Os NFTs (tokens não fungíveis) de característica PFP (Profile Picture) já são uma forma genuína de comprovar que determinado perfil é realmente do usuário/carteira que o denomina./ Foto: Rodion Kutsaiev na Unsplash
[25.11.2022]
Por Alexandre Adoglio, CMO na Sonica e Diretor no grupo Marketing&Vendas/ACATE Startups.
Escreve quinzenalmente sobre Cultura Digital para o SC Inova.
Nem tão logo assumiu o Twitter, Elon Musk já se deparou com vários conflitos internos e externos, que deveriam ser endereçados caso precisasse colocar seu histórico de empreendedor genial a prova. Além de combater uma tóxica cultura wookie que havia tomado conta da plataforma nos últimos anos, Musk precisava de modo urgente sanar o fluxo de caixa pois análises começavam a demonstrar um preocupante movimento descendente no resultado da companhia.
Começando pelo característico show de relações públicas, adentrando o HQ da empresa com uma pia na mão (“let that sink in” algo como “deixar a ficha cair”) e revitalizando contas banidas como do ex-presidente Donald Trump, o empresário começa a definir metas agressivas, enxugando áreas inteiras com demissões, revisando a produtividade dos desenvolvedores de códigos e pensando em novas maneiras de acelerar o faturamento. Então, de forma monocrática, decidiu ampliar o serviço de pagamento por conta verificada, aquela identificação azul que certifica a conta em questão como sendo verdadeira de quem se diz que é. Ou deveria.
Oferecer a chance de colocar um crachá “verificado” em qualquer conta levou a uma ampla falsificação de identidade de funcionários do governo, corporações e celebridades. O caos resultante, que levou a trotes memoráveis de contas que se apresentavam como Eli Lilly, Tesla, Lockheed Martin e outros, desencadeou a retirada de anunciantes e uma sensação geral de que a plataforma havia mergulhado no caos.
No caso da Eli Lilly as ações despencaram 4%, após um perfil falso da empresa no Twitter anunciar distribuição gratuita do tratamento de insulina, um dos principais negócios da gigante farmacêutica. Investigando o fato descobriu-se que alguém comprou o tal selo azul de conta verificada e montou um perfil idêntico da Lilly, passando-se por esta em twetts pra lá de promocionais.
Fato marcante em nossa trajetória de identificação pessoal, que migra do mundo real para o virtual, sem o cuidado necessário para proteger todos envolvidos.
QUEM SOU EU NA IDENTIDADE DIGITAL?
Com a virada da nossa rotina diária para o digital, tornou-se impossível não lidarmos com pelo menos um sistema de login/senha por dia. Não somente pelas redes sociais em si, mas no momento em que você liga seu smartphone seu id digital já começa a trabalhar, logando no sistema operacional do aparelho e ativando coisas que nem passam pela sua cabeça, como por exemplo a velocidade que você está, sua geoposição, a temperatura e pressão atmosférica e, até mesmo, dados biológicos para quem tem plugado um smartwatch no pulso.
Pois então, tudo isso só é possível pois existe um outro você no ambiente digital. E não estamos falando aqui de nenhum hype como metaverso e seus avatares, mas sim uma identidade digital completa, irmã gêmea da sua identidade IRL (in real world). Fora as questões éticas e legais, temos um panorama complexo para assegurar quem é você nesta identidade digital, desde coletar corretamente e validar os dados de configuração desta propriedade até protegê-la dos vários ataques que sofrerá na sua vida eterna. Sim, seu ID digital não morrerá. Ou você já foi convidado para algum enterro digital?
Um estudo da Juniper Research do Reino Unido determinou que os gastos com verificações de identidade digital sairão dos atuais US$ 11,6 bilhões para US$ 20,8 bilhões globalmente em 2027. A previsão é que esse crescimento será impulsionado pela crescente prevalência de serviços digitais que exigem jornadas de integração digital e pela crescente necessidade de sistemas de verificação de identidade mais avançados e robustos diante do aumento da fraude.
A verificação de identidade digital é onde a identidade é verificada usando elementos verificáveis, como varreduras de selfie, verificações de endereço e autenticação baseada em conhecimento. Um grande mercado que está sendo endereçado por gigantes do setor como Microsoft, mas vem sendo desenhado de fato por empresas especializadas, como a paulista ID Wall, que tem uma trajetória discovery que fundamentou em muito todas as interfaces que temos em nossa rotina digital.
E não é perturbador escanear seu próprio rosto para abrir uma conta ou perfil em algo tecnológico, que deveria ter uma fricção zero como produto inovador? Acredite que todo e qualquer aborrecimento tem como objetivo te proteger. Dados atualizados pela FICO, empresa especialista em softwares de análises preditiva, demonstra que mais de 6 mihões de brasileiros foram vítimas de identidade roubada nos últimos anos. A pesquisa foi realizada com 14.000 consumidores em 14 países, entre eles Brasil, EUA, Canadá, Reino Unido, África do Sul, Alemanha, Suécia, Indonésia, Filipinas, Malásia, Tailândia, Colômbia, Peru e México. Neste âmbito temos os roubos via emails falsos, links de whatsapp e até telefonemas solicitando dados críticos de segurança do usuário.
