[DIÁRIOS DA IA] Repensando a IA: De automação a coordenação de sistemas

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[DIÁRIOS DA IA] Repensando a IA: De automação a coordenação de sistemas

Empreendedores: não tratem a IA como um atalho operacional, mas como uma oportunidade de repensar a lógica do negócio

Empreendedores: não tratem a IA como um atalho operacional, mas como uma oportunidade de repensar a lógica do negócio. / Imagem: ChatGPT/SCInova


[17.12.2025]

Por Eduardo Barbosa, CEO da Brognoli Imóveis e um dos responsáveis pelo Conselho Mudando o Jogo (CMJ) em SC e RS. Escreve sobre inteligência artificial no ambiente corporativo na série “Diários de IA”.

Durante anos, a Inteligência Artificial foi apresentada às organizações como uma promessa de eficiência operacional. Automatizar tarefas, reduzir custos, acelerar processos, essa narrativa, embora sedutora, criou uma armadilha cognitiva clássica: o foco excessivo no ganho imediato e mensurável, em detrimento das transformações sistêmicas mais profundas. É o viés do curto prazo operando em escala organizacional. Neste sentido, corrigir este equívoco ao contrapor duas visões de IA: a automação de tarefas versus a coordenação de sistemas. E é exatamente nessa transição que reside a verdadeira ruptura econômica, organizacional e comportamental da IA.

Quando tratamos a IA apenas como automação, fazemos a pergunta errada. Questionamos o quão “inteligente” ela é, quando deveríamos perguntar o quão eficaz ela se torna dentro de um sistema complexo. Essa inversão é central na economia comportamental: pessoas e empresas não decidem apenas com base em lógica, mas em heurísticas. Automatizar tarefas específicas gera a sensação imediata de progresso, reforçando o viés de confirmação. No entanto, a IA não substitui apenas tarefas; ela reconfigura o valor do trabalho, a estrutura dos cargos e a lógica de coordenação entre partes. O debate recorrente sobre “IA versus empregos” ignora essa dimensão. Ele parte de uma visão linear do trabalho, como se cargos fossem somatórios fixos de tarefas. 

A realidade é mais próxima de um sistema adaptativo complexo, no qual cargos, fluxos de trabalho e cadeias de valor emergem da interação entre pessoas, processos e tecnologia. Quando a IA entra nesse sistema, ela atua como uma força de desagregação e recomposição. Desmonta estruturas existentes — o chamado unbundling — e as remonta sob novas lógicas — o rebundling. Esse processo não elimina valor; ele o redistribui. Do ponto de vista comportamental, há outro erro recorrente: confundir eficiência local com eficiência sistêmica. 

Otimizar um silo com IA pode gerar ganhos pontuais, mas frequentemente enfraquece a coordenação global da organização. É o paradoxo da fragmentação, cada área parece performar melhor isoladamente, enquanto o sistema como um todo se torna mais frágil, mais difícil de governar e menos resiliente. A economia comportamental descreve isso como uma falha de visão sistêmica, amplificada pelo viés de mensuração: tendemos a valorizar aquilo que conseguimos medir facilmente, mesmo que não seja o que mais importa.

A FORÇA DA COORDENAÇÃO DE SISTEMAS COMPLEXOS

A verdadeira força da IA surge quando ela é usada como mecanismo de coordenação de sistemas complexos, assim como o contêiner revolucionou o comércio global não por ser um objeto sofisticado, mas por padronizar e integrar cadeias logísticas inteiras, a IA redefine a lógica econômica ao seu redor quando assume o papel de orquestradora. Ela conecta dados, decisões, pessoas e processos em tempo real, reduzindo fricções invisíveis que antes eram tratadas como “custo inevitável” da organização. 

