[Cultura Digital] Inovação e uma breve parábola sobre patentes

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[Cultura Digital] Inovação e uma breve parábola sobre patentes

É mais importante o gênio por trás de cada invenção ou quem realmente colocou pra rodar e ganhou com isso? Ambos importam? São reconhecidos de forma igualitária?

É mais importante o gênio por trás de cada invenção ou quem realmente colocou pra rodar e ganhou com isso? Ambos importam? São reconhecidos de forma igualitária?


[10.07.2020]

Por Alexandre Adoglio* 

É inegável a conexão entre o mundo virtual (online) e a acessibilidade que as ferramentas online provocaram em nossas vidas. Venho de uma geração que aprendeu a digitar em cursos de datilografia, máquinas elétricas, migrando aos poucos para o jurássico Wordstar, até a redenção lá no primeiro pacote Office incluído como brinde no Windows 95.

Que alegria poder escrever e apagar quando der na telha, sem passar branquinho no papel. E as infinitas possibilidades de uma planilha, além da magia de nunca mais precisar fazer uma apresentação em cartolina, mas sim num passador de slides no PC.

Porém, não percebemos que a enorme evolução das ferramentas digitais em nossas vidas veio de muitas horas de labor de cientistas em seus laboratórios, de garagem ou não. Ficamos encantados pelas lindas histórias de inovação saídas das mentes marqueteiras das grandes corporações nas quais, num lampejo divino, seus fundadores foram responsáveis por mudar toda a história da humanidade com um simples produto saído de um único gênio.

INOVADORES DE VERDADE VERSUS MARKETEIROS DE VIABILIDADE 

Gostaria de começar pelo Nikola Tesla, aquele que agora está famoso devido ao marketing genial do Elon Musk. É sabido que, por muitos anos, dentro de sua mansão e com recursos limitados, o austríaco compôs algumas das maiores invenções da história, obtendo mais de 300 patentes em áreas como eletromagnetismo e eletromecânica, sendo uma das suas maiores contribuições a primeira transmissão wireless, em uma demonstração pública nos idos de 1891

Porém, algumas das patentes de Tesla não são contabilizadas até hoje e várias fontes descobriram outras que estavam escondidas nos arquivos de patentes em países como Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá. Conta-se que, após sua morte, o FBI alocou um grande esforço em suas propriedades para abarcar a maioria de seus manuscritos, que só foram disponibilizados ao público em 2019.

E de fato, muitos empresários desenvolveram seus negócios baseados nas invenções e descobertas de Tesla, sem nunca lhe pagar nenhum centavo. Dentre o mais famoso,  podemos citar o nascimento da General Eletric, nas mãos de Thomas Edison, que embora combatia publicamente as ideias de Tesla copiou descaradamente suas invenções, jogando pra si a criação da corrente contínua, que na verdade foi desenvolvida por Tesla quando era seu funcionário. 

O gênio de Tesla era tamanho que, sem se abater, inovou novamente propondo a corrente alternada, hoje base da automação elétrica nos automóveis, provocando assim a famosa “guerra das correntes” contra o arqui-rival Edison. 

Ter uma grande ideia não é nada sem execução. Podes trazer a maior inovação já vista, porém viabilizá-la é o que torna realmente genial qualquer iniciativa.

Entendemos muito este tipo de dinâmica quando falamos das inovações trazidas ao mundo pela Apple. A despeito da personalidade do fundador, Steve Jobs, as lendas cercando as “invenções” da empresa são muitas, incluindo o conhecido movimento que fizeram para impedir que os reais inventores viessem a público. 

Ovacionado por alguns startupeiros como seu maior ícone, Jobs na verdade foi um grande colador de ideias, vindas de fontes inesgotáveis de pesquisadores no Vale do Silício, que o procuravam para mostrar seus projetos, na ânsia de serem contratados pelo visionário empresário. Na real, a Apple já pagou multas vultosas por infração de patentes, inclusive um documentário detalha bem como a empresa atua de forma radical quando quer utilizar algo que não desenvolveu sem pagar por isso.

Provavelmente a maior invenção de Jobs foi a si próprio, como imagem de inovador, o que pode ser verdade ao observarmos o modo como sua empresa ajudou a mudar a forma como vivemos. Para o bem e para o mal.

É mais importante o gênio por trás de cada invenção ou quem realmente colocou pra rodar e ganhou com isso? Ambos importam? São reconhecidos de forma igualitária?

Dentre muitas outras inovações notórias, temos os seguintes embates Criador vs. Criatura:

O TELESCÓPIO: Em 1608, o holandês Hans Lippershey completou o primeiro telescópio e tentou patenteá-lo, mas a patente foi recusada sem nenhum motivo aparente. Um pouco adiante, quando Galileu Galilei ouviu sobre o trabalho de Lippershey e rapidamente criou seu próprio telescópio, em 1609. Embora o equipamento só conseguia ver um pouquinho a mais que o de Lippershey, Galileu é considerado até hoje o inventor do instrumento, tendo inclusive nomeadas como Galileans as quatro luas em torno de Júpiter.

A PENICILINA: Os nativos de tribos do norte da África já vinham usando a penicilina há milhares de anos. Além disso, em 1897, Ernest Duchesne usou o fungo para curar a febre tifóide em seu porquinho da índia, prova de que ele estava sabendo o que a penicilina poderia fazer. Porém Sir Alexander Fleming foi creditado sobre sua descoberta, quando acidentalmente descobriu a penicilina anos mais tarde mas não pensou que ela poderia ser usada para ajudar alguém. Enquanto isto, alguns outros cientistas, Howard Florey, Norman Heatley, Andrew Moyer e Ernst Chain começaram a trabalhar com a penicilina e eventualmente dominaram a mesma e descobriram uma forma de produzi-la em massa.

O TELEFONE: Em, 1860, um italiano chamado Antonio Meucci demonstrou seu primeiro telefone funcional (que ele chamava de “teletrofono”). Onze anos mais tarde ele registrou uma patente temporária para sua invenção. Em 1874, Meucci não conseguiu pagar os US$10 para renovar sua patente, por que ele era um italiano pobre e doente. Entra em cena, dois anos depois Alexander Graham Bell que não só conseguiu a patente, como fez um acordo para as primeiras instalações em linha. Curiosamente Bell trabalhava no laboratório que guardava os desenhos originais de Meucci na patente temporária.

No Brasil também temos casos notórios de patentes não reconhecidas, não remuneradas ou tardiamente contempladas. O caso de maior comoção nacional com certeza é Santos Dumont, que embora tenha dado exemplos práticos em público de suas invenções é até hoje desacreditado pelos norte-americanos como “Pai da aviação”. Em um imbróglio de como se deu a operação do primeiro voo, o qual até hoje se discute a paternidade, o fato é que a patente do produto avião se encontra na gringa, levando os milhões deste reconhecimento ao caixa deles.

Detalhes técnicos a parte, podemos dizer que a invenção brazuca que mais impactou o mundo foi o walkman. 

Em 2010, depois de uma longa e penosa disputa judicial, o teuto-brasileiro Andreas Pavel conseguiu impor um acordo à maior fabricante de produtos eletrônicos da época, Sony, a reconhecer e pagar royalties tanto do walkman fabricado por ela como da venda do iPod da Apple, já que a companhia japonesa se dotava da patente do aparelho inventado em terras brasileiras.

Em uma busca que levou mais de 30 anos, Andreas Pavel se tornou uma pedra no sapato das gigantes de tecnologia, que não só tiveram que reconhecer a invenção do brasileiro mas também desembolsar milhões em compensação retroativa. Pavel, que gerou uma inovação no simples conceito de “adicionar trilha sonora à vida real”, nos ensina que a genialidade de fato precisa ser tratada em vários aspectos antes de se tornar viável.

Envolver as pessoas certas, com atitudes certas e no momento certo. Com certeza inovação de verdade precisa de muito mais do que uma boa ideia.


ALEXANDRE ADOGLIO é CMO na Sonica e empreendedor digital.
Escreve semanalmente sobre Cultura Digital para o SC Inova.


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