Risco de apagão: tecnologia é caminho para novas (e permanentes) políticas de planejamento estratégico

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Risco de apagão: tecnologia é caminho para novas (e permanentes) políticas de planejamento estratégico

“A flexibilidade do consumo é uma nova realidade. E para operacionalizar isso em larga escala, é preciso aplicar tecnologias digitais”.

“A necessidade de flexibilidade do lado do consumo é uma nova realidade, não uma situação meramente conjuntural. E para operacionalizar isso em larga escala, é preciso aplicar tecnologias digitais e a criação de modelos de incentivo estruturais”. / Foto: Matthew Henry / Unsplash


[20.09.2021]


Por Danilo Barbosa, sócio e cofundador Way2 Tecnologia

Economizar energia elétrica passou a ser um imperativo para que o Brasil não enfrente um novo período de apagões. Em particular, nos momentos em que o consumo se eleva em todo o país, a capacidade de demandar economia dos consumidores, dos residenciais aos industriais de todos os portes, passa a ser fundamental para que o sistema não enfrente problemas operacionais e entre em colapso, especialmente porque os reservatórios estão se esgotando. São medidas que devem fazer parte do planejamento energético permanente, não só em períodos de crise hídrica, como o que atualmente se agrava.

Segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), em julho de 2021, as áreas com seca aumentaram em seis estados brasileiros e 11 tinham 100% de seu território em estiagem. As áreas com secas graves atingem estados importantes para a geração hídrica. O subsistema Sudeste/Centro-Oeste, que representa 70% da capacidade total de armazenamento para geração hídrica no Brasil, está com os reservatórios em menos de 30% de sua capacidade

Diante da pior seca em 91 anos e da consequente restrição da operação de hidrelétricas – que correspondem a mais da metade da capacidade de geração no Brasil – o Ministério de Minas e Energia (MME) propôs o programa de redução voluntária do consumo de eletricidade, estabelecendo as diretrizes em portaria. Com a medida, grandes consumidores poderão ganhar um “bônus” para reduzir a demanda por energia. O foco do MME é o horário de pico, entre 12h e 18h em dias úteis. Os consumidores deverão apresentar ao Operador Nacional do Sistema Elétrico suas ofertas de redução em produtos com duração horária – de quatro e sete horas – em lotes com volume mínimo de 5 MW, para cada hora de duração da oferta, discretizados no padrão de 1 MW, com preço em R$/MWh. 

O governo também planeja incentivar a redução voluntária dos consumidores cativos que, por participarem do mercado regulado de energia, terão regras definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEE), ainda em estudos. A ideia é estabelecer metas de redução de consumo e um incentivo econômico para quem alcançar o objetivo estabelecido. As condições devem ser anunciadas em setembro, quando também deve iniciar a contratação de ofertas de redução de energia.

Um dos desafios é conseguir operacionalizar este tipo de incentivo para uma grande quantidade de consumidores, especialmente os industriais, segundo avaliação feita pela Associação Brasileira de Grandes Consumidores (ABRACE). De toda a forma, a expectativa é que essas ações ajudem a mitigar os efeitos da crise hídrica e a possibilidade de um apagão, juntamente com outras medidas, como a Bandeira Tarifária Vermelha Nível 2, que já está em vigor e teve seu valor incrementado em mais de 50%. 

SOLUÇÕES ALÉM DA CRISE

A estratégia é fundamental e há pouco tempo para agir. Mas devemos observar que há sete anos a energia natural afluente disponível no país vem caindo, o que aponta para a necessidade de soluções mais estruturais. Além disso, economizar energia é sempre bom. Enfrentamos uma crise climática muito além da escassez hídrica. E até mesmo as novas fontes de energia renovável, além de terem seu próprio impacto no planeta, estão sujeitas à disponibilidade de recursos naturais intermitentes. Por isso, a necessidade de flexibilidade do lado do consumo deve ser enxergada como uma nova realidade, e não uma situação meramente conjuntural. 

