[Cultura Digital] O lado sombrio da disrupção digital

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[Cultura Digital] O lado sombrio da disrupção digital

Da Amazon à Apple, praticamente todas as empresas que transformaram algum mercado sofrem críticas pela forma como lidam com condições de trabalho.

Da Amazon à Apple, praticamente todas as empresas que transformaram algum mercado sofrem críticas pela forma como lidam com condições de trabalho.


[11.09.2020]

Por Alexandre Adoglio*

Quem passa por perto das estações de entrega da Amazon nos arredores de Chicago percebe algo inusitado nas árvores dos pátios de manobra dos caminhões. Smartphones de várias marcas e modelos pendurados nos galhos como se fossem uma obra de arte a céu aberto, conectados em rede através de um software. Objetivo? Possibilitar a motoristas terceirizados uma vantagem na hora de receberem pedidos da gigante do e-com.

A proximidade dos aparelhos com a estação da Amazon, combinada com um software que monitora a rede de despacho continuamente, foi uma forma de muitos trabalhadores conseguirem proceder com os pedidos de forma exclusiva, sobrepujando a operação da própria empresa. 

Uma demonstração clara da crise e de quão competitivo o mercado de trabalho se tornou na economia norte-americana nos últimos anos. A estratégia utilizada do smartphone pendurado rende até 15 dólares por entrega, fazendo com que muitas pessoas em busca de trabalho se mobilizem em torno do processo.

RESPONSABILIDADE X OPORTUNIDADE 

É fato que temos uma crise global devido às restrições causadas pela pandemia do novo coronavírus, impactando o emprego de milhões em muitos países e mobilizando governos a realizarem diversos auxílios emergenciais em várias esferas da economia.

Porém, com a forte movimentação do trabalho no modo remoto, uma janela de oportunidades se abriu de forma rápida, movimentando milhões pelos fluxos digitais nas empresas de hardware, software e serviços de tecnologia.

A expectativa de movimento este ano ultrapassa os US$ 5 trilhões, sendo que 44% das empresas aumentaram seus investimentos em tech em relação a 2019 segundo a Deloitte – as áreas de maior crescimento são Cloud, Segurança e Inteligência Artificial. Isso significa que nunca se investiu tanto e nem se ganhou tanto com tecnologia, a ponto da riqueza dos top 5 bilionários de tecnologia aumentar em US$ 18 bilhões ao todo em meio a maior crise já enfrentada em escala global. 

A impressionante rapidez de ganho de dinheiro que está ocorrendo no mercado de tecnologia é incomparável em velocidade e escala, concentrando um volume de riquezas enorme nas mãos deste grupo de executivos. A ponto destes empresários estarem enfrentando, em conjunto, um processo histórico de antitruste movido pelo congresso americano com intuito de entender e enfrentar o poder tecnológico que hoje está concentrado somente em cinco companhias: Apple, Amazon, Facebook, Google e Microsoft, juntas, equivalem a 30% do PIB norte-americano. 

NÃO É FEIO SER RICO

Neste vai e vem do ranking alguns se destacam pela avidez nos lucros e baixa empatia com seus colaboradores, como no caso de Jeff Bezos, CEO da empresa onde estão pendurando celulares na porta para sobreviver. 

“Dê uma boa razão para não merecermos um salário mínimo de US$ 30 por mês quando este homem ganha US$ 4.000 por segundo.” É o mote do protesto realizado contra a Amazon, inclusive com manifestantes construindo uma guilhotina em frente a casa do empresário em comemoração a Bezos ter se tornado o primeiro homem com uma fortuna de US$ 200 bilhões

A gigante do e-commerce já se viu confrontada por várias situações no mínimo complicadas em relação aos direitos trabalhistas e a forma como consegue entregar produtos com preço baixo ao redor do mundo. Desde gerenciamento insensível pelas lideranças a falta de benefícios, a equação para se tornar competitiva fez da Amazon um verdadeiro moedor de carne na vida profissional de seus colaboradores, conforme pontua um dos agentes de inovação regional de Santa Catarina, Rodrigo Oneda Pacheco, no seu podcast semanal O lado B do case de sucesso: Amazon

Embora Jeff Bezos esteja na vitrine das críticas no momento, fato é que praticamente todas as empresas que transformaram algum mercado através de disrupção sofrem críticas no processo. 

O Uber foi acusado inúmeras vezes por infringir a lei, em países como Austrália, França e Estados Unidos, além do agravamento da sua imagem por severas críticas em transformar pessoas desempregadas em funcionários 24/07 sem contratá-las para isso

Já a Apple confronta desde sua fundação inúmeros processos, desde patentes como falamos aqui, até suicídio de 17 funcionários na fábrica chinesa do IPhone devido às péssimas condições de trabalho.

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Não se trata aqui do merecimento ou não dos resultados destas grandes companhias, alavancadas por altos investimentos e uma capacidade infinita de colocar em prática a revolução na gestão, competência técnica e visão de mercado.

Embora ações filantrópicas de resultados existam, como na fundação Bill&Melinda Gates, é notório a falta de escrúpulos em algumas atividades ditas “disruptivas” no que concerne ao respeito com as pessoas.  Mas seria esta falta de empatia com o outro uma característica do mercado tech ou um gene impregnado no DNA do capitalismo?

Em seu novo livro “Bullshit Jobs: A Theory” [“Trabalhos de Merda: Uma Teoria”] o escritor David Graeber aponta como o sistema educacional ainda está produzindo pessoas para trabalhos inúteis e como a tecnologia está se aproveitando disso para alocar mão de obra barata.

Sabemos que o ecossistema de inovação é baseado nas relações interpessoais e de como estas utilizam a tecnologia como suporte para melhorar a qualidade de vida, oferecendo mais rapidez, conectividade e eficácia. Porém é de se ficar atento quando nossa empresa ou trabalho começa a se tornar oneroso para os outros, pois a tal disrupção do trabalho de um colega hoje pode ser seu desemprego amanhã.


ALEXANDRE ADOGLIO é CMO na Sonica e empreendedor digital.
Escreve semanalmente sobre Cultura Digital para o SC Inova.

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