Quando perguntado aos brasileiros sobre os processos das instituições financeiras para checagem de dados e combate à fraude, 74% dizem que o processo de verificação é legítimo e serve para proteger contra compras ilícitas, enquanto 70% afirmam que é para proteger as organizações. Uma pequena parcela, apenas 11%, acredita que a verificação é na verdade uma “manobra” da organização financeira para vender mais ao cliente.
Desta encruzilhada começamos a vislumbrar o potencial de utilização para as ferramentas Web 3.0, onde confiança é uma palavra com outro tipo de conotação do que o usual.
TRUSTELLESS, PERMISSIONLESS, BORDERLESS.
No Brasil temos 40% da população desbancarizada. Um contingente de 80 milhões de pessoas que não tem acesso aos bancos, seja por viabilidade financeira ou por obter boa parte de sua renda de forma liberal. Potencial enorme para soluções que consigam trazer a facilidade do digital sem necessariamente colocar na caixinha do sistema vigente.
Em países como Argentina e Laos já é possível fazer compras rotineiras com carteiras digitais e criptomoedas, na padaria, na feira e mesmo para entrar no cinema. Com uma interface fluida e simples, o comprador abre o app da carteira, escaneia o QR code do item a ser comprado e processa a operação autorizando um contrato inteligente que migra o asset digital de uma carteira para outra. Sem banco, corretora, fintech ou qualquer outro tipo de intermediário.
O crescimento das carteiras digitais no mundo impressiona. O mesmo estudo da Juniper Research revelou que “o número total de usuários de carteiras digitais excederá 5.2 bilhões globalmente em 2026, acima de 3.4 bilhões em 2022, representando um forte crescimento de mais de 53%.” A pesquisa prevê que o uso de carteiras digitais continuará aumentando em países em desenvolvimento, tais como o Laos, que atualmente ainda utilizam bastante o dinheiro em espécie.
Apesar dos aplicativos de banco facilitarem as coisas, ainda dependem de um sistema bancário centralizado dominado por antigos paradigmas. Pix e o atual Real Digital são tentativas para utilizar a velocidade e economia de escala das tecnologias vigentes para as instituições obterem certa vantagem e sobrevivência mediante o que vem por aí. Porém sempre permanecerão no velho conceito de custódia que a muito se mostra desigual e para poucos.
As carteiras nativas da Web3, baseadas em tecnologia blockchain, estão liderando o desenvolvimento de Dapps que conectam usuários a mais de 3700 aplicativos em todo o ecossistema cripto. De acordo com Statista, esses números tiveram um crescimento expressivo em todo o mundo, principalmente no Brasil, na Indonésia, Rússia, Índia e Nigéria.
Estas carteiras são identificadas na blockchain por uma sequência de números. Portanto, eles são seguros na medida em que você opta por manter sua identidade separada da identidade da carteira. Cada transação que você fizer com a carteira é registrada na blockchain e esses dados podem criar uma identidade digital, semelhante ao seu histórico de pesquisa do Google. Tudo isso porém de forma completamente anônima, aonde a única identificação possível será o hash da transação e o número das carteiras digitais, auto-custodiado pelos proprietários dos ativos sem necessidade de mais nada.
Existe ainda um longo caminho para levar maior proteção aos usuários de carteiras digitais baseadas em Blockchain, visto que golpes continuam acontecendo, atingindo principalmente usuários iniciantes que não obedecem algumas regras estabelecidas nas comunidades W3 disponíveis. Porém os golpes existem desde que Caim apedrejou Abel, e o ser humano sempre será passível de falhar, mudando somente o valor da multa de acordo com o local onde o delito é praticado. Os NFTs (tokens não fungíveis) de característica PFP (Profile Picture Perfil) já são uma forma genuína de comprovar que determinado perfil é realmente do usuário/carteira que o denomina. Funcionalidade que já pode ser utilizada no Twitter e deve ser adotada em breve por muitos apps centralizados e os Dapps que vem tomando o mercado.
Muito tem se falado que este anonimato pode ser utilizado para objetivos escusos, lavagem de dinheiro, tráfico de crianças africanas ou outras malignidades humanas. Para esta resposta é só nos atermos aos valores mencionados no começo deste artigo, pois o investimento para proteger uma identidade digital na Web 2.0 somado com o custo anual causado por golpes na mesma W2 (só no Brasil são R$ 2,5Bi em 2022) podemos começar a entender que descentralização, custódia e anonimato serão os únicos caminhos possíveis nos próximos anos de vida online.
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