Para operacionalizar essa flexibilidade em larga escala, é preciso aplicar tecnologias digitais e a criação de modelos de incentivo estruturais. As medidas emergenciais são necessárias e urgentes, mas precisamos acelerar programas mais amplos e modelar os incentivos ao uso de flexibilidade como um mercado em si.  As ações que o governo está planejando para evitar que aconteçam apagões de energia até o fim do ano poderiam ser o início de um programa mais amplo de resposta da demanda.

TECNOLOGIA: REFERÊNCIA DE MERCADOS MAIS MADUROS 

A verdade é que diversos mercados no mundo já vem trabalhando com modelos de incentivo à redução do consumo para períodos de alta demanda, chegando mesmo ao nível residencial. Um modelo bastante comum é o de Virtual Power Plants. O nome, que pode ser traduzido como “Usinas Virtuais”, deriva do fato de que a economia neste caso funciona mais ou menos como uma usina de geração, mas trabalhando do lado oposto. 

Um tipo especial de empresa no mercado faz contratos com diversos consumidores, de diversos portes, agrega e vende a sua flexibilidade para redução do consumo. Assim, nos momentos de alta demanda, essas empresas vendem a economia como se estivesse vendendo a energia que seria necessária para atender a demanda. Isso é possível utilizando tecnologia para controlar automaticamente as cargas consumidoras.

A atual crise hídrica mostra que a redução voluntária do consumo elétrico deve ser mais do que uma medida emergencial.

Nos EUA, uma das organizações regionais de transmissão de energia, a PJM, que coordena o mercado e atende uma região com 13 estados, remunera consumidores que reduzem seu consumo. Na Espanha, o programa “Serviço de Interruptibilidade” é administrado pelo operador nacional do sistema, o Red Eléctrica de España, que desde 2013 viabiliza a flexibilidade da demanda, com as reduções sendo ofertadas em leilões. Outros países como Colômbia, China e Canadá também têm mercados de redução de demanda. 

No limite, mesmo cargas residenciais podem ser controladas e participar das Virtual Power Plants, recebendo incentivos ou descontos. Fabricantes de eletrodomésticos, como GE, LG ou Whirlpool, já produzem equipamentos smart, sejam ar-condicionados ou máquinas de lavar, que possibilitam a participação em Virtual Power Plants. Baterias e carros elétricos multiplicam o potencial dessa flexibilidade. 

Ou seja, a viabilidade de programas amplos depende do nível de digitalização dos mercados. Hoje é impossível, por exemplo, um programa que incentive os consumidores residenciais a reduzir seu consumo individual no horário de ponta, simplesmente porque os medidores de energia tradicionais não são capazes de registrar o horário em que o consumo ocorreu. Os mercados de flexibilidade mais maduros passaram por uma modernização geral do parque de medidores inteligentes, ou em alguns casos criaram facilidades para a troca dos medidores pelo próprio mercado, de acordo com a viabilidade de cada aplicação.

Mas entre as Virtual Power Plants super granularizadas envolvendo consumidores residenciais, e o modelo emergencial de redução voluntária até o momento proposto para o Brasil, há dezenas de milhares de consumidores de alta tensão no país que já contam com medidores suficientemente inteligentes para viabilizar sua participação em um mercado de flexibilidade mais sofisticado. A simples abertura do Mercado Livre, que já conta com um modelo de preços horários, aponta nesta direção, e pode alcançar uma escala que viabilize a criação de modelos de agregação e otimização de portfólio.

Como aprendemos recentemente, as crises pedem ações enérgicas imediatas, mas também podem ter efeitos em longo prazo, principalmente nas dimensões em que a mudança já está latente. O trabalho remoto e a transformação digital foram acelerados pelas medidas de isolamento social adotadas no combate à COVID-19. A tecnologia já estava disponível, mas a mudança cultural levaria décadas. Da mesma forma, a atual crise hídrica precisa olhar a redução voluntária do consumo elétrico como mais do que uma medida emergencial. Trata-se de um novo componente do planejamento energético, cuja presença só deve crescer, envolvendo um número cada vez maior de consumidores.

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