A Web3 tem o potencial de trazer uma internet mais justa, permitindo que os indivíduos sejam soberanos – isso significa a oportunidade de possuir e controlar quem lucra com seu tempo e informações.
[29.04.2022]
Por Alexandre Adoglio, CMO na Sonica e empreendedor digital.
Escreve quinzenalmente sobre Cultura Digital para o SC Inova
Em setembro em 2016 o mundo se surpreendeu com a notícia da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos da América. O possível “novo líder do mundo livre”, se destacou por décadas como empresário de sucesso, de insucesso, apresentador de programa de televisão e fonte de várias críticas por seu posicionamento sexista. Praticamente do nada, em apenas 15 meses de campanha, o tiozão de NY atropelou a favorita Hillary Clinton e levou os republicanos à tão cobiçada cadeira, criticando severamente a imigração e apoiando o armamento da população e colocando os ultra-conservadores na vitrine do mundo. Para o bem e para o mal.
Alguns anos depois alguns fatos escusos desta peculiar eleição norte-americana começaram vir a tona, em meio a rumores da interferência russa no pleito. Em uma série de acusações e análises de dados históricos chegou-se a conclusão que a vitória de Trump se deu através da manipulação de postagens por dentro dos algoritmos das redes sociais, em especial no Facebook. Com investimentos na ordem de $ 250 milhões em publicidade online, a campanha do novo presidente elevou o nível de sofisticação com que a geração de conteúdo e a gestão das comunidades conseguiu impactar e mudar radicalmente a mente da maioria dos eleitores.
Se baseando num estudo de 2010, e utilizando brechas dentro dos algoritmos da plataforma, a empresa Cambridge Analytica combinava mineração e análise de dados com comunicação estratégica para o processo eleitoral. A despeito dos esforços de Mark Zuckeberg para negar que os dados dos usuários da plataforma tenham sido utilizados no processo, a manipulação acabou sendo comprovada, envolvendo a coleta de dados de 87 milhões de pessoas, motivando um extenso processo civil contra a rede social queridinha do Vale do Silício e corroborando para incrementar a legislação em todo o mundo, incluindo a implantação dos processos de LGPD.
Os dados foram coletados por meio de um aplicativo chamado thisisyourdigitallife, construído pelo acadêmico Aleksandr Kogan, onde centenas de milhares de usuários foram pagos para fazer um teste de personalidade e concordaram em ter seus dados coletados para uso acadêmico.
No entanto, o aplicativo também coletou as informações dos amigos do Facebook dos participantes do teste, levando ao acúmulo de um conjunto de dados de dezenas de milhões de bits. A “política de plataforma” do Facebook permitia apenas a coleta de dados de amigos para melhorar a experiência do usuário no aplicativo e impedia que fosse vendido ou usado para publicidade, criando um mercado que até tinha sua tabela internacional de uso.
E mesmo com toda essa tramoia revelada, bilionário sendo multado, políticas de dados sendo implantadas, e banimento de grupos extremistas das redes, a vida digital nunca mais seria a mesma, levando a todos nós para um novo tipo de preocupação: onde enfiaram meus dados?
SEUS DADOS SÃO SEUS?
Algo semelhante ocorreu nas eleições de 2018 no Brasil, em meio a acusações do uso de robôs para “disparo em massa” de mensagens no whatsapp e grupos de fake news nas redes sociais, não se provando verídicas em si mediante impropérios durante o julgamento e questionamentos sobre “crepto moeda”, um tal de “bitcóio” (sic).
Provavelmente um dos pilares mais importantes para a Web 3.0, o uso de dados dos usuários passou a ser fundamental para a escalabilidade de negócios, tanto do ponto de vista estratégico como legal. Com a aceleração digital dos últimos anos e os movimentos por igualdade de direitos em várias esferas, a adoção de certas medidas de segurança acabou criando clusters e comunidades fechadas sob vários aspectos, permitindo a adoção de novas ferramentas que confrontam o conceito inicial que temos sobre confiança.