Nesse contexto, a vantagem competitiva não está na ferramenta em si, mas na capacidade de redesenhar o sistema. Empresas que usam IA como motor — e não apenas como acessório — superam aquelas que a tratam como mais uma tecnologia de apoio. O exemplo de plataformas como o TikTok ilustra isso com clareza: não se trata apenas de um algoritmo de recomendação eficiente, mas de um sistema inteiro redesenhado em torno da coordenação entre criadores, usuários, dados e monetização. O produto é o sistema. Sob a ótica da economia comportamental, essa mudança exige romper com modelos mentais arraigados. Exige abandonar a ilusão de controle total, aceitar a complexidade e projetar organizações que aprendem continuamente. A IA, nesse sentido, não é uma substituta da inteligência humana, mas um amplificador da capacidade coletiva de coordenação. Ela desloca o foco da execução para o desenho de sistemas, da eficiência operacional para a inteligência estrutural.

Repensar a IA é, portanto, um exercício tecnológico, mas também cultural e cognitivo. 

É reconhecer que o maior risco não está em automatizar demais, mas em automatizar sem repensar o sistema. A história econômica mostra que as grandes revoluções não ocorreram quando fizemos melhor o que já fazíamos, mas quando mudamos a lógica do jogo. A IA, quando compreendida em sua dimensão sistêmica, não é apenas mais uma ferramenta. É uma nova gramática organizacional, econômica e comportamental.

IA ALTERA INCENTIVOS, COMPORTAMENTOS E ESTRUTURAS DE DECISÃO

Para o empreendedor, é uma mudança de perspectiva decisiva. Tratar a Inteligência Artificial apenas como uma forma de reduzir custos ou acelerar tarefas é, no máximo, uma estratégia defensiva. A orientação estratégica correta começa por reconhecer que a IA altera incentivos, comportamentos e estruturas de decisão. Antes de perguntar “onde posso automatizar?”, o empreendedor deveria perguntar “que partes do meu sistema hoje não conversam entre si?” ou “onde há fricções invisíveis que consomem energia, tempo e confiança?”. Essas fricções, muitas vezes naturalizadas, são o verdadeiro terreno fértil para a IA gerar vantagem competitiva sustentável.

Do ponto de vista prático, isso implica redesenhar a empresa a partir dos fluxos — de informação, de decisão e de valor — e não apenas a partir de organogramas. Empreendedores que compreendem economia comportamental sabem que pessoas respondem a incentivos mal desenhados com adaptações disfuncionais. A IA pode atuar como um corretor desses incentivos, alinhando métricas, feedbacks e decisões em tempo real. Isso reduz vieses como o excesso de confiança, o apego ao status quo e a miopia de curto prazo, que historicamente limitam o crescimento das organizações. 

A tecnologia passa a funcionar como um sistema nervoso da empresa, coordenando ações distribuídas em vez de controlar indivíduos.

Há também uma implicação cultural fundamental. Usar IA como coordenação exige abrir mão da lógica de comando e controle e avançar para uma lógica de arquitetura organizacional. O papel do empreendedor deixa de ser o de supervisor de tarefas e passa a ser o de designer de sistemas. Isso significa investir menos tempo em “cobrar execução” e mais tempo em definir regras claras, objetivos bem calibrados e mecanismos de aprendizagem contínua. Empresas que fazem essa transição tendem a escalar com menos atrito, maior adaptabilidade e menor dependência de heróis individuais.

Em síntese, a orientação central aos empreendedores é: não tratem a IA como um atalho operacional, mas como uma oportunidade de repensar a lógica do negócio. A vantagem não virá da adoção mais rápida da ferramenta, mas da capacidade de redesenhar o sistema ao seu redor. 

Quem entender isso primeiro não apenas ganhará eficiência, mas redefinirá o próprio mercado em que atua.

REFERÊNCIAS:

  •  CHRISTENSEN, C. M. The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail. Boston: Harvard Business School Press, 1997.
  • KAHNEMAN, D. Thinking, Fast and Slow. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011.
  • SIMON, H. A. The Sciences of the Artificial. 3. ed. Cambridge: MIT Press, 1996.
  • VARIAN, H. R. Artificial Intelligence, Economics, and Industrial Organization. Cambridge: National Bureau of Economic Research, 2018.
  • THALER, R. H.; SUNSTEIN, C. R. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness. New Haven: Yale University Press, 2008.
  • ARTHUR, W. B. Complexity and the Economy. Oxford: Oxford University Press, 2014.