Qual é o tamanho ideal do território de um ecossistema de inovação?

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Qual é o tamanho ideal do território de um ecossistema de inovação?

Ecossistemas: a dimensão geográfica deve ser entendida mais como uma ferramenta para o desenvolvimento de conexões sociais.

Como estes “ecossistemas” também são “comunidades”,  a dimensão geográfica deve ser entendida mais como uma ferramenta para o desenvolvimento de conexões sociais. / Foto: Madhur Chadha (Unsplash)


[19.07.2022]


Por Marcus Rocha, Conselheiro e Especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação.
Escreve quinzenalmente sobre o tema no SC Inova. 

Vale do Silício, Nova Iorque, Londres, Boston, Pequim, Los Angeles, Tel Aviv, Xangai, Seattle, Seoul: segundo o Global Startup Ecosystem Ranking de 2022, estudo realizado pela empresa Startup Genome, esses são os 10 melhores ecossistemas de inovação do mundo. O ecossistema de São Paulo aparece na 28ª posição no ranking, que hoje considera os 40 maiores ecossistemas de inovação do mundo, segundo a empresa que promove anualmente esse estudo. Aqui no Brasil, além de São Paulo, a Startup Genome também acompanha os ecossistemas do Rio de Janeiro e de Curitiba.

Observando os ecossistemas de inovação de todo mundo, uma questão importante chama a atenção: o tamanho do território varia bastante. Em alguns casos, como em Munique, na Alemanha (36ª posição no ranking de 2022), considera-se apenas a área da própria cidade. Já em outros casos, várias cidades ou distritos são englobados. Por exemplo, o Vale do Silício inclui as cidades de Campbell, Cupertino, Gilroy, Los Altos, Los Gatos, Milpitas, Morgan Hill, Mountain View, Palo Alto, San Jose, Santa Clara, Saratoga e Sunnyvale. Mesmo não havendo uma fronteira bem definida, pois se trata de uma zona conurbada, onde é difícil ver quando termina uma cidade e começa a outra, algumas cidades importantes foram deixadas de fora, com destaque para San Francisco, Fremont e Oakland.

Região do Vale do Silício: mesmo sendo uma zona conurbada, sem fronteiras, cidades importantes como San Francisco não fazem parte desse ecossistema
Região do Vale do Silício: mesmo sendo uma zona conurbada, sem fronteiras, cidades importantes como San Francisco não fazem parte desse ecossistema (fonte: Google Maps, 2022)

O caso de Nova Iorque também é interessante. Apesar de ser lembrada principalmente pelo território localizado na Ilha de Manhattan, a sua região metropolitana também engloba os boroughs (burgos) de Brooklyn, Queens, Staten Island e Bronx. Novamente, nota-se que cidades próximas e com intensa interação com Nova Iorque, como Nova Jersey e Hoboken, também não foram consideradas.

Nota-se, portanto, que não há uma regra específica para definir o território de um ecossistema de inovação, questão que pode gerar um grau específico de confusão por parte dos líderes desses ecossistemas mundo afora. Aliás, os próprios estudos sobre o tema ainda falam pouco sobre esse importante assunto (basta fazer uma busca na internet, ou nas bases de estudos, para comprovar isso).

Para entender melhor essa questão, vale a pena voltar às definições dos ecossistemas naturais, de onde as ciências socioeconômicas pegaram várias ideias emprestadas, na forma de metáforas. Se tratam de espaços de tamanhos variados onde há uma interação tendendo ao equilíbrio entre seres vivos e elementos não vivos como o solo, o ar, a luz solar e a água. Principalmente nas cidades é possível ver as fronteiras de um ecossistema natural, pois normalmente é delimitado pela ocupação humana ao redor. Por exemplo, em Florianópolis e em outras cidades litorâneas é muito fácil perceber onde começam e terminam os ecossistemas manguezais.

INTERAÇÃO: PRINCIPAL INDICADOR PARA DEFINIR A ABRANGÊNCIA DO ECOSSISTEMA

A partir disso, já é possível perceber que cidades que possuem fronteiras físicas bem claras em relação aos municípios vizinhos, já têm um guia natural para a definição do território do seu ecossistema de inovação. Nesses casos, a própria condição geográfica indica que a área do ecossistema ficará restrita apenas à cidade.

Mas quando não há uma fronteira geográfica clara entre as cidades, quais são as dimensões que delimitam o território do ecossistema de inovação? Voltando aos ecossistemas naturais, a palavra-chave é interação. Ou seja, o nível de interação entre os atores da região é um dos pontos principais a serem observados. E isso pode também ser afetado por questões como distância física, relações institucionais, histórico prévio de relacionamentos, produtividade, disponibilidade de talentos, entre outras.

Portanto, nesses casos, a definição do território deve partir de uma avaliação das dimensões sociais entre as cidades vizinhas. Por mais que conceitualmente um ecossistema de inovação seja formado por Empresas, Governos, Instituições Acadêmicas, e Organizações da Sociedade Civil, as interações sempre são conduzidas por pessoas. É por isso que devem ser avaliadas as relações sociais das pessoas que representam os diferentes atores do ecossistema local de inovação, pois essa é a principal “cola” que ajudará a definir a sua área de abrangência.  

A ligação continente-ilha em Florianópolis, um emergente ecossistema tech nacional.
A ligação continente-ilha em Florianópolis, um emergente ecossistema tech nacional. Foto: Gabriel Rodrigues/Unsplash

A partir da compreensão da importância das relações sociais, deve-se entender os ecossistemas de inovação como comunidades. Aliás, em alguns locais já têm trocado o termo “ecossistema de inovação” por “comunidade de inovação”. Assim, a dimensão geográfica deve ser entendida muito mais como uma ferramenta para o desenvolvimento de conexões sociais, e que apenas a definição de uma área geográfica não é suficiente para o desenvolvimento de ecossistemas de inovação de sucesso.

Isso significa que as fronteiras físicas dos ecossistemas de inovação precisam ser móveis e permeáveis, e que a governança local precisa dar foco ao desenvolvimento de ativos que promovam as interações entre as pessoas, criando condições para o desenvolvimento da comunidade local de inovação. Esses ativos são chamados de Habitats de Inovação.

Nesse sentido, um estudo publicado pelo Banco Mundial reforça a tese de que a dimensão social é um fator crítico para o crescimento e a sustentabilidade de um ecossistema de inovação, e que os habitats de inovação são peças fundamentais para a promoção das interações entre as pessoas. Locais como parques tecnológicos, centros de inovação, incubadoras etc., desenvolvem redes que vão além das fronteiras geográficas das cidades onde estão instalados. Isso acontece pelo próprio intercâmbio presencial, recebendo e enviando de/para outras localidades, mas pelo próprio uso das atuais tecnologias para reuniões e eventos digitais.

Outro ponto importante é que todos esses relacionamentos que precisam acontecer nos ecossistemas de inovação devem gerar empreendimentos inovadores. A consequência natural para ecossistemas de sucesso é a promoção do desenvolvimento econômico sustentável, equilibrando as dimensões econômico-financeira, social e ambiental, e de forma sustentada, visando o longo prazo. Nesse sentido, os habitats de inovação precisam desenvolver atividades e serviços que estimulem, direta ou indiretamente, a geração de negócios focados na inovação.

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Portanto, a definição do território de ecossistemas de inovação presentes em regiões conurbadas, onde não há fronteiras geográficas bem definidas, deve ser orientada pelas redes de relacionamentos entre os atores de Empresas, Governos, Instituições Acadêmicas, e Organizações da Sociedade Civil, considerando principalmente:

  • A quantidade de atores de cada uma dessas categorias;
  • A frequência e a intensidade das interações entre os atores;
  • A localização e a abrangência dos habitats de inovação da região;
  • O potencial de geração de empreendimentos inovadores e do consequente desenvolvimento sustentável da região.

Importante destacar também que a definição do território do ecossistema de inovação é algo que pode mudar ao longo do tempo. Para as cidades que atualmente têm fronteiras bem definidas, o crescimento urbano pode causar a união com municípios vizinhos, ou as interações sociais com geração de negócios pode provocar uma fusão entre ecossistemas. Da mesma forma, em regiões conurbadas, é possível que haja a ampliação do território do ecossistema.

Assim, a adequada definição do território pode colaborar de forma decisiva para o desenvolvimento sustentável local. Primeiro, porque tende a maximizar as interações entre os atores da região, especialmente aqueles dos principais setores econômicos locais. E, uma vez que as interações estejam acontecendo de forma intensiva, deve aumentar o desenvolvimento de produtos e serviços mais sofisticados, com maior valor agregado, colaborando com a geração local de riquezas.


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