Com a adoção de plataformas blockchain e a possibilidade de validação das transações P2P sem interferência de intermediários, o quesito confiança fica totalmente em segundo plano, pois a partir do uso e integração das ferramentas Web 3.0, em especial DeFi (Descentralização Financeira), não precisamos mais nos preocupar com a idoneidade da outra parte em uma relação online, visto que não sabemos quem ela é, somente seu pseudônimo e número da carteira digital. Em alguns casos podemos ver seu avatar também.
Em comparação com nossa atual vida digital, podemos afirmar que na Web 2.0 você pode utilizar inúmeros serviços gratuitos desde que disponibilize seus dados para uso das plataformas, podendo estas minerá-los ou vender mediante autorização já concedida nos termos de uso. Já com a advinda Web 3.0 você utiliza plataformas similares porém descentralizadas, sem um proprietário único, gerenciadas por detentores de tokens, que cobram por este uso através da venda de outros tokens ou NFTs.
COMO NAVEGAR NO ESCURO
Muito se fala sobre esta falta de clareza de com quem estamos lidando, com alguns casos de golpes ocorridos nos últimos tempos, na DAO que foi invadida por hackers e perdeu seu tesouro, a venda de itens falsos no Open Sea e os inúmeros Tokens fraudulentos aparecendo para venda no Binance. E também a máxima de que o crime organizados estaria de beneficiando destas transações anônimas para financiar seus delitos.
Porém é necessário colocar em perspectiva sob a adoção de uma nova tecnologia, pois quando o crescimento da Web 2.0 nos impactou lá pelos idos da década de 1990 também sofremos com problemas semelhantes: o link falso no email do banco; o indiano que telefonava e pedia acesso remoto ao PC; e o golpe do momento, seu pai pedindo dinheiro pelo whatsapp pois “esqueceu a carteira em casa”.
Tecnologias avançadas, como criptomoedas e tokens (não fungíveis) desempenharão um papel de liderança na Web 3.0, pois refletem um senso de propriedade em redes blockchain descentralizadas. Pense no mais recente hype de NFTs, ou tokens não fungíveis, que transferem a propriedade de uma certa forma de dinheiro, como é o caso das criptomoedas, para a propriedade de muitos outros ativos digitais, de obras de arte a memes e tweets, sem um único dado pessoal ser divulgado.
A Web 3.0 permite a disseminação de estruturas de governança cooperativa para produtos anteriormente centralizados. Uma piada, uma obra de arte, a saída de mídia social de uma pessoa ou ingressos para seus eventos favoritos são exemplos de tokenização. O negócio de jogos é um exemplo fantástico da mudança de paradigma. Os jogadores costumam reclamar dos problemas e bugs que continuam aparecendo em seu videogame favorito.
Ela permite que os jogadores invistam anonimamente no jogo e votem em como ele deve ser executado, como no caso do recém hit da Lumx Studio. É um esforço colaborativo entre os desenvolvedores de jogos e os próprios jogadores. A Web 3 está sendo usada por grandes empresas da Web 2 como Meta e Ubisoft para criar mundos virtuais, como o Metaverse do Facebook.
Os tokens não fungíveis (NFT) também ajudarão a reformular o negócio de jogos, permitindo que os jogadores se tornem os proprietários imutáveis de itens específicos do jogo que adquirirem, sem precisar para isso se identificarem ou mesmo imputar seus dados pessoais em algum sistema.
A Web 3.0 tem o potencial de trazer uma internet mais justa, permitindo que os indivíduos sejam soberanos – isso significa a oportunidade de possuir e controlar quem lucra com seu tempo e informações. Além disso, o protocolo blockchain descentralizado da Web 3.0 permite que os indivíduos se conectem a uma Internet que não prospera em repositórios centralizados.
Estamos no epicentro de uma grande mudança cultural perante os meios em que trafegamos os nossos dados, dando-nos a possibilidade de valorizarmos o conteúdo de nossas vidas para sempre.
A seguir: Web 3.0 / Descentralização.
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