Todo startupeiro sabe o que é TAM, SAM e SOM e boa parte dos pitches, mesmo em projetos early stage, têm esses números para mostrar. Mas um investidor criterioso vai querer mais que isso. / Foto: Firmbee.com (Unsplash)
[FLORIANÓPOLIS, 16.10.2023]
Por Giancarlo Proença, diretor executivo da Link Estratégia, CI Director da Software Pricing Partners e LATAM Regional Manager do Bennion Group.
Escreve mensalmente sobre Inteligência Competitiva no SC Inova.
Uma das primeiras preocupações de um fundador de startup é com o potencial do mercado. Muitas vezes, a avaliação desse potencial vem do feeling, de situações vivenciadas e do interesse que um MVP gerou durante o processo de validação. Mas na medida em que o negócio ganha escala e atrai atenção de investidores qualificados, é preciso mostrar algo mais.
Todo startupeiro sabe o que é TAM, SAM e SOM e boa parte dos pitches, mesmo de empreendimentos em sua infância, têm esses números para mostrar. Mas um investidor criterioso vai querer mais que isso. É nesse momento que a Inteligência Competitiva e de Mercado (IC&M) pode ajudar, analisando o potencial de mercado com ferramentas e metodologias criteriosas.
Um estudo de potencial de mercado precisa ser auditável, o que significa que as informações que levaram às conclusões do estudo devem ser confiáveis e rastreáveis até a fonte. E não são somente os relatórios de mercado, dados de população e análises que precisam ser auditáveis. Informação de pesquisa qualitativa, entrevistas e focus groups também devem ser registrados para suportar as conclusões.
Outro item importante na hora de buscar aportes é o potencial do mercado ao longo do tempo, em médio e longo prazo. Estimativas de crescimento do mercado potencial ajudam na hora de argumentar que a startup tem espaço para crescer. Isso pode ser obtido com modelos, simulações de cenários e projeções de mercado.
METODOLOGIA AJUDA NA CREDIBILIDADE
A metodologia também é um fator que empresta credibilidade ao estudo. Já ouvi muita gente dizendo que é possível calcular Total Addressable Market (TAM), Serviceable Addressable Market (SAM) e Serviceable Obtainable Market (SOM) de duas formas: top-down (de cima para baixo) e bottom-up (de baixo para cima). Mas elas não são excludentes e defendo que devem ser usadas em conjunto.
O objetivo do método top-down é sair do geral para o específico. Então, normalmente partimos de estudos de mercado globais (desses que se encontra online, produzidos por empresas de pesquisa de mercado) e filtramos as informações com base em avaliações populacionais e premissas de público-alvo do produto.
Com um exemplo vai ficar mais fácil de entender. Digamos que precisamos estimar o potencial de mercado de uma startup hipotética, a ChuchuShop. O produto é uma plataforma conectando consumidores e vendedores de chuchu locais. Um relatório da Grand View Research estima o mercado global de supermercado online em 285,7 bilhões de dólares.
O relatório tem uma estimativa de quanto desse total é de hortifrutigranjeiros. Mas ainda assim é um número geral demais. O chuchu não é exclusivo do Brasil, mas digamos que nosso app estará disponível apenas em português. Outra plataforma, Statista, traz um relatório sobre o mercado de entregas de compras de itens de supermercado no Brasil. Já saímos do global para o local, mas ainda estamos longe de um número para nosso TAM. Lembre-se, nossa plataforma tem foco em chuchu. Se a plataforma fosse somente de entregas de compras, esse seria o TAM. Mas já há muitos apps de entrega e a ChuchuShop é única no mercado – provavelmente porque é uma péssima ideia.
Aí entra o método bottom-up para dar mais precisão ao processo e refinar os dados gerais obtidos a partir de números e estimativas de mercado. Entrevistas com cinco ou seis feirantes, por exemplo, vão dar uma noção de quanto quilogramas de chuchu são vendidos por dia em comparação com outros hortifrutigranjeiros. As hipóteses do mercado de chuchu começam a ficar mais claras e o TAM começa a ficar mais preciso.
Um passo final é definir a métrica que usaremos para monetizar a ChuchuShop e aplicá-la à modelagem. Digamos que será um percentual sobre as vendas de chuchu na plataforma. Entrevistas com possíveis clientes do app – nesse caso, os vendedores de chuchu – vão indicar o willingness to pay, o quanto eles estão dispostos a pagar pela solução. O TAM será esse percentual aplicado ao volume de vendas de chuchu que estimamos com base nas diversas fontes consultadas.
RESTRINGINDO O MERCADO
Já o SAM é obtido a partir das restrições de mercado. Nossa plataforma vai conectar vendedores locais e compradores de chuchu. Precisamos remover os grandes compradores (restaurantes e supermercados, por exemplo) da equação. Ferramentas como Econodata, Empresômetro e assimilados permitem que se faça uma estimativa de quantas empresas de venda de hortifrutigranjeiros são MPEs, por exemplo.
Outro filtro que delimita o SAM é a geografia. Não faz muito sentido um app de entregas atuar em Santiago do Sul, o menor município catarinense. Seus 1.651 habitantes dificilmente usariam a ChuchuShop. Nesse exemplo vamos concentrar a atuação em regiões metropolitanas. Agora é questão de aplicar os dados populacionais das regiões selecionadas e modelar o consumo de chuchu de acordo com esses dados.
Vamos supor que nossa plataforma funcione apenas no sistema Android. Essa é mais uma característica que vai restringir o SAM. No Brasil, a prevalência do sistema é grande: 81% dos usuários de smartphone no país usam Android. Mais uma informação a ser considerada no cálculo do SAM. É importante que diversas pessoas na empresa pensem nas características do negócio que possam restringir o SAM. Aliás, quanto mais decisores participarem do processo de identificação dos reais mercados a serem alcançados pela empresa, melhor.
DANDO A REAL
Por fim, o cálculo do SOM vai levar em conta os números obtidos no cálculo do SAM e aplicar ao mundo real. Esse é o mercado que, realisticamente, a empresa tem condições de servir. Por exemplo: a equipe de vendas tem alcance nacional para cobrir todas as regiões metropolitanas? Se não, o SOM vai levar em conta apenas as áreas dentro do alcance.
A concorrência também é um fator que restringe a penetração de uma solução no mercado. Por vezes, até a concorrência não direta (que já foi tema de outro artigo aqui) . Avaliar o sucesso de serviços de entrega genéricos (iFood, Uber, Rappi etc.) e das entregas operadas diretamente pelos vendedores de hortifrutigranjeiros vai ajudar a definir qual porção do mercado a ChuchuShop efetivamente poderá conquistar.
Restrições técnicas, como a capacidade de acessos simultâneos ou o volume de transações por hora também podem definir o SOM. Restrições de pessoal e investimento também entram nesse cálculo. E aí pode estar o gancho para um argumento junto aos investidores. Uma vez que se sabe o quanto o fator investimento restringe um negócio, fica mais fácil modelar como seria o resultado com o aporte do investidor. E com tudo sendo documentado, a lógica dos modelos e do raciocínio exposta no pitch, fica mais fácil convencer. Como se diz, contra fatos não existem argumentos.
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