limites do CPSI, especialmente para municípios de pequeno porte. Assim, é muito mais provável que as licitações com CPSI na fase de teste estejam na casa das dezenas de milhares de reais, com contratações na faixa de poucas centenas de milhares de reais. Com isso, as startups ficam longe da intenção inicial dos legisladores, continuando a ser micro ou pequenas empresas.

Segundo, a realização de compras públicas pelas Prefeituras por meio de dispensa de licitação é algo muito raro. Em geral, os servidores públicos que se responsabilizam por contratações evitam ao máximo essa modalidade de compras públicas, pois há uma sensação de medo em relação à atuação excessivamente repressiva dos órgãos de controle, provocando insegurança jurídica nas compras públicas e inovação. Diferente das estruturas de assessoramento jurídico de Estados e do Governo Federal, os Municípios possuem recursos muito mais limitados nessa área, deixando os servidores públicos muito mais expostos, mesmo que façam tudo dentro dos limites legais.

Assim, a partir desse rico debate realizado durante o Smart City Expo (leia aqui outras matérias que publicamos sobre o evento), foi possível perceber duas frentes de trabalho com oportunidades para melhorar o ambiente para as contratações de inovação com potencial para tornar as cidades mais inteligentes. Inicialmente, os ecossistemas de inovação devem trabalhar junto com os diferentes órgãos da administração pública que trabalham no território do município, para manter uma base de conhecimento constantemente atualizada em relação aos desafios que representam oportunidades para inovar. Uma vez que essa base está abastecida e atualizada, deve-se buscar dar segurança jurídica para as contratações de inovação, seja pelo CPSI ou outro mecanismo. 

Ao mesmo tempo, também há a oportunidade para melhorar a atual legislação para as compras públicas de inovação, especialmente o próprio CPSI, considerando também o contexto das prefeituras, que representam o maior volume para contratações de inovação, mas ao que parece não estão devidamente atendidas na atual legislação